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Quem ganha com a concessão do uso público dos parques?

Caparaó voltou à lista de interesse do Ministério da Economia para retomar processo de privatização iniciado há mais de três anos

ICMBio

O Parque Nacional do Caparaó, que acaba de completar 60 anos, voltou à lista de interesse em privatização do governo federal. Após três anos sem muitas notícias sobre o assunto, o Ministério da Economia publicou, nessa terça-feira (14), a Resolução nº 197/2021 do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) que apoia a inclusão do Parna capixaba-mineiro e outras quatro unidades de conservação no Programa Nacional de Desestatização (PND) das unidades de conservação.

Assinada pelo ministro Paulo Guedes e a secretária especial do PPI, Martha Seillier, o objetivo da resolução é orientar o presidente Jair Bolsonaro a deliberar pela efetivação da inclusão das unidades no PND, para que possa ser feita a concessão, à iniciativa privada, da gestão dos “serviços públicos de apoio à visitação, com previsão do custeio de ações de apoio à conservação, à proteção e à gestão das referidas unidades”.

O documento retoma um processo que já havia sido iniciado no Caparaó ainda em 2015. Em junho de 2018, o relatório final do Estudo de Viabilidade Econômica e Financeira foi apresentado pela então coordenadoria de Concessão e Negócios do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que delegou uma equipe de Brasília para apresentar o estudo em uma reunião na sede mineira do parque, em Alto Caparaó.

A expectativa era de lançar o edital para a concessão em poucos dias. Na reunião, no entanto, ao menos uma grave falha na minuta do edital foi apontada: a falta de atendimento à Lei Complementar nº 123/2006, que, aplicada ao caso, determina a obrigatoriedade de contratação de empresas locais pela concessionária vencedora.

“A lei não indica, obriga”, enfatizou, na ocasião, o então secretário de Planejamento de Dores do Rio Preto – município que abriga a portaria capixaba da Unidade de Conservação – e membro do Fórum de Secretários Municipais de Desenvolvimento do Caparaó Capixaba, Francismar Pinheiro.

Após a intervenção do secretário, a questão dos empreendedores locais, que já havia sido levantada por outros presentes na reunião, inclusive Século Diário, os analistas ambientais de Brasília concordaram que levaria a lei em consideração numa prometida retificação do texto do futuro edital. Até então, a questão foi respondida com a justificativa de que a proposta em curso previa a adoção de bonificações à empresa vencedora do edital de concessão.

“A nossa Procuradoria [do ICMBio] não vê com bons olhos exigir determinadas questões de contrato nesse sentido. Então a gente adotou uma outra postura: em vez de exigir, criamos as bonificações, em que, caso ele [o concessionário] adote uma medida que para gente é interessante, porque temos esse compromisso socioambiental em desenvolver, gerar emprego e renda, enquanto Estado…então a gente está adotando a estratégica das bonificações, para que essa obrigação seja em termos de bonificação”, explicou o coordenador de Concessão e Negócios do ICMBio, Fernando Ramos Mendes.

Complementando a explicação, a representante da coordenação regional do ICMBio, Rossana Santana, disse que as bonificações são reduções no valor da outorga que o concessionário deve devolver ao ICMBio e serão concedidas quando ele, “por livre e espontânea vontade, oferecer um benefício que tenha relação com o entorno, com o desenvolvimento socioambiental”, como contratar empresas e mão de obra local ou usar materiais sustentáveis nas construções.


O estudo, iniciado em 2016, considerou um crescimento médio de 20% ao ano no número de visitações ao Caparaó – chegou a 62,3 mil em 2017. Na época, a intenção do ICMBio era conceder, por 25 anos, uma área de 2,4 mil hectares – dentro dos 31,8 mil hectares da área total do Parque – para a prestação de alguns serviços de apoio à visitação, como bilheteria, estacionamento, hospedagem (camping e alojamento) e venda de alimentos, bebidas, souvenirs e produtos especializados. Transporte (jipeiros) e condução estão de fora.

Um dos critérios para definição dos investimentos e da outorga mínima proposta no edital foi o número atual de visitantes e a estimativa de crescimento, que, no caso do Caparaó, foi subestimado em 5% ao ano, bem menos do que a realidade já demonstrada, de 20%. A outorga estabelecida também foi bem “conservadora”: de apenas 2%, abaixo de parques mais visitados, como Fernando de Noronha, que tem outorga de 14,7%. Além disso, algumas demandas antigas tendiam a ficar de fora do contrato, como a melhoria de estradas importantes. Atendendo ao raciocínio de tornar o edital “mais atraente”, tais demandas continuariam sob responsabilidade do governo federal e das prefeituras.

Turismo de Base Comunitária

De volta a 2021, a expectativa é de que a retomada do processo de desestatização do Parque Nacional do Caparaó contemple de fato o envolvimento das comunidades nas atividades de uso público.

Diretora-executiva do Consórcio Público Intermunicipal de Desenvolvimento Sustentável do Território do Caparaó Capixaba (Consórcio Caparaó), a socióloga e ambientalista Dalva Ringuier lembra que o parque tem uma área de 31,8 mil hectares e várias comunidades com características diferenciadas em termo de público e cultura, cabendo então, “a cada município, junto com as comunidades, trabalharem de forma conjunta as suas potencialidades de acordo com sua aptidão”.

O turismo no entorno do parque foi alavancado pioneiramente entre 1995 e 1998, com o Projeto Cama e Café, que seguiu os princípios do Turismo de Base Comunitária. O projeto trabalhou o formato em que os turistas se hospedam nas casas e propriedades dos moradores. “Claro que tiveram capacitações em saber receber, boas práticas de higiene, arrumação dos quartos, e etc.”, ressalta Dalva. “Até hoje ainda tem Cama e Café no Caparaó e, depois, ele foi copiado e levado para outras regiões do Estado e até no Rio de Janeiro”, conta.

Dalva também reconhece o sucateamento das unidades de conservação capixabas e brasileiras e do próprio setor de proteção ambiental como um todo, com os orçamentos anuais sendo seguidamente minguados e os órgãos perdendo servidores por falta de valorizações dos profissionais, além da escassez de recursos materiais e técnicos para os trabalhos administrativos e de campo.


Orçamento em queda

A portaria capixaba, na Pedra Menina, distrito de Dores do Rio Preto, não tem condições hoje de socorrer um acidente que acontecer dentro do parque, exemplifica a diretora-executiva do Consórcio. “Os parques em geral estão muito carentes e alguns serviços essenciais já são feitos em parcerias. Estamos dialogando com o parque”, relata.
Em reportagem publicada em janeiro deste ano, o jornal ((oeco)) divulgou um estudo feito por pesquisadores de duas universidades federais de Minas Gerais e publicado na Revista Parks, periódico internacional da União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN), que mostra a redução sistemática dos orçamentos dos parques nacionais localizados em Minas Gerais, como é o caso do Caparaó, que tem 20% de sua área no estado mineiro e sofreu uma redução drástica, de R$ 1,2 milhão em 2018, para R$ 77,8 mil em 2019, uma queda de 93,64%.

É a velha máxima do capitalismo predatório, de sucatear os bens públicos para entrega-los à iniciativa privada, sendo aplicada às unidades de conservação. No caso ambiental, ressalta-se, não há grande distinção entre governos de esquerda ou de direita. No Brasil, a proteção do meio ambiente nunca conseguiu chegar de fato ao podium das prioridades de gestão e orçamento, nem mesmo nos governos mais devotados ao fortalecimento dos direitos constitucionais e bens públicos, com os equipamentos que estruturam a saúde e a educação pública.

No estudo publicado pela Parks, os acadêmicos apontam “diferentes estratégias podem ser adotadas para lidar com essas questões”, como compensações ambientais obrigatórias feitas pelo setor privado e benefícios fiscais, como o ICMS Ecológico, além de concessões em unidades de conservação e parcerias com a iniciativa privada e “principalmente com as comunidades do entorno”, para que “esses preciosos ativos [ambientais das unidades de conservação] continuem contribuindo para a conservação da biodiversidade e de seus serviços ecossistêmicos”.

UCs já concessionadas e por concessionar

A Resolução 197/2021 do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) inclui, além do Caparaó, outros três parques nacionais – Restinga de Jurubatiba/RJ; Serra da Canastra e Serra do Cipó/MG; e a Floresta Nacional (Flona) de Ipanema/SP.

As justificativas se assentam na alegada necessidade de “permitir que a administração pública federal concentre seus esforços nas atividades em que a presença do estado seja fundamental”, “ampliar as oportunidades de investimento e emprego no País e de estimular o desenvolvimento econômico nacional” e de “expandir a qualidade do serviço público de apoio à visitação, bem como os serviços de apoio à conservação, à proteção e à gestão da unidade de conservação”.

Até aqui, a agenda de concessões realizou leilões de quatro UCs: os Parnas de Aparados da Serra e de Serra Geral (RS/SC), e as Flonas de Canela e de São Francisco de Paula (RS). Ao todo, são previstos investimentos superiores a R$ 420 milhões. Entre os investimentos obrigatórios, estão serviços de manutenção e proteção ambiental, como corpo de brigadistas.

Atualmente, existem sete Parnas concessionados nos estados do Rio de Janeiro, Paraná, Goiás, Bahia e Pernambuco: Itatiaia; Chapada dos Veadeiros; Foz do Iguaçu; Tijuca; Pau Brasil; Serra dos Órgãos e Parna Marinho de Fernando de Noronha.

E existem dezoito em processo de concessão: Parna Aparados da Serra; Parna Serra Geral; Flona de Canela; Flona de São Francisco de Paula; Parna de Brasília; Parna de São Joaquim; Parna da Serra dos Órgãos; Parna do Iguaçu; Parna de Jericoacoara; Parna dos Lençóis Maranhenses; Parna da Chapada dos Guimarães; Parna de Ubajara; Parna da Serra da Capivara; Parna da Serra da Bodoquena; Flona de Brasília; Parna Anavilhanas; Parna do Jaú e Parna da Serra da Bocaina.

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