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Recuo de eucaliptais no Estado e na Bahia é negociado em GT de Conflitos

Assassinato de Mãe Bernadete motivou ação nacional. No ES e BA estão os governos, movimentos sociais e Suzano

Fase/ES

Um conflito fundiário histórico, que atravessa a vida das comunidades quilombolas, indígenas e camponesas há mais de meio século no norte capixaba, protagonizado pelo agronegócio da celulose, tem recebido um tratamento diferenciado por meio de um GT de Conflitos, formado pelo governo federal, governos do Espírito Santo e da Bahia, movimentos sociais do campo e a multinacional Suzano (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose).

O foco está em negociações objetivas que façam recuar os monocultivos de eucaliptos que hoje ocupam áreas já certificadas do território quilombola tradicional do Sapê do Norte, que se estende pelos municípios de São Mateus e Conceição da Barra, bem como sobre terras de interesse para a reforma agrária.

“É o início de um diálogo importante”, avalia a superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária no Espírito Santo (Incra-ES), Penha Lopes. “A empresa fez uma proposta em relação ao território quilombola e as comunidades fizeram contraproposta. Os governos estão intermediando essa negociação”, relata, sem poder ainda revelar os números negociados.

O GT foi criado em dezembro do ano passado por meio da Portaria Conjunta nº 3/2023, assinada pelo ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira; o presidente do Incra, César Fernando Schiavon Aldrighi, e os governadores Renato Casagrande (PSB) e Jerônimo Rodrigues (PT).

Com o nome de Grupo de Alternativas para os Conflitos Agrários no Sul da Bahia e Norte do Espírito Santo, tem objetivo de “avaliar e desenvolver ações e estratégias para obtenção e destinação de imóveis rurais à reforma agrária na região, outras políticas públicas fundiárias e solucionar conflitos agrários”, visando “garantir a paz no campo”. É composto por 13 representantes do MDA e do Incra nacional e estaduais, e um representante de cada governo estadual, além de representantes da Suzano e de movimentos sociais do campo, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), as comissões e associações quilombolas do Sapê do Norte e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).

O GT capixaba-baiano compõe uma estratégia nacional capitaneada pelo MDA e Incra, que mapeia os conflitos agrários, tendo identificado 780, envolvendo principalmente territórios quilombolas e terras passíveis de reforma agrária. As discussões federais voltadas à resolução de conflitos fundiários no campo já vinham acontecendo desde maio passado, explica Penha Lopes, mas foram aceleradas a partir de agosto. “Com o assassinato da [líder quilombola e ialorixá baiana] Mãe Bernadete, essa questão tomou uma proporção e uma urgência maior”, conta.

Inciativas que se somam

Em paralelo às negociações no GT, correm outras alternativas de garantia de acesso à terra pelas famílias que lutam pela reforma agrária e pelas comunidades quilombolas. “O GT não inviabiliza os processos de regularização dos territórios em curso”, ressalta a superintendente.

Os processos de regularização das comunidades certificadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP), que tramitam no Incra e estavam parados há mais de dez anos, tiveram um novo impulso a partir do ano passado, com avanço dos Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTID).

A terceira estratégia é a via judicial, por meio da ação civil pública impetrada pelo Ministério Público Federal (MPF) e que já obteve uma primeira decisão favorável aos quilombolas, onde o juiz Nivaldo Luiz Dias reconheceu a ilegalidade de dezenas de matrículas concedidas à então Fibria, por terem sido adquiridas através de grilagem, como bem apresentou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Aracruz, realizada pela Assembleia Legislativa em 2002.

No universo das comunidades quilombolas, uma quarta iniciativa tomará corpo, com a instalação da Mesa Quilombola, prevista para o dia nove de maio, implementando assim a porção capixaba da Mesa Nacional de Diálogo Quilombola, criada em novembro passado por meio da Portaria 188/2023 do Incra. A finalidade é “fortalecer a interlocução entre os órgãos governamentais e a sociedade civil”, cabendo às superintendências estaduais fazer o acompanhamento das suas respectivas Políticas de Regularização Fundiária Quilombola.

Para dar suporte a todas essas ações, o Incra também realiza um cadastramento das comunidades e famílias quilombolas do Território do Sapê do Norte. Em 2023, foram 14 as comunidades cadastradas. Em maio, a expectativa é cadastrar todas as famílias das outras 20 comunidades do território.

No viés dos processos de regularização, o alcance das metas encontra mais percalços. “A gente tinha muita dificuldade com antropólogo. Fizemos força-tarefa interna, trazendo profissionais das superintendências de outros estados e retomamos alguns processos que estavam muito atrasados, sem nenhum tipo de atividade”, relata. Ao menos uma portaria, referente a um Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), deve ser publicada ainda este ano.

Reforma agrária

Em relação à reforma agrária, avanços também foram retomados no âmbito interno do Incra-ES, a partir do ano passado, quando a gestão definiu a meta de assentar 250 famílias até o ano de 2025.

Desde o anúncio, trinta famílias conquistarem seu pedaço de chão, outras 50 passaram a ter sua situação de assentadas regularizada, além de outras dezenas que foram beneficiadas com crédito agrícola. “Ano passado a gente trabalhou com o que tinha, sem orçamento, mas conseguiu fazer algumas entregas. Atuamos em duas frentes: a regularização de quem está assentado, através das vistorias e supervisões ocupacionais, e a concessão de crédito”, relata Penha Lopes.

As 50 famílias regularizadas, explica, estavam dentro de diversos assentamentos, porém, sem o seu Contrato de Concessão de Uso (CCU). “Através das vistorias e supervisões, elas foram incluídas dentro da política de reforma agrária. O CCU é o documento que regulariza a condição de assentado. Com o CCU consegue aplicar os créditos, por exemplo”, explica.

Outras 30 famílias receberam seus lotes, passando a integrar um assentamento em José Marques de Araújo, em Presidente Kennedy, sul do Estado, ao lado de outras 40 que já compunham o assentamento. Houve ainda entrega de 297 Contratos de Concessão de Uso a famílias que já estavam dentro da política de reforma agrária, mas com documentações atrasadas.

O crédito agrícola, conta, foi concedido a outras dezenas de famílias, por meio do Fomento Mulher, totalizando cerca de R$ 1,1 milhão, além da regularização da situação de um grupo de 23 mulheres que não receberam o recurso do Fomento Mulher de 2013 e agora puderam retomar seus projetos.

Novo assentamento

A meta de 250 famílias até o final do ano que vem se mantém. “Agora é assentar quem está acampado. Reafirmarmos essa expectativa”, assegura, já indicando um primeiro grupo, vinculado à Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado do Espírito Santo (Fetaes). “São 17 famílias que estão acampadas em São Gabriel da Palha. O novo assentamento, Boa Fé, deve ser criado até maio”.

Fetaes, MST e associações quilombolas, ressalta, têm sido fundamentais. “O diferencial esse ano é o planejamento feito com os movimentos sociais, compreendemos suas dinâmicas e prioridades”. Um planejamento que passa agora a ter um orçamento, ainda que menor do que a demanda. “O orçamento do ministério [Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA)] ainda é pequeno, diante dos desafios, mas já podemos ter um planejamento, principalmente com a publicação do programa nacional Terra da Gente, porque tem uma parte dele que é para aquisição de terras’.

O programa foi lançado na última semana, quando o MST realizou a Jornada Nacional de Luta pela Reforma Agrária em diversos estados, incluindo o Espírito Santo, onde um acampamento na Fazenda Coqueirinho, em São Mateus, norte do Estado, marcou a mobilização nacional.

O cadastro de todas as famílias acampadas é um passo fundamental. “Este ano vamos cadastrar todas as famílias acampadas. Já cadastramos 800 das 1,6 mil”.


Suzano é a maior inimiga da reforma agrária no Estado, avalia MST

Seguindo direção nacional, ocupações de terra serão retomadas se não houver solução emergencial para famílias acampadas


https://www.seculodiario.com.br/meio-ambiente/suzano-e-a-maior-inimiga-da-reforma-agraria-no-es-avalia-mst

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