São Domingos, território quilombola localizado entre os municípios de São Mateus e Conceição da Barra (norte do Estado), é onde há mais de três gerações os descendentes de quilombolas vivem e mantêm sua cultura. É também local que formou diversas famílias, que cultivaram a herança de seus antepassados, mantendo em harmonia a produção de alimentos para a subsistência e o equilíbrio ambiental, embora este e diversos outros territórios tenham sofrido o empobrecimento do solo e as ameaças morais por parte da Aracruz Celulose (Fibria).
Mesmo com a decisão judicial que anula o processo de reconhecimento desse território, após décadas de luta, as lideranças da comunidade afirmam que se mantêm fortes na luta pelo pedaço de terra que lhes é de direito e foi tomado durante a ditadura militar. Ocupado há mais de cem anos pelos quilombolas, a titulação do território foi questionada por 13 proprietários de terras locais, que não se autodeclararam quilombolas. A autodeclaração de todos os membros da comunidade é pré-requisito para a titulação do território. Foi o juiz federal Nivaldo Luiz Dias que julgou inconstitucional o decreto que regulamenta o processo de São Domingos.
Entretanto, após reunião nesta quarta-feira (17), entre as lideranças quilombolas e a Procuradoria do Ministério Público Federal (MPF) em São Mateus, a comunidade decidiu recorrer do processo e continuar na luta pelo seu território. Os quilombolas reafirmam: não sairão das terras onde nasceram, onde tentaram por anos manter sua cultura e onde criaram seus filhos. O MPF, entretanto, aguarda o recebimento da notificação sobre a decisão judicial para que possa recorrer da anulação.
O MPF, pela falta da notificação, ainda não tem conhecimento das consequências que a anulação desse processo pode acarretar aos demais. No entanto, já adianta que uma das ações civis públicas ajuizadas para agilizar o processo de regularização de territórios quilombolas em todo o País, entre eles de São Domingos, não é automaticamente cancelada com a decisão, que foi emitida sobre outro processo. Somente a partir da notificação, o MPF saberá das consequências dessa decisão sobre a ação civil.
No caso do território de São Domingos, classificado como um dos exemplos mais claros de descaso em relação aos territórios quilombolas no País, os promotores constataram uma série de medidas tomadas pelos órgãos competentes para praticamente paralisar o processo de reconhecimento das terras. A área é explorada pela Aracruz Celulose desde a ditadura militar e por fazendeiros reunidos no Movimento Paz no Campo (MPC), além de empresas de álcool e cana-de-açúcar.
O processo estava na fase de análise técnica e jurídica e julgamento de recurso pelo Conselho Diretor, e pronto para julgamento desde janeiro de 2012. Esta é a última fase pela qual o processo passa antes da publicação da portaria que devolve as terras ao seus verdadeiros donos.
No antigo território de Sapê do Norte, as famílias quilombolas enfrentam fome e miséria, sem possibilidades de produzir alimentos para subsistência e sequer manter sua cultura tradicional. Ilhados pelos eucaliptais, sofrem os impactos sociais e ambientais gerados por esta monocultora, que exige intenso uso de agrotóxicos, além de provocar empobrecimento e desertificação do solo.