Isenção de impostos pelo governo federal não resolve alta dos alimentos, alerta MPA

O governo federal anunciou um conjunto de medidas para reduzir os preços dos alimentos ao consumidor e fortalecer a produção agrícola nacional. Na avaliação do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), as ações são válidas, mas insuficientes enquanto o foco não estiver na produção local de alimentos diversificados e saudáveis, de modo a garantir condições para que as famílias camponesas possam produzir e comercializar de forma justa.
Entre as ações anunciadas, está a isenção do imposto de importação para nove produtos considerados essenciais: azeite (hoje 9%), milho (7,2%), óleo de girassol (até 9%), sardinha (32%), biscoitos (16,2%), massas alimentícias (14,4%), café (9%), carnes (até 10,8%) e açúcar (até 14%). Além disso, a cota de importação do óleo de palma será ampliada de 65 mil para 150 mil toneladas.
Outra iniciativa é a priorização da produção de alimentos da cesta básica no Plano Safra, programa que oferece financiamentos com juros subsidiados para estimular a produção interna. Essa priorização também inclui os óleos de canola e de girassol, culturas de inverno.
Cássia Cassaro, dirigente do MPA no Espírito Santo, afirma que a redução de impostos sobre produtos importados pode ajudar, mas não resolve o problema estrutural do abastecimento alimentar. “Tudo é muito válido, mas nossa avaliação é que o essencial é produzir alimento saudável, onde todas as famílias camponesas que têm um pedaço de terra, e aquelas que não têm, possam ter também. Precisamos de políticas para isso”, argumenta. Para ela, é necessário incentivar a produção local e sua comercialização, além de oferecer infraestrutura para que os produtos cheguem aos mercados e às periferias com preços acessíveis.

O novo Plano Safra, que trará novas diretrizes e incentivos para a próxima temporada agrícola, deve ser lançado em junho próximo e representantes do movimento de camponeses reforçam a expectativa de que o programa contemple políticas voltadas ao apoio à produção agroecológica, acesso a crédito e tecnologias para pequenos e médios produtores.
Cássia destaca que a atual estrutura de produção prioriza monoculturas voltadas para exportação, como a soja, em detrimento de alimentos essenciais. “O governo fala em supersafra, mas quando olhamos, essa produção não é de alimentos diversificados. O que chega à mesa do povo brasileiro continua caro. ‘Queremos um modelo que priorize produção de alimentos diversificados e saudáveis, para alimentar tanto o campo quanto a cidade”, defende.
Clóvis Conti, também dirigente do MPA, reforça que as medidas do governo federal precisam ser acompanhadas de um fortalecimento da agricultura familiar. “A agricultura familiar é responsável por cerca de 70% da comida que vai para a mesa do povo. O agronegócio, por outro lado, exporta commodities, deixando o mercado interno vulnerável a altas de preço, porque com isso muitos agricultores passam a optar pela produção dessas commoddities, como café, cacau e pimenta do reino, em detrimento de uma produção diversificada de alimentos. A falta desses produtos internamente aquece os preços, e quem paga por isso é o povo mais pobre”, analisa.
Conti considera que medidas como a isenção de impostos sobre importação podem ter efeito positivo ao pressionar o mercado interno, mas alerta que a solução de longo prazo está na valorização da produção agroecológica e na garantia de apoio aos pequenos produtores. “Nós queremos que o governo olhe para a agricultura camponesa, para quem deseja ter um pedaço de terra e produzir alimentos saudáveis. Isso inclui ampliar crédito, oferecer assistência técnica e garantir que o camponês possa vender sua produção por um preço justo”, defende.
A assistência técnica rural tem sido amplamente impactada pelo sucateamento dos órgãos voltados à pesquisa, assistência e extensão, o que dificulta o acesso dos agricultores a suporte especializado, acrescenta Clóvis. De acordo com levantamento do Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos do Estado (Sindipúblicos), os servidores do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) denunciam uma redução de quase 40% do quadro ativo. A falta de estrutura e de profissionais suficientes compromete a efetividade das políticas de desenvolvimento agrícola e a implementação de práticas sustentáveis
Os dirigentes também apontam que é preciso fortalecer programas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), garantindo que mais alimentos da agricultura familiar cheguem às escolas e a outros equipamentos públicos. “A assistência técnica precisa estar presente no campo, acompanhando as famílias e ajudando na transição para a agroecologia. Produzir de forma saudável exige suporte constante, não pode ser algo pontual”, conclui Cássia.
Além das dificuldades de comercialização e distribuição, a crise no campo se agrava com o êxodo rural e a redução do número de integrantes de famílias produtoras. Muitos agricultores enfrentam desafios como a falta de incentivos para permanecerem no campo, ausência de assistência técnica adequada e dificuldades no escoamento.
Parte das perdas de alimentos poderia ser evitada com o uso de tecnologia adequada, como transporte refrigerado e processos de industrialização local que garantam maior aproveitamento dos produtos, destacam os representantes do MPA. Eles defendem que políticas públicas robustas devem garantir não apenas a permanência dos pequenos produtores no campo, mas também viabilizar melhores condições para que possam competir no mercado sem depender das oscilações do agronegócio.
“É preciso o Estado pensar e colocar recursos para a assistência técnica à agricultura familiar, desenvolvendo tecnologia que vem ao nosso encontro, dessa forma podemos dar respostas concreta para uma série de problemas que, dificilmente, o agronegócio vai dar”, enfatiza Clóvis.