O Ministério Público Federal (MPF), por meio da Força-Tarefa Rio Doce, requereu à Fundação Renova e ao Comitê Interfederativo (CIF) – que tem a função de orientar e validar os atos da Renova – informações sobre as medidas adotadas pela fundação e pelo CIF para sanar as possíveis irregularidades na decisão de suspender os auxílios financeiros emergenciais (AFEs) de 143 atingidos pelo rompimentos da barragem de Fundão, da Samarco/Vale-BHP, em novembro de 2015. O prazo para resposta é de 10 dias.
O MPF questiona às entidades se as revisões do pagamento e os critérios de análise foram decididas internamente pela Renova ou pelo CIF, e pede a cópia, se houver, do documento que estabelece as diretrizes da revisão. O MPF também indaga sobre como os atingidos podem apresentar recurso da suspensão dos pagamentos e se eles têm acesso à cópia integral do processo de revisão do auxílio.
O MPF tomou conhecimento sobre as irregularidades cometidas pela Renova por meio do Centro Alternativo de Formação Popular Rosa Fortini, que realiza assessoria técnica independente para as comunidades atingidas no município de Rio Doce/MG.
Os 143 atingidos foram comunicados, por telefone, sobre o desligamento do programa de auxílio financeiro emergencial. Em um dos casos relatado ao MPF, a Renova informou que o último pagamento do auxílio seria em setembro, por causa da revisão do cadastro do atingido, que não mais preenchia os requisitos de elegibilidade para o recebimento do auxílio. Em defesa, o atingido alegou que trabalhava como mergulhador de balsa em portos de areia em Rio Doce – atividade econômica que se tornou inviável após o crime, e que, por isso, ainda se encontra em condição de vulnerabilidade e sem meios de prover seu sustento e a sobrevivência de sua família.
Para o procurador regional dos Direitos dos Cidadãos, Helder Magno da Silva, a Fundação Renova não respeita os direitos fundamentais dos atingidos à informação adequada, ao contraditório e à ampla defesa.
“No processo de revisão do banco de dados, a Renova não oportuniza aos atingidos a apresentação e retificação das informações. Além disso, a Fundação tem interpretado de maneira muito restritiva as cláusulas do TTAC [Termo de Transação e Ajustamento de Conduta] que tratam sobre os auxílios financeiros emergenciais, em evidente violação do acordo anterior firmado sobre o tema”, explana Helder Magno da Silva.
Ordem social
Além da Força-Tarefa do MPF, a Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) também já questionou a Renova sobre a suspensão dos auxílios. Numa primeira resposta à DPES, a Fundação limitou-se a dizer que os cortes são resultado de “um trabalho de saneamento da base de dados, pois haveriam, de acordo com a Renova, casos de atingidos recebendo indevidamente o auxílio”.
Os questionamentos foram reiterados pela Defensoria, que ainda não obteve resposta completa. Em paralelo, o Núcleo de Defesa Agrária e Moradia (Nudam) da DPES orienta aos atingidos que procurem um núcleo da Defensoria mais próximo ou o próprio Nudam, em Vitória, para se informar sobre seus direitos. “A Defensoria está de prontidão pra receber os casos de atingidos que tiveram o seu AFE suspenso injustamente para análise”, afirma o defensor público Rafael Portella.
Direitos dos atingidos
A cláusula 137 do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), assinado em 2016, previu a instituição de um programa de auxílio financeiro à população impactada que tenha tido comprometimento de renda em razão da interrupção comprovada de suas atividades econômicas e produtivas até o restabelecimento das condições para a retomada dessas atividades.
O auxílio financeiro emergencial consiste no pagamento mensal no valor de um salário mínimo, com correção na mesma data e nos mesmos índices do salário mínimo, com o aumento de 20% do valor previsto por cônjuge, companheiro/a e filhos/as, independentemente se ser ou não o trabalhador/a segurado no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
A empresa também fica responsável pelo recolhimento da contribuição previdenciária e imposto de renda decorrentes dos pagamentos efetuados e a entregar uma cesta básica mensal, via crédito em cartão de débito pessoal no valor correspondente ao divulgado mensalmente pelo Dieese nos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo (de acordo com a localidade da pessoa beneficiada).
Também está prevista no aditivo a disponibilização de assistentes sociais e psicólogos às pessoas beneficiadas e amparadas e respectivos familiares, com previsão de logística para atendimentos periódicos; a introdução de antropólogos e sociólogos, entre outros profissionais com objetivo de verificar e relatar, por escrito, problemas sociais decorrentes da implementação do Plano; oferta de cursos, inclusive de qualificação profissional, periódicos às pessoas beneficiadas e suas famílias, com oferta de inserção voluntária no mercado de trabalho; e custos de manutenção com animais e embarcações na medida em que forem necessários para que as pessoas retomem suas atividades profissionais.
O não cumprimento do termo sujeita a Samarco ao pagamento de multa diária de R$ 1 milhão. A empresa fica obrigada a enviar mensalmente relatório que comprove todas as atividades realizadas do âmbito do plano. A assinatura do termo não inibe os Ministérios Públicos de adotarem todas e quaisquer medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis, em decorrência de eventuais irregularidades constatadas.