O protesto realizado pelos moradores de Regência, em Linhares (norte do Estado), chegou ao quinto dia nesta segunda-feira (4). A comunidade mantém bloqueado o acesso da vila de pescadores para a Samarco/Vale-BHP e seus terceirizados e só pretende liberá-lo depois que a empresa for até ao local com alguma proposta. Até agora, segundo eles, não houve avanço nas reivindicações, porque a Samarco insiste em negar apoio emergencial às famílias atingidas pelo crime, além de reagir com descaso ao pleito apresentado pelos moradores.
“Um dos diretores chegou a dizer que eles não estão preocupados com a imagem da Samarco, nós é que temos que ficar preocupados com a imagem de Regência”, destacou indignado Pablo Ferreira, morador e comerciante da vila.
A declaração foi feita nessa sexta-feira (29), durante a segunda reunião realizada entre a comunidade e a empresa. A Samarco convocou uma comissão para ir a Linhares debater a pauta do protesto, o que gerou expectativa de o diálogo avançar, mas manteve o discurso de que não tem como fazer nada agora pela comunidade.
A empresa quer adiar a questão sem estipular prazos, o que não atende às necessidades dos moradores, nem oferece qualquer garantia às famílias, que perderam suas principais atividades de subsistência, a pesca artesanal e o turismo, com a chegada da lama de rejeitos ao rio Doce e ao mar.
No dia anterior, a Samarco já havia se reunido com uma comissão formada por integrantes da comunidade, também em local afastado da vila. No entanto, os moradores contam que não houve uma negociação, e sim a tentativa da Samarco de se impor. “Agora a empresa terá que vir aqui conversar com os moradores. Nosso protesto é pacífico, por que tem que ser em outro lugar?”, questionou Pablo.
Embora os impactos do rompimento da barragem tenham afetado diretamente toda a comunidade de Regência, a Samarco/Vale-BHP não aceita discutir a ampliação para os outros moradores do pagamento do auxílio-emergencial hoje pago a pescadores e ribeirinhos, mesmo assim, uma minoria. A alegação da empresa é de que isso abriria precedentes.
A empresa também se nega a informar dos critérios para o pagamento e a disponibilizar a lista das pessoas que recebem o cartão do auxílio, como reivindicam os moradores. Há denúncias de que até pessoas de fora de Regência estariam recebendo o pagamento, obrigatório por decisão judicial.
Outra questão já apresentada à empresa é que, com a grave situação da vila, existem famílias passando fome, o que as obriga a consumir os peixes contaminados. A pesca no norte do Estado está proibida pela Justiça devido aos estudos que atestaram a contaminação do rio Doce e de algumas espécies de peixes por metais pesados. No segundo dia de protesto, os moradores chegaram a impedir a saída de Regência de uma camionete carregada de peixes, para provável venda em Linhares.
O protesto da comunidade de Regência começou na última quarta-feira (27), como uma reação ao anúncio da Samarco/Vale-BHP de que iria retirar na sexta-feira (29) a base instalada na cidade após o crime do rompimento da barragem, além de encerrar o fornecimento de caminhões-pipa e o cadastramento para pagamento do auxílio-emergencial aos atingidos.
O bloqueio impede a saída de Regência do material da empresa pela estrada e há, também, vigilância no porto da vila, que poderia servir como passagem alternativa. Com a dificuldade de diálogo com a empresa, o protesto é a única maneira de a comunidade reivindicar seus direitos após quase seis meses de descaso.
Nesse final de semana, os moradores de Regência reuniram esforços na mobilização em evento realizado Fórum Capixaba de Entidades em Defesa da Bacia do Rio Doce em Povoação, que sofre os mesmos impactos do crime da Samarco. Além de mutirão de limpeza no rio, a comunidade encaminhará um documento com as reivindicações para a empresa e os órgãos competentes.
Água
Embora tivesse a intenção de interromper o abastecimento por meio de caminha-pipa em Regência, a Samarco terá que manter o serviço, sob multa diária de R$ 1 milhão e responsabilização por crime de desobediência, como determinou a Justiça de Linhares nessa sexta-feira (29). A decisão do juiz da comarca local, Thiago Albani Oliveira, acatou liminar em ação civil pública movida pela prefeitura.
Já o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) de Linhares, como havia se comprometido em reunião com a comunidade, tem garantido a presença diária dos caminhões-pipa. Os moradores também perceberam, após as reivindicações, uma melhoria na qualidade da água.
Na última quinta-feira, eles denunciaram aos diretores do Saae a turbidez e mau cheiro da água que chega às casas de Regência e o aumento dos casos de crianças e jovens com diarreia, náuseas e dor de cabeça.
A autarquia municipal garantiu que irá investigar a situação e ainda se comprometeu a fazer pelo menos mais dois poços artesianos para abastecer a vila. Os moradores querem que Regência tenha autonomia de abastecimento e não dependa exclusivamente dos caminhões- pipas.
Os moradores não querem o retorno da captação de água pelo rio Doce, contaminado pela lama de rejeitos da mineração, nem concordam como é feito atualmente no rio Pequeno (separados apenas por uma barragem), igualmente impróprio para consumo humano.
Além disso, cobram a realização de um mapeamento hidrogeológico urgente da foz do rio Doce e defendem a descentralização do uso dos corpos hídricos disponíveis na região para uso das comunidades.