Merci Pereira aponta risco de enfraquecimento das unidades e maior influência empresarial
Mais um projeto de lei (nº 409/2024) enviado pelo governador Renato Casagrande (PSB) à Assembleia Legislativa acende preocupações em relação à privatização das Unidades de Conservação (UCs) no Espírito Santo. Trata-se da proposta de criação do Fundo Estadual de Compensação Ambiental (Fecam), com uma conta de R$ 37 milhões, que centraliza a administração dos recursos e retira a função dos gestores das UCs, que hoje deliberam sobre a destinação das verbas por meio de conselhos.
A justificativa da gestão estadual é “aumentar a eficiência na destinação dos recursos” e “agilidade no processo de licenciamento ambiental”. O Fecam, aponta a proposta, “recepcionará os recursos da compensação ambiental destinados pelos órgãos licenciadores às Unidades de Conservação – UCs instituídas pelo Estado, a serem aportados por empreendedores públicos e privados, sendo responsável pela execução, direta e indireta, e pela gestão operacional centralizada dos recursos de compensação ambiental”.
A criação do fundo também acompanha uma reestruturação administrativa, com a previsão de uma Secretaria Executiva dos Fundos Ambientais, responsável não só pelo novo fundo, mas também pelo Fundo Estadual do Meio Ambiente (Fundema) e pelo Fundo Estadual de Recursos Hídricos e Florestais do Espírito Santo (Fundágua). O projeto também prevê a criação de cargos comissionados para gerir esses fundos, incluindo de secretário executivo e assessor especial dos fundos ambientais.
O coordenador do Observatório Capixaba da Água e do Meio Ambiente, Merci Pereira Fardin, aponta o risco de enfraquecimento das UCs e do aumento da influência empresarial sobre a gestão ambiental. Segundo o engenheiro agrônomo e assessor do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente (Sindaema-ES), o novo fundo segue a lógica de outros já implementados pelo governo, como o Fundágua e o Programa Reflorestar, que abrem brechas para flexibilizar o uso de recursos públicos em benefício de instituições privadas.
“O fundo submete as políticas ambientais ao interesse privado. Antes, os recursos eram destinados à manutenção das UCs com base em regras técnicas; agora, há uma abertura para que instituições privadas concorram a esses recursos por meio de editais, o que pode comprometer os objetivos originais das unidades”, alerta.
O projeto prevê ainda a escolha livre das instituições financeiras responsáveis pela gestão dos recursos de compensação ambiental e permite que até 5% dos recursos do fundo sejam usados para seu custeio administrativo, além de premiar por performance o agente operador.
Desmontes
O recém-criado Observatório Capixaba está em fase de análise dos documentos que embasam o projeto de lei e vai divulgar uma nota oficial e outras ações de posicionamento. Segundo Fardin, a proposta se insere em um contexto mais amplo de desmonte das políticas ambientais, tanto no nível estadual quanto federal.
“Estamos assistindo a um processo contínuo de desmonte ambiental há duas décadas, mas agora de forma acelerada. O Fecam é mais um exemplo de como a política ambiental está sendo flexibilizada para atender aos interesses econômicos, à medida que o Estado abre mão de sua função de gestor ambiental”, criticou.
Ele também chamou atenção para o enfraquecimento do Iema, que recentemente anunciou um concurso com vagas insuficientes para atender às necessidades do órgão.
“A criação desse fundo, associada ao esvaziamento do Iema, é parte de um processo que visa quebrar o regramento técnico e a gestão pública eficiente dos recursos ambientais. Estamos vendo uma balcanização dos recursos, que serão usados conforme interesses privados, sem a devida supervisão”, reiterou Fardin.
Lógica do perigo
O projeto de lei gera preocupações em torno da mudança na função das UCs, que tendem a deixar de ser focadas exclusivamente na preservação ambiental para se voltarem à exploração econômica, com a justificativa de garantir a sua manutenção.
A flexibilização das regras para uso dos recursos de compensação ambiental, de acordo com o coordenador do Observatório Capixaba da Água e do Meio Ambiente, visa “ressignificar o uso dos parques”, transformando-os em locais de interesse econômico em vez de áreas de preservação.
“A lógica que está se seguindo é de que, ao ampliar a visitação e a infraestrutura dos parques, o mercado pode se impor frente ao objetivo de conservação. Isso é extremamente perigoso, pois retira a capacidade de fiscalização e preservação que as UCs deveriam ter como prioridade”, ressaltou.
‘Atenção máxima’
O Projeto de Lei 409/2024 passou por “discussão especial” em duas sessões no plenário da Assembleia Legislativa e passará por uma terceira antes de seguir para análise nas comissões. A próxima sessão que discutirá o futuro do Fecam está prevista para segunda-feira (30). Para Fardin, o momento é de “atenção máxima”.
“Esse projeto faz parte de um movimento maior de privatização das UCs que ocorre em todo o país. As pessoas precisam estar atentas ao que está em jogo aqui: a proteção ambiental está sendo subordinada a interesses econômicos, e isso terá consequências graves para a biodiversidade e o futuro das políticas ambientais no Brasil”, concluiu.