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Rejeitos aumentaram em nove vezes concentração de manganês no estuário do Rio Doce

Excesso do metal nos peixes consumidos pela população pode afetar o sistema nervoso central, coração e fígado

Ângelo Bernardino

O consumo de peixes que vivem no estuário do Rio Doce, em Regência, no litoral norte do Espírito Santo, pode ser fonte de graves problemas de saúde para a população local. O motivo é a elevada concentração de manganês na água e nos tecidos dos animais que vivem na região, em decorrência do crime do rompimento da Barragem de Fundão, da Samarco/Vale-BHP, ocorrido em novembro de 2015.

A constatação é de um estudo feito pela Rede de Solos e Bentos Rio Doce, ligado à Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), cujos resultados foram publicados em artigo da revista Environment International.

Ângelo Bernardino

A pesquisa realizou as primeiras coletas sete dias após chegada dos rejeitos de mineração ao estuário e as últimas, dois anos depois, em 2017, momento em que a concentração do metal dissolvido na água atingiu seu pico, chegando a ser 880% maior. Os peixes analisados foram o bagre amarelo (Cathoropus spixii) e o peixe-gato marinho (Genidens genidens), comumente consumidos pelos moradores locais.

“Em grandes concentrações no organismo humano, o manganês pode comprometer o sistema nervoso central e levar a doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer, além de toxidades cardiovasculares e danos ao fígado”, alerta o professor do Departamento de Oceanografia da Ufes Ângelo Bernardino, coordenador da Rede.

A maior concentração do manganês depois de dois anos ocorreu porque, com o tempo, o manganês foi se dissociando do ferro presente no rejeito e se diluindo na água do estuário. A associação ao ferro, por sua vez, aconteceu ao longo da passagem do rejeito pelo leito do rio. “O rejeito saiu da barragem rico em ferro e chegou no estuário rico em ferro e vários outros metais”, resume, citando, além do manganês, arsênio, cádmio, cromo, cobre, ferro, chumbo, selênio, zinco e mercúrio.

Ferro arrastou outros contaminantes

Esses elementos provavelmente já estavam presentes ao longo do leito do Rio Doce, mas os níveis não eram preocupantes. O chamado “risco ecológico” ocorreu após a passagem dos rejeitos. “O risco ecológico é avaliado pela concentração e pela combinação desses contaminantes. Se tem um só contaminante alto, o risco é menor”, explica.

“O Rio Doce após o desastre é comparável aos estuários mais poluídos do Brasil, como as baías de Vitória e de Guanabara e outras altamente industrializadas, com descarte de esgoto industrial e urbano”, compara.

Ângelo Bernardino

Os pesquisadores da Rede já possuíam estudos no estuário do Rio Doce antes do crime. “Com certeza os metais que chegaram após o rompimento não chegariam se não fosse o desastre. O ferro atuou como catalisador desse processo. Temos dados de dias antes da tragédia. O estuário não tinha esse nível de poluição antes da tragédia”, afirma. E o impacto, acrescenta, foi muito além da poluição por metais. “Mudou a granulometria, o fundo do rio, impactou animais. Houve perda imediata de 30% da biodiversidade”, relata.

Após 2017, explana o coordenador, o estuário entrou no que ele chama de terceiro estágio do impacto, que é a fase crônica, que se estende até o momento presente. “Mesmo com níveis de poluição na água considerados aceitáveis, o fundo do estuário ainda tem quantidade de metais e contaminantes muito acima do que era antes”, relata, com base em coletas feitas em 2020, desta vez apenas no sedimento do fundo do estuário e não mais nos peixes.

A tendência, diz, é que a dissociação dos metais em relação ao ferro continue, com a subida desses contaminantes para a coluna d’ água, contaminando ainda mais a biota (fauna e flora estuarina).

Soluções possíveis
O financiamento da Fapes para a pesquisa se encerra em 2021 e, neste momento, a equipe se dedica a avançar mais no tópico do risco humano, que envolve o consumo de peixes, o contato com a água em atividades de lazer no rio ou no mar, a ingestão de água de poços e a inalação de poluentes presentes na poeira.
“É muito frustrante ter uma rede enorme de pesquisa e não ter esses dados de alerta para a população” salienta, citando o outro braço atual da pesquisa, que é a de possíveis soluções para a descontaminação do ambiente.

Em outros pontos da bacia hidrográfica do Rio Doce impactada pelo crime, houve ações de remoção física do rejeito, conta Bernardino, mas isso não foi feito no estuário. De fato, muitas das ações feitas na bacia não servem para o estuário, que possui uma dinâmica biogeoquímica muito diferente.

Entre as pesquisas em curso mais promissoras, estão a adição de sulfato ao solo, que pode capturar os contaminantes, e a inserção de plantas como a taboa, com o mesmo objetivo. “Temos que entender o comportamento químico do rejeito para pensar em soluções viáveis. O projeto está em fase final e esperamos apresentar algumas soluções possíveis para o futuro”, vislumbra.

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