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Quilombolas e entidades se mobilizam contra decreto que anula titulação de territórios tradicionais

Quilombolas de todo o Brasil, bem como organizações não governamentais, artistas e coletivos diversos, estão mobilizados para a votação que acontece no próximo dia 16 de agosto no Supremo Tribunal Federal (STF). Na data, os onze ministros do Supremo decidirão sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3.239/2004, proposta pelo Partido Democratas (DEM), que pretende anular o Decreto 4.887/2003, que regulamenta o Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, referente à titulação dos territórios quilombolas.

O Decreto, publicado quinze anos após a promulgação da Constituição Federal, inaugurou uma base jurídica consistente para garantir o direito à terra, historicamente negado no país, a essas populações tradicionais. Mesmo após sua publicação, no entanto, passados 14 anos, a maioria dos territórios quilombolas existentes no Brasil ainda não foram reconhecidos. No Espírito Santo, das mais de trinta comunidades, apenas uma foi titularizada, recentemente, em Ibiraçu, norte do Estado. 

A anulação do decreto, portanto, certamente tornaria a luta quilombola por seus territórios ainda mais difícil e as comunidades ainda mais fragilizadas diante da Justiça e da lei. “Pode representar um retrocesso de séculos”, alerta a educadora Daniela Meireles, da Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), uma das ONGs mais ativas na defesa dos direitos dos quilombolas e outros povos tradicionais do país, inclusive no Espírito Santo.

Um retrocesso, complementa a educadora, não só para as populações negras descendentes dos quilombos, mas para toda a sociedade. “Esse processo de Adin pelo DEM corrobora com essa tese de que a terra é para brancos e grandes produtores do agronegócio, que serve apenas para parte da sociedade e não toda a sociedade. Isso é uma declaração de que a terra tem cor. E a cor que o DEM defende é a cor branca”, protesta.

Se o decreto cair, explica, o STF estará assegurando o racismo institucionalizado no país. “Perdemos todos com isso. A sociedade como um todo, que tem lutado de diversas formas, para que esse racismo colonial seja rompido de uma vez por todas”, diz. 

 
Vigília em Brasília

“Nós estamos firmes na luta e vamos continuar lutando”, afirma Katia Penha, quilombola de Divino Espírito Santo, em São Mateus, membro da coordenação nacional da Conaq e que já está em Brasília, com outros militantes, peregrinando nos gabinetes de políticos, ministros do Executivo e do Judiciário, pedindo para que as autoridades “olhem com carinho para a questão”.

A última audiência foi com Gilmar Mendes e já há outras agendas marcadas. Mas nenhum apoio efetivo foi conquistado da bancada capixaba no Congresso Nacional, nem da Assembleia Legislativa. Por ora, artistas como Lázaro Ramos, Osmar Prado e Ícaro Silva e organizações como a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) têm se somado como porta-vozes da causa.

No dia 15 haverá uma vigília em Brasília, junto com lideranças indígenas, que se solidarizam com a luta quilombola. É preciso apoio para levar mais representantes quilombolas a Brasília até o dia 15. A luta continua. “Nós estamos vivos e não vamos permitir que mais direitos sejam tirados”, afirma Katia. 

Processos já estão sendo paralisdos

O julgamento da ADI teve início em 2012 e já recebeu dois votos: um a favor e outro contra. No dia 16, é preciso que seis dos onze atuais ministros votem a favor dos quilombolas. O Instituto Socioambiental abriu a petição online “O Brasil é Quilombola – Nenhum Quilombo a Menos” em seu site, com um vídeo assinado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).

Na página, enfatizam o fato de 75% dos quilombolas viverem, ainda, em situação de extrema pobreza. E alertam sobre a possibilidade todos os títulos de quilombos no país serem anulados. “O futuro das comunidades está em perigo. Novas titulações não serão possíveis sem o decreto. Mais de seis mil comunidades ainda aguardam o reconhecimento de seu direito”, informa.

A educadora da Fase ressalta que, apenas esse único voto favorável ao DEM, já tem paralisado muitos processos de titulação, pois os confrontantes com os territórios quilombolas – na maioria latifundiários produtores do agronegócio, que no caso capixaba se fazem representar principalmente pela monocultura de eucaliptos para exportação de celulose pela Aracruz Celulose (Fibria) e Suzano – têm utilizado os argumentos jurídicos do então ministro Cezar Peluso para obstruir o andamento de várias pedidos de titulação dentro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Daniela exorta a importância histórica do apoio à não aprovação da ADI do DEM no dia 16 de agosto. “Essas comunidades são a expressão máxima da liberdade conquistada por eles. Os quilombolas são aqueles que não sei deixaram escravizar e que buscaram em seus territórios a sua liberdade. E os quilombos são isso: essa liberdade com organização social própria, religião, costumes, culinária. É fundamental que toda a sociedade reconheça essa resistência quilombola nos seus territórios e a importância deles para o Brasil como um todo”.

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