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‘Quem mata tartaruga é a poluição do porto e as lanchas em alta velocidade’

Em reunião prévia à audiência pública, pescadores apresentam ajustes necessários à lei que os criminalizou

O auditório do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) recebeu dezenas de pescadores e o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara de Vitória, vereador Luiz Paulo Amorim (SDD), na tarde desta terça-feira (27), para uma reunião prévia à audiência pública que será realizada no próximo dia 4, às 19h, no auditório da Prefeitura de Vitória.

O objetivo de ambas as reuniões é encontrar uma solução para a situação de criminalização a que os pescadores artesanais da Capital foram lançados a partir de 2017, com a promulgação da Lei nº 9.077, que proíbe a pesca de rede na baía de Camburi, atividade tradicional, parte da identidade cultural da cidade e do Estado, e sustento digno de milhares de famílias que moram em regiões mais antigas e hoje periféricas, como Jesus de Nazareth, Grande Vitória, Ilha das Caieiras, Santo Antônio e São Pedro.

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“Quando a pesca ficou proibida, a gente teve que trabalhar na marginalidade para sobreviver, viramos bandidos”, relata Valquírio Sampaio Loureiro. “Levei tiro de Polícia Ambiental no motor do meu barco. Eles falam que pescador é pior que bandido. É uma perseguição constante”. Uma perseguição, afirma, que não tem qualquer justificativa ambiental.

“Eu pratico a pesca assistida há 40 anos. A gente coloca a rede, fica olhando e recolhe ela em quarenta minutos, e solta os peixes que não quer, as tartarugas, as arraias, o que não for o nosso pescado, a gente solta. Não mata esses animais protegidos”, relata, referindo-se a uma proposta já apresentada pelo Comitê Estadual de Gestão Compartilhada para o Desenvolvimento Sustentável da Pesca (Compesca) à prefeitura como viável para a convivência entre a pesca artesanal e a conservação ambiental, mas que não foi aceita pela gestão de Luciano Rezende (Cidadania).

Os verdadeiros inimigos das tartarugas, afirma, são outros. “Eu conheço Vitória como a palma da minha mão. Eu sei onde tem pedra, onde não tem, onde tem plástico…depois da lei do Luiz Emanuel [vereador do Republicanos], já morreu por volta de mil tartaruga e umas 10 mil arraias. Quem mata os animais é a poluição do porto, dos navios, o pó preto, o excesso de plástico, as lanchas que saem em alta velocidade do Iate Clube, na Praia do Canto, que acertam os cascos das tartarugas. Tem muitas tartarugas mortas pelas lanchas. Eu tenho vídeo e foto de tudo”.

Todo esse material, afirma, será apresentado durante a audiência pública. “O pescador não está errado. Eles vão ver tudo isso na audiência. Todos esses navios que chegam de outros países, soltam no porto aquela água que você não sabe o que tem ali. Sou marítimo também. Eu trabalhava no porto atracando navio, aquela água de lastro enferrujada que joga tudo na baía de Vitória”, relata, referindo-se à área de influência do Porto de Vitória, no Centro da cidade. Ali, conta, “o porto ficou três anos jogando dinamite e nenhum ambientalista, ninguém do meio ambiente falou nada. Para eles, só o pescador é problema. É mentira”.

Na reunião desta terça-feira, foi apresentado ao presidente da Comissão de Meio Ambiente um mapa elaborado em conjunto com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que mostra como é possível a convivência entre as tartarugas, que motivaram a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) das Tartarugas, em 2018, dentro da baía de Camburi, bem como a manutenção do pesqueiro de camarão tradicional próximo ao Porto de Tubarão.

Reprodução

“Eu levei esse mapa com dois metros por dois metros. Eu que elaborei aquilo ali junto com o ICMBio e o Compesca. Já fazem uns dez anos. A gente apresentou para a prefeitura o mapa, a portaria para legalizar a pesca assistida, mas a política é contra o pescador e só é a favor das empresas. A pesca assistida nunca matou uma tartaruga”.

Perseguição

A perseguição inaugurada com a lei municipal de 2017, conta, ficou ainda mais acirrada após uma operação conjunta de fiscalização realizada no dia 6 de junho, envolvendo a Prefeitura de Vitória, Capitania dos Portos, Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Polícia Federal e Polícia Ambiental, apreendeu o material de trabalho de sete pescadores de camarão que estavam em um local de trabalho utilizado pelos pescadores há mais de 80 anos.

O pesqueiro tradicional é mais antigo que o Porto de Tubarão que se instalou de frente a ele na década de 1960, e que é complementada pelas gigantes Vale e ArcelorMittal, maiores responsáveis pela poluição do ar da Grande Vitória e que também atinge o mar das adjacências.

Após a operação conjunta, a pesca de rede realizada também tradicionalmente na baía de Camburi localizada entre o Porto e o Pier de Iemanjá, também passou a ser ainda mais perseguida. Resultado: pescadores sem trabalhar há três semanas, passando dificuldade para colocar o alimento na mesa de suas famílias e também sem abastecer o mercado que atende à Grande Vitória, conforme registraram os pescadores na manhã desta terça-feira no mercado da Colônia Z-5, na Praia do Suá.

Na audiência pública do próximo dia 4, a expectativa é que todos os órgãos, federais e municipais envolvidos na questão, se façam presentes para que as adequações necessárias à lei sejam feitas de forma a retirar o pescador da criminalização a que foi submetido, acrescentando a permissão para a pesca assistida na baía de Camburi.

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Também é esperado que interpretação adequada dessa lei municipal, bem como das portarias do Ibama que tratam do assunto, seja compartilhada entre os órgãos, para que não haja dúvida sobre a legalidade do pesqueiro de camarão onde a operação prejudicou os camaroeiros no dia 6 de junho.

No dia da audiência, os pescadores terão completado quatro semanas sem trabalhar. Até lá, continuarão se ajudando e agradecendo doações que puderem ser feitas, para que suas famílias não passem mais necessidadee o consumidor da região metropolitana terá que ter paciência até que os órgãos permitam a volta da normalidade e o abastecimento dos mercados possa ser retomada.

Quanto à Festa de São Pedro, outra tradição da cidade, esta também terá que se adequar à gravidade do momento. A procissão marítima, afirmam os pescadores, pode até acontecer, mas não terá a presença dos trabalhadores. “Pescador está sem trabalhar há 21 dias. Como é que vão participar de procissão? Não vão”, reafirma Valquírio, ecoando o grito de seus companheiros em busca de justiça. Que São Pedro os ajude e a todos os que respeitam a pesca artesanal de Vitória.

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