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Rede de universidades permanece por mais 90 dias no monitoramento ambiental

Pela segunda vez, Justiça determina continuidade do contrato, após rescisão unilateral pela Fundação Renova 

O juiz Mário de Paula Franco Júnior, da 1ª Vara Federal de Minas Gerais, acatou o pedido da Advocacia Geral da União (AGU) e determinou a continuidade, por mais 90 dias, do acordo de cooperação entre a Fundação Renova e a Fundação Espírito-Santense de Tecnologia da Universidade Federal do Espírito Santo (Fest/Ufes) para a execução do Programa de Monitoramento da Biodiversidade Aquática (PMBA) ao longo de toda a calha capixaba do Rio Doce, bem como do litoral compreendido entre o Parque Nacional de Abrolhos, no sul da Bahia, e o norte do Rio de Janeiro, incluindo o estuário do Rio Doce e toda a costa do Espírito Santo.

Durante este período, “as partes deverão estabelecer diálogo e manter tratativas com vista às eventuais correções e/ou ajustes e/ou aprimoramentos que se fizerem necessários”, instruiu o magistrado.


A decisão foi emitida nessa sexta-feira (26), dois dias antes do fim do prazo dado para continuidade do contrato na primeira sentença judicial sobre o caso, em outubro, quando o juiz federal determinou a manutenção do Acordo de Cooperação por 120 dias.

“Dá uma certa tranquilidade para a Rede, a Fest, a Ufes e a Fundação Renova, para que a gente possa fazer essa transição com mais tranquilidade”, avalia Eustáquio de Castro, professor do Departamento de Química da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), onde coordena o LabPetro e dirige o Centro de Ciências Exatas (CCE), e um dos membros da coordenação-geral da Rede Rio Doce Mar (RRDM), composta por 27 universidades e outras instituições de pesquisa públicas.

A transição a que Eustáquio se refere é a contratação de outra instituição para executar o Programa de Monitoramento, como aventado pela Renova em outubro. “A definição do modelo e forma de contratação de quem executará, a partir do novo Termo de Referência 4 (TR4), será examinada oportunamente”, afirma o juiz.

Em seu despacho, Mário de Paula também estabelece prazo de 30 dias para apresentação de uma proposta para o novo TR4 por parte da Câmara Técnica de Biodiversidade (CTBio) do Comitê Interfederativo (CIF). O CIF é a instância máxima da governança das ações de reparação e compensação dos danos advindos do rompimento da Barragem de Fundão, da Samarco/Vale-BHP em novembro de 2015, considerado o maior crime ambiental do país. E a CTBio é uma das câmaras técnicas que assessoram o CIF, este, presidido pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
A revisão já está em curso desde 2020, por meio de uma jornada feita por diversos técnicos convidados pela CTBio e a Renova. Apesar de ambos afirmarem necessidade de atualização do Termo de Referência, o juiz observa que “não está claro nos autos quais são – de forma objetiva – os pontos de divergências entre as partes na definição do novo TR4”.
Por isso, outro pedido feito pela AGU na ação, de “nomeação de perícia de auditoria, às expensas das empresas BHP e Vale, para avaliar os desempenhos e resultados produzidos pela RRDM”, aguarda a entrega do novo Termo de Referência.
Após a apresentação da proposta de revisão do Termo, “as empresas rés e a Fundação Renova terão o prazo de 15 dias para manifestação sobre o TR4 apresentado, de forma clara e objetiva (se for o caso), quais são as impugnações e divergências, justificando-as. Somente assim o juízo terá condições de avaliar a conveniência de prova pericial requerida pelas partes”.
Eustáquio defende que o ideal seria a manutenção da RRDM por mais tempo no monitoramento, devido à excelência dos pesquisadores contratados e a qualidade dos trabalhos desenvolvidos até o momento. Reconhecendo que a decisão cabe à Justiça, o coordenador afirma que “a rede está preparada pra qualquer cenário, de encerramento ou continuidade, e manterá o trabalho de competência que vem sendo feito”.

Rescisão é repudiada

A decisão judicial se deu no âmbito de uma ação movida pela Advocacia Geral da União (AGU), com base na Deliberação nº 477/2020 do Comitê Interfederativo (CIF), que reprovou a decisão tomada de forma unilateral pela Fundação Renova de rescindir o contrato com a Fest/Ufes, no início de outubro passado.

Pouco antes, a Câmara Técnica de Biodiversidade (CTBio) também já havia se manifestado contrariamente à rescisão, devido à qualidade dos trabalhos prestados pela Rede de universidades, e pela independência técnica e política que as instituições sustentam.

O segundo relatório anual, por exemplo, apresentado dias antes do anúncio da decisão de rescisão, havia iniciado o estabelecimento de nexo causal entre o rompimento da Barragem de Fundão, em novembro de 2015, e os impactos verificados na biodiversidade aquática do território monitorado: toda a calha capixaba do Rio Doce, bem como o litoral compreendido entre o Parque Nacional de Abrolhos, no sul da Bahia, e o norte do Rio de Janeiro, incluindo o estuário do Rio Doce e toda a costa do Espírito Santo.

Na ocasião, o CIF e a CTBio afirmaram ser preciso manter o trabalho que vem sendo realizado desde 2018 pela Rede Rio Doce Mar (RRDM), que utiliza, inclusive, dados pretéritos ao crime, pois muitos pesquisadores contratados pela Fest/Ufes já vinham realizando estudos e coletas na região, por meio de seus projetos rotineiros de pesquisa.

Metade dos danos ambientais ocorreu após o crime

Um dos dados que chama atenção nesse segundo relatório é a verificação de que metade das alterações dos indicadores monitorados no PMBA aconteceram após o rompimento da Barragem de Fundão, indicando fortemente o nexo causal entre o crime da Samarco/Vale-BHP e os impactos ambientais observados na porção capixaba da calha do Rio Doce e no litoral entre Guarapari, na Grande Vitória, e o Parque Nacional Marinho de Abrolhos, no sul da Bahia.

“Metade das alterações vistas na porção dulcícola e marinha foi identificada através da comparação dos dados pré-rompimento da barragem”, ressalta o coordenador técnico da Rede Rio Doce Mar.

MPMS pede extinção da Renova

Às vésperas da segunda decisão judicial pela manutenção do Acordo com a RRDM, a Renova foi alvo de duas graves denúncias. Primeiro, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) pediu a extinção da Fundação Renova em ação civil pública impetrada na Justiça mineira nessa quarta-feira (24).

Na ação, o MPMG evidencia o desvio de finalidade da Fundação, que deveria executar as medidas de reparação e compensação dos danos socioeconômicos e socioambientais advindos do crime, estabelecidas no Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC). Conforme a ação, a Fundação vem atuando muito mais como um instrumento de limitação da responsabilidade das empresas mantenedoras do que como agente de efetiva reparação humana, social e ambiental.

Também é apontada a ineficiência, inclusive contábil, já que o órgão ministerial rejeitou por quatro vezes seguidas as contas da Renova. Na análise relativa a 2019, o órgão ministerial entendeu não terem sido apresentadas soluções para as irregularidades contábeis apontadas pela Controladoria do Centro de Apoio Operacional do Terceiro Setor, tampouco as justificativas para os valores exorbitantes praticados pela Fundação quanto à remuneração de seus dirigentes.

Na quinta-feira (25), a Pública Agência de Jornalismo Investigativo publicou reportagem intitulada Áudio revela ameaças e intimidação de advogada da Renova aos atingidos pelo desastre de Mariana, com base no áudio de uma reunião realizada no dia 21 de janeiro entre atingidos pelo crime e a advogada Viviane Aguiar, coordenadora do setor jurídico da Fundação Renova.

O áudio mostra a advogada atropelando as falas dos atingidos, impondo condições, que, segundo ela, foram determinadas pelo mesmo juiz Mário de Paula Franco Junior. A principal condição é a proibição de realizar manifestações públicas por seus direitos, como a que havia ocorrido quatro dias antes da reunião, com o fechamento da ferrovia Vitória-Minas, da Vale, para reivindicar soluções para os problemas apresentados pelo Sistema Indenizatório Simplificado (Novel).

O episódio ilustra a estratégia intimidadora com que a Renova tem agido nos territórios atingidos, avalia o militante do Movimento dos Atingidos por Barragens no Espírito Santo (MAB/ES) Heider José Boza. “O que a gente percebe é que o atingido está preso em amarras jurídicas. Na ponta tem a Fundação Renova e os advogados particulares, mas no alto escalão tem a empresa e o sistema judiciário, que cercam o atingido de todas as formas, para que acesse o direito de modo mais rebaixado possível. Ele tem que abrir mão de uma série de outros direitos, inclusive direitos civis, como o direito à livre manifestação”, critica Heider.

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