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Pulverizações com agrotóxicos continuam no entorno do Parque de Itaúnas

Os moradores do Território Quilombola Tradicional do Sapê do Norte, no norte do Espírito Santo, foram testemunhas, na manhã desta segunda-feira (21), de mais um capítulo de um dos tantos crimes recorrentes protagonizados pelas multinacionais do papel e da celulose na região: o conhecido avião amarelo fez nova aspersão aérea de “defensivos agrícolas” sobre os plantios de eucalipto, atingindo também lavouras e mesmo casas de comunidades quilombolas como Angelim e Juca Ramos.

“Começou por volta das 9h. E o último voo passou bem pertinho da comunidade, bem rasante”, relata Terezino Trindade Alves, presidente da Associação de Agricultores e Agricultoras da Comunidade Quilombola de Angelim 1 (Aacqua).

Angelim é uma das comunidades mais antigas do Sapê, localizada no entorno do Parque Estadual de Itaúnas (PEI), em Conceição da Barra, norte do Estado. Os moradores trabalham duro, há anos, para recuperar as nascentes, córregos e lagoas que desapareceram, sugadas pelo deserto verde implantado pela Aracruz Celulose (Fibria).

É preciso ressaltar que as monoculturas de eucalipto das papeleiras começaram a ser implantados no norte do Espírito Santo há mais de meio século. A primeira fase, sobre o túmulo da Mata Atlântica de Tabuleiro que a própria Aracruz Florestal arrancou com seus correntões de ferro. A segunda fase da expansão dos eucaliptos se deu em áreas degradadas pelas monoculturas de café e gado.

Na fase atual da expansão – sim, o Estado capixaba continua subjulgado aos desmandos das multinacionais da celulose –, os eucaliptos substituem canaviais e áreas ainda mais degradadas ocupadas por antigas fazendas de gado, e não só nas terras planas do norte, mas também já sobem as montanhas da região centro-serrana e até do Caparaó.

Morrem plantas, pássaros, peixes, galinhas

Pois é nesse cenário de horror, de perpetuação de uma calamidade social e ambiental nas terras quentes ao norte do Rio Doce e também no município de Aracruz, onde a fábrica se instalou, que o veneno cai dos céus sobre as comunidades quilombolas do Sapê do Norte, uma das mais impactadas pelo deserto verde. Cai sobre as lavouras, os quintais, os córregos, as casas, até sobre as cabeças das pessoas.

“Matou um bocado de planta. Amarelou tudo na hora!”, diz Maria das Graças Falcão dos Santos, moradora da comunidade Jucá Ramos, no Sapê do Norte, próximo ao Angelim, sobre um sobrevoo ocorrido há cerca de dois meses. “E pra lá do Pé de Boi [fazenda do ex-prefeito Manoel Pereira da Fonseca, conhecido como Manoel Pé de Boi] morreu até peixe”, complementa, trazendo notícias de áreas vizinhas à sua.

A pimenta-do-reino, a mandioca, as galinhas, as aves, as tilápias criadas em uma represa no Córrego Angelim. Tudo morreu, contam Maria das Graças e Terezino. As lavouras de pimenta e mandioca de Maria foram refeitas em um terreno ao lado do que foi fulminado pelo veneno aéreo. Sem qualquer garantia, no entanto, de saúde do solo, pois certamente também foi contaminado, nem de segurança contra um futuro novo sobrevoo. “A pessoa dá uma luta pra comprar, plantar …”, lamenta, sem completar a frase.

“A gente já fez muita denúncia, mas ninguém nunca tomou providência. Parque [Parque Estadual de Itaúnas], ninguém. Fica por isso mesmo”, reclama.

De fato, inúmeras denúncias já foram feitas ao PEI, à Prefeitura e ao Ministério Público. A mais recente foi protocolada no Ministério Público Federal de São Mateus, há pouco mais de um mês. “O procurador Dr. Jorge disse que ia notificar a Fibria e marcar uma audiência entre ela e a Comissão Quilombola do Sapê do Norte. Estamos aguardando”, conta Terezino.

'Plantar sem água?'

Numa audiência passada, realizada entre a Aracruz e os moradores do Angelim, Terezino conta que questionou a empresa sobre a incoerência de se aplicar agrotóxicos numa região onde ela diz incentivar a agroecologia, por meio do Programa de Desenvolvimento Rural Territorial (PDRT).

A propaganda institucional da papeleira, comprada pela imprensa corporativa, diz haver 500 famílias quilombolas “beneficiadas” pelo PDRT, número que é questionado pelas lideranças do Sapê do Norte.

E, entre os que realmente estão cooptados pelo programa, a assistência prestada é irrelevante. “O programa não resolve a vida das famílias. Eles doam mudas, mas que não são de qualidade. E só. Pra pimenta-do-reino, por exemplo, não dão a estaca. E pra nenhum plantio, fornecem irrigação”, descreve Terezino. 

“É pra gente produzir sem água?”, questionou o presidente da Aacqua, na citada audiência com o algoz histórico do seu povo. “Então por que vocês não desenvolvem a técnica de cultivar o eucalipto sem água também?”, enfrentou.

O questionamento, explica, é embasado em informações que recebeu de um técnico da empresa terceirizada pela Fibria. Segundo essa fonte, nos primeiros trinta dias após o plantio, cada planta de eucalipto consome cinco litros de água por dia. “Vocês estão jogando dinheiro fora!”, bradou. “Se injetasse esse dinheiro na comunidade diretamente, a gente poderia recuperar as nascentes e fazer agroecologia de verdade”, clamou, reivindicando solução para as nascentes, córregos e rios secos, assoreados, cuja vida foi sugada pelas raízes do deserto verde da Aracruz e Suzano. 

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