Desconstruir a narrativa hegemônica do crime da Samarco/Vale-BHP a partir de relatos das comunidades atingidas no Espírito Santo e Minas Gerais. Esta é a proposta do projeto independente “Meu Rio Doce”, que busca financiamento coletivo para formar uma rede de comunicação popular que interligue diferentes pontos do rio Doce, contaminado pela lama de rejeitos da barragem rompida em Mariana (MG).
“E se os próprios moradores que vivem às margens do rio Doce relatassem de maneira livre sobre o maior crime ambiental da história do Brasil?”, sugerem os idealizadores do projeto.
A iniciativa, como ressalta o jornalista e fotógrafo Bruno Miranda, pretende impedir o esquecimento do caso, mostrando o verdadeiro lado das pessoas que vivem esse crime todos os dias, como contraponto ao discurso que a Samarco tenta vender à população com campanhas milionárias patrocinadas nos principais veículos de comunicação do País.
“O crime ambiental tem responsáveis: a Samarco e seus donos, a Vale do Rio Doce e a BHP. Mas eles estão investindo milhões numa narrativa na qual buscam isentar-se de culpa pelo crime e apresentar-se como acolhedores e preocupados com as pessoas e o ambiente – tudo mentira, como já se sabe”, destacam os idealizadores.
A ideia é acompanhar as transformações contínuas da lama de rejeitos da barragem de Fundão que se rompeu no dia cinco de novembro do ano passado e ainda percorre o rio Doce, gerando impactos constantes às comunidades afetadas. Para os integrantes dessa rede coletiva, não teria forma mais adequada de se fazer isso senão pelas mãos daqueles que vivem às margens do rio, com registros diários in loco. A proposta, como apontam, é pautada na memória da comunidade.
O canal escolhido para divulgar os registros para o Brasil e exterior são as redes sociais, “não como fonte de promoção individual, mas como forma de contar a realidade de um povo através de sua própria narrativa, mostrando suas tradições e, principalmente, as mudanças provocadas pela catástrofe ambiental”.
A estrutura inicial compreende seis pontos: Regência (Linhares), Colatina e Baixo Guandu, no Espírito Santo, e Resplendor, Governador Valadares e Barra Longa, em Minas Gerais. Em cada um deles será disponibilizado dois smartphones diretamente ligados a uma página do Facebook e outra do Instagram, para divulgação externa, e a uma conta do Telegram/WhatsApp, para articulação interna. Para isso, será realizada uma oficina de mídia livre aos colaboradores, realizada pelo coletivo Jornalistas Livres.
O projeto pretende ainda desenvolver narrativas em comum entre os moradores. A primeira, já em andamento, é mostrar, por meio de fotos, cenas que retratam o mesmo ponto do rio antes e depois da tragédia. Outro objetivo é convidar pessoas em diferentes locais a buscarem suas histórias e participarem de forma natural da rede, de maneira a pressionar o poder público e as empresas poluidoras.
Todo o projeto tem custo anual de R$ 60 mil pelo prazo de um ano e a captação dos recursos é feita por meio de financiamento coletivo, na plataforma Juntos.com.vc.
Os trabalhos, porém, já começaram. Os integrantes da rede têm fornecido informações de monitoramento dos impactos, com aparelhos emprestados.
A consolidação da rede começou em janeiro, quando Bruno Miranda e o fotógrafo Apoena Medeiros percorreram por 16 dias locais devastados pelo crime. Além deles, são colaboradores Thalena Pereira, de Regência, Domingos Ponche, de Colatina; Danieli Cypriano, de Baixo Guandu; Douglas Krenak, Geonavi Krenak e o cacique Rondom Krenak, de Resplendor (MG); Behin Cordeiro, de Governador Valadares (MG); e missionária Doroty, de Barra Longa (MG).
Bruno Miranda destaca que o projeto é o primeiro de várias articulações programadas em alianças com coletivos de São Paulo, com propostas para captação alternativa de água e empoderamento dos atingidos. “A intenção é que as comunidades sejam, depois, os únicos protagonistas das ações”, assegurou.