Desde a assinatura do primeiro contrato de entrega de alimentos para a merenda escolar, em 2012, os valores efetivamente pagos aos agricultores nunca alcançaram o inicialmente demandado pela prefeitura.
Gessi Cassiano, liderança quilombola da comunidade de Linharinho e coordenadora geral da Associação de Programas em Tecnologias Alternativas (APTA) – ONG que fornece assistência técnica às associações quilombolas –, diz que em 2016, dos R$ 17 mil contratados, menos de R$ 5 mil foram pagos. Esse ano, a situação está ainda pior, pois, transcorrida mais da metade do ano, apenas R$ 800,00 foram pagos.
“Falta conhecimento do que é uma agricultura quilombola no município, querem tudo padronizado. Falta conhecimento do nosso produto pelos funcionários da prefeitura”, avalia Gessi, contando casos de devolução de verduras e folhagens por pura falta de conhecimento.
“Semana passada devolveram o caxixe [tipo de abobrinha verde] de uma moça falando que era purungo. Purungo é um tipo de cabaça usado no berimbau, não é pra alimentação. E eles acham que a gente não conhece o próprio produto!”, exemplifica a líder quilombola, que percebe falta de confiança e muita discriminação.
O que fazer com toda essa produção contratada e não comprada? Alguma quantidade é vendida na feira de Conceição da Barra, mas muito se perde. Uma calamidade para comunidades, que já enfrentam tantos obstáculos para produzir de forma agroecológica em meio ao deserto verde.
Em pauta
O descumprimento do PNAE, o apoio à agroecologia, às cozinhas de farinha e às ações de recuperação ambiental já desenvolvidas pelas comunidades são alguns dos pontos de pauta de uma reunião convocada pela APTA com a prefeitura e entidades parcerias dos quilombolas.
A primeira data teve de ser suspensa, pela falta de disponibilidade dos secretários André Luiz Campos Tebaldi (Meio Ambiente) e Sebastião Sena (Agricultura). A nova agenda é para o dia nove de agosto, mas até agora não houve confirmação dos gestores municipais.
A partir de dados do Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estima-se que as plantações de eucalipto e cana-de-açúcar ocupem mais de 80% da área total de Conceição da Barra.
O retrato fundiário do município é um dos piores do Espírito Santo, com elevadíssima concentração de terras e, consequentemente de renda, além da desertificação do solo e da morte de centenas de corpos d'água. E mostra, claramente, a prioridade que o Poder Público tem dado, historicamente, ao latifúndio e à monocultura, em detrimento da agricultura familiar e dos povos tradicionais.
Renovando as tradições
A despeito da omissão do poder público, as comunidades têm promovido as Retomadas de suas terras, o resgate de práticas agrícolas sustentáveis, unindo o ancestral com as novas técnicas agroecológicas e sintrópicas, e o reflorestamento, principalmente em Áreas de Preservação Permanente (APPs) ao redor de nascentes e corpos d'água. Com apoio de ONGs, coletivos, estudantes, pesquisadores e voluntários.
A farinha e o beiju continuam sendo feitos, ainda que de forma improvisada nas cozinhas individuais das famílias. A Associação de Mulheres Quilombolas do Linharinho (Asmuqlin) reivindica apoio para construção de uma cozinha de farinha na comunidade, outro ponto de pauta da reunião.
As celebrações de agradecimento aos finais de plantio e colheita se mantém, de forma bem tímida. “A comunidade está amedrontada. Perdeu um pouco alegria”, lamenta Gessi. Mas aguardam, tal sementes em germinação, o momento em que a terra e as pessoas desse território estarão mais fortalecidas para retomar a plenitude de seus ritos e renovar suas práticas tradicionalmente sustentáveis.