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Reflexões, denúncias e arte social em favor do Rio Doce

Povos, culturas e atitudes de microrresistência ao chamado Capitaloceno. Mobilizações sociais de reivindicação de direitos. Arte social e engajada. Esses e outros aspectos e coletivos da contemporaneidade se fazem representar no Seminário Interdisciplinar Deslizes Monumentais e Sonhos Intranquilos, realizado na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) nesta quarta-feira (7), tendo como tema central o rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana/MG, no dia cinco de novembro de 2015, considerado o maior crime socioambiental do país e um dos maiores do mundo.

Regiane Soares Rosa Lorde, do Movimento Atingidos por Barragens (MAB) em Baixo Guandu, noroeste do Estado, é uma das convidadas para a Roda de Conversa com Atingidos e destaca os assédios imorais que a Fundação Renova tem direcionado às comunidades, na tentativa de dividi-las e enfraquecer a luta por seus direitos.  

“Mesmo sabendo que a Fundação Renova não tem valor jurídico nenhum, ela está entrando nas comunidades, causando discórdia entre os atingidos, recrutando alguns atingidos e jogando uns contra os outros. E isso é importante a gente declarar. É feito de tudo pra que as comunidades não se unam para lutar por seus direitos”, relata a militante.

Regiane enfatiza a importância, nesse momento, de um posicionamento mais firme do Ministério Público Federal (MPF) em favor dos atingidos, no que diz respeito à contratação das assessorias que farão os diagnósticos sobre os impactos do crime.

“Quem está sendo julgado é a empresa e não os atingidos. Essa assessoria técnica é um direito dos atingidos, não é a empresa que vai escolher quem vai julgar o tamanho do dano que ela cometeu, é o atingido”, justifica. “O juiz não vai dar uma decisão favorável aos atingidos”, reclama a ativista do MAB, denunciando a conivência da Justiça com a empresa criminosa.

Resistências ao 'Capitalonceno'

A professora Elaine de Azevedo, uma das organizadoras do seminário, também destaca a ausência da Justiça e do Estado na defesa dos atingidos. “Estão ausentes, compactuam com o crime”, posiciona a acadêmica.

Mas o descaso, complementa, também se faz presente na sociedade em geral, que “não foi às ruas e continua comendo peixe contaminado”. “É muito complexo. Há uma conivência, pelo vínculo economicista. Muita gente no Espírito Santo e Minas Gerais tem relação econômica com a Vale”, aponta Elaine.

Felizmente, contrapõe Elaine, “há sim resistência”. Não só à apatia criminosa dos entes públicos que se omitem diante da empresa criminosa, que matou um rio e mais de uma dezena de pessoas, mas também ao próprio sistema capitalista e seus nefastos efeitos colaterais.

“Não são todos que estão destruindo o planeta”, afirma, citando como exemplos de resistência cotidiana as populações tradicionais, os adeptos da medicina natural e das escolas holísticas, os produtores e consumidores de alimentos orgânicos, os ciclistas urbanos e uma diversidade de povos e coletivos que se opõem à lógica capitalista de exploração da natureza e do ser humano.

“Desejamos acreditar em outras formas de envolvimento humano e cidadão que focam em atores individuais e coletivos e que exercem influência a partir de microestruturas decisórias e descentralizadas para dar conta da discussão”, defende, em texto publicada na fanpage do evento. “São atores externos às arenas formalmente designadas como políticas e executadas por agentes tradicionalmente legitimados como os partidos políticos, os sindicatos e o parlamento, que deslocam o poder para as mãos dos indivíduos, grupos e organizações. Interessa particularmente aqui as contribuições da arte social/política”, explana. 

Monumentos de Amor ao Rio Doce

Um dos exemplos de arte engajada é a obra Monumentos de Amor ao Rio Doce, do artista social Piatan Lube e da socióloga Lissa Tinôco: uma mandala de frutas, que propõe uma troca. Cada fruta por uma carta de amor ao Rio doce. Os visitantes podem deixar sua carta e recolher uma fruta, ao longo dos dias em que a exposição se mantiver em funcionamento.

Piatan explica que as cartas serão reunidas num pequeno livro e também em outras mídias, e enviadas para as comunidades ribeirinhas. “A ideia é gerar muito essa energia do amor com relação ao rio”, convoca. “A gente não pode deixar esse crime cair no limbo, no esquecimento. Tem muita gente sofrendo muito ainda”, protesta.

Exposição permanece aberta

A programação vespertina, no auditório do Centro de Ciências Humanas e Ambientais (CCHN), conta com mesa redonda “Crimes ambientais, uma abordagem interdisciplinar”, e a palestra  “As Utopias e a Função do Despertar – Trauma e Testemunho”. E à noite, na Galeria de Arte e Pesquisa (GAP), o lançamento do livro “Desastre no Vale do Rio Doce: antecedentes, impactos e ações sobre a destruição”, dos professores Cristiana Losekann (Organon/Ufes) e Bruno Milanez (PoEMAS/Universidade Federal de Juiz de Fora).

O evento é uma iniciativa de dois grupos de pesquisa do Departamento de Ciências Sociais: Diálogos entre Sociologia e Artes (Dissoa) e Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão em Mobilizações Sociais (Organon).

A exposição artística continua aberta, na GAP, no campus de Goiabeiras, até o dia 19 de junho. Mais informações na fanpage do evento

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