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Quilombolas liberam BR -101, mas voltam a protestar nesta quinta-feira

Fotos: Jorge Alex

 

Durou nove horas o bloqueio da BR-101 feito pelos quilombolas de Conceição da Barra, no norte do Espírito Santo, exigindo que quatro membros da comunidade acusados de roubar gravetos de eucalipto sejam soltos. A pista foi fechada às 5 horas desta quarta-feira (19) e liberada às 14 horas. Os quilombolas foram presos a pedido da Aracruz Celulose (Fibria). Ironia: o suposto ato criminoso, foi praticado em território dos próprios quilombolas. 
 
O fechamento da BR-101 provocou um engarrafamento de pelo menos seis quilômetros de cada lado da pista. Só ambulâncias e veículos com pessoas doentes foram autorizadas a passar pelos manifestantes durante o ato.

Nessa terça-feira (18), o governo do Espírito Santo patrocinou um verdadeiro ato de terrorismo sobre as comunidades quilombolas do Estado: três de seus quatro helicópteros passaram toda a tarde fazendo rasantes sobre as casas dos moradores do território. Moradores comparam a ação aos atos terroristas praticados pela ditadura militar.

 
Risco de morte
 
Estão na cadeia,  a pedido da Aracruz Celulose (Fibria),  Altione Brandino, Antonio Marcos Cardoso, Domingos Cardoso e Hamilton Cardoso. Como se fosse pouco, a prisão arbitrária, que transformou os quilombolas de vítimas em criminosos, teve um agravante. Eles foram transferidos para Viana, na Grande Vitória. Outros 24 estariam na mira da Polícia Civil para serem presos. 
 
Há um problema adicional. O quilombola Altione Brandino é vitima de epilepsia. Faz uso continuado de remédios para controlar a doença. Já Domingos Cardoso é acometido de diabetes e pressão alta. Também faz uso continuado de remédios, e tem dieta rigorosa. Sem medicação adequada, os dois correm risco de morte, afirmam os quilombolas.  

 

Pressão
 
A polícia botou pressão sobre os manifestantes que pararam o trânsito na rodovia. O efetivo estacionado nas proximidades dos manifestantes foi estimado em cerca de 40 policiais militares, com armas pesadas, sem contar os membros da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Civil. Há informações de que a PM teria disponibilizado pelo menos cinco vezes mais policiais para deslocar para o local em pouco tempo, se fosse considerado necessário. 
 
O comando local chegou a mandar que as crianças fossem retiradas do local, considerando afastar os manifestantes à força. Mas houve negociação  e as lideranças do movimento e a polícia acertaram liberar a pista às 14 horas.

 
Participaram da manifestação cerca de 500 quilombolas, que cumpriram o acordado. Minutos antes das 14 horas passaram a se concentrar na frente das instalações da Aracruz Celulose (Fibria), existente nas proximidades do trevo da BR-101 para a sede de Conceição da Barra. Vão permanecer no local até o final da tarde.
 
Asseguram que vão voltar a se manifestar nesta quinta-feira (20) e não informaram se vão fechar a pista. Poderão se reunir apenas em frente à sede da Aracruz Celulose (Fibria). Todos os quilombolas ouvidos, como Berto  Florentino, asseguram que nada vai parar o movimento, até que os quatro presos sejam soltos. 
 
Também há disposição para manter a luta até que o território quilombola seja devolvido à comunidade quilombola tanto pela Aracruz Celulose (Fibria) como pela Suzano, que também ocupa uma parte do território.

Há décadas os quilombolas lutam contra a usurpação de suas terras. Há toda uma trama nesta ocupação, que contou com doações de terras do governo do Estado em plena ditadura militar, com a ocupação de terras devolutas, e grilagem,  com uso de força. A Aracruz Celulose (Fibria) tomou dos quilombolas grande parte do antigo Território de  Sapê do Norte, formado por Conceição da Barra e São Mateus. 

 
O uso intensivo da terra com plantios de eucalipto, uma espécie exótica e que impede não só o crescimento de outras plantas nas suas proximidades, como toda a biodiversidade, criou um deserto verde. Os poucos quilombolas que conseguiram resistir em minúsculos terrenos no meio dos eucaliptais têm suas águas contaminadas por venenos agrícolas usados pela empresa, e terras pouco produtivas, considerando a concorrência dos eucaliptos.
 
Terrorismo estatal
 
Segundo relatos dos moradores, já na terça-feira (18), o governo do Estado mostrava sua parceria com a Aracruz Celulose (Fibria). Dos quatro helicópteros que os contribuintes do  Espírito Santo mantêm, três foram mobilizados pelo governo para sobrevoar com rasantes, durante toda a tarde, as residências das pequenas comunidades quilombolas de Conceição da Barra.
 
Uma ação só realizada com comando direto do Palácio Anchieta, considerando a vileza do ato. O governador Paulo Hartung é antigo parceiro da empresa, de quem recebe dinheiro para suas campanhas eleitorais. Um dos mais antigos parceiros políticos do governador, Robson Leite Nascimento, o Robinho Leite, 52 anos, é subscretário de Estado no terceiro mandato de Paulo Hartung, e foi diretor da Aracruz Celulose (Fibria).
 
Lenilda Alacrino Maria Almeida, 36 anos, é quilombola residente na comunidade de São Domingos, Conceição da Barra. Graduada e pós-graduada em História, ainda faz uma nova formação universitária. Trabalha na cidade para custear seus estudos.
 
Ela relatou que os sobrevoos dos três helicópteros do governo do Estado começaram entre 13h30 e 14 horas, e só foram encerrados por volta das 18h30 dessa terça-feira.
 
“Praticaram terror, pressão psicológica. Voavam lado a lado. Passavam em toda a área. Indo e vindo”, afirma Lenilda. Ela ainda lembra de ação deste mesmo tipo praticado em 2009 (no segundo mandato de Paulo Hartung) quando, sob o mesmo pretexto para prisão dos quatro quilombolas  – roubo de restos de eucalipto não usados na produção de celulose -, um outro grupo foi preso. Seu pai, entre os presos. Também a mando da Aracruz Celulose (hoje acrescido de Fibria).
 
A voz da quilombola fica embargada ao comparar a ação do atual governo  às ações praticadas pela ditadura militar. “É chocante. Não satisfeita em tomar e explorar nossas terras, destruiu nossa cultura. Massacra nosso povo. Não temos terra, não temos água. Não temos mata. Tiraram tudo o que era nosso. Não temos como sobreviver”, afirma Lenilda Almeida. 
 
Um pouco da indignidade praticada pelo Estado contra os quatro quilombolas presos está nas mãos do juiz Salim Pimentel Elias, de Conceição da Barra. Ele decretou a prisão com base no que foi pedido pela Aracruz Celulose (Fibria). Tem o poder de soltá-los, se atender ao requerido da  defesa dos quilombolas, do advogado Péricles de Oliveira Moreno. 

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