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Reserva de Sooretama recebe harpia fêmea resgatada em cafezal

Ameaçada pela duplicação da BR-101, Rebio é um dos poucos locais, na Mata Atlântica, de reprodução da espécie

Jailson de Souza

Harpia: o maior predador voador da América Latina. Reserva Biológica (Rebio) de Sooretama e demais unidades de conservação do seu entorno: o maior remanescente de Mata Atlântica de Tabuleiro do País. BR-101: a principal rodovia de integração entre o norte e o sul do Brasil.

No norte do Espírito Santo, esse encontro de gigantes urge por uma solução para o triplo dilema: ambiental, econômico e social instaurado desde a implantação da rodovia, na década de 1960. A ciência já apontou uma solução e sua implementação depende agora de força política para acontecer.

“A omissão e negligência do poder público e a ignorância da concessionária [ECO 101] que administra a via [BR-101]” estão provocando “a perda acelerada da biodiversidade guardada há quase 80 anos pela Reserva Biológica (Rebio) de Sooretama e demais áreas protegidas do seu entorno”, alerta o doutor em Biologia Evolutiva e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Aureo Banhos.

O acadêmico é um dos integrantes da frente de cientistas que tem trabalhado em favor da aprovação de um desvio da BR a oeste da Rebio Sooretama, para que as obras de duplicação não intensifiquem os impactos negativos sobre esse patrimônio natural de importância mundial.
O posicionamento de Aureo é feito após celebrar mais um importante resgate de fauna possibilitado pela existência da Rebio. No último final de semana, uma fêmea jovem de harpia (Harpya harpya) foi solta dentro da Reserva após ser cuidada por servidores da unidade durante uma semana, juntamente com equipes do Projeto Harpia – Mata Atlântica/Ufes e do Bicho Solto Saúde Animal.
Jailson de Souza

O animal havia sido encontrado dias antes, pousado no chão de um cafezal, por moradores do entorno, que então o entregaram aos analistas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão responsável pela gestão da Rebio Sooretama.

“Diagnosticada como saudável, ela retornou para a natureza e é monitorada por um transmissor satélite. Os primeiros sinais do transmissor mostraram que ela está viva e voando no complexo áreas protegidas de Sooretama”, informou o Projeto Harpia, em suas redes sociais.

Jailson de Souza

A soltura na floresta foi assistida por crianças e outros moradores das comunidades do entorno, além do prefeito e da secretária de Meio Ambiente de Sooretama, Alessandro Broedel e Dolores Colle; do chefe da Rebio de Sooretama, Eliton Lima; e do pesquisador do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), José Eduardo Mantovani.

Difícil prever, no entanto, como será a vida da jovem harpia a partir de agora. Dois casos recentes ilustram a preocupação. “Em 2015, uma harpia foi atropelada por uma carreta na BR-101, no interior da Rebio de Sooretama. Mesmo após ser resgatada e receber cuidados médicos veterinários, a fêmea adulta de harpia infelizmente não resistiu e morreu”, narra Aureo.

Em 2017, prossegue, um ninho foi encontrado “coroando” um majestoso jequitibá-rosa, mas infelizmente morreu em 2019, assim como muitas outras grandes árvores, provavelmente devido à falta de água dos últimos anos. Em 2020, o casal de harpias tentou uma nova reprodução no jequitibá. A fêmea chocou o ovo sem a sombra da copa da árvore que protegia o ninho, o filhote nasceu, mas não também sobreviveu”.
Jailson de Souza

 O biólogo afirma que “a duras penas, as harpias têm resistido à alteração acelerada da paisagem, mas é preciso frear enquanto é tempo as ameaças contra essa e as outras espécies que se refugiam na reserva que foi criada na década de 1940 para ser a ‘Terra dos Animais da Floresta’ [como se traduz para o português a palavra indígena Sooretama], pois elas não poderão resistir por muito mais tempo a essa escalada de ameaças”.

Solução a oeste

O Estado e a ECO 101, salienta Aureo Banhos, “insistem em manter essa movimentada rodovia interestadual no coração dessa importante reserva e de sua Zona de Amortecimento”. A BR, rememora, foi construída no final da década de 1960 ao arrepio da legislação ambiental vigente na época, tornando-se “o principal vetor de impactos sobre a rica biodiversidade da região, devido ao uso e ocupação humana desenfreada dos solos, o que acentua os efeitos da seca, por concorrer pelos serviços ambientais prestados pela reserva, como a água usada para a manutenção da produção humana, mas que também é necessária para a manutenção da própria biodiversidade”.
A exaustão hídrica, avalia, pode ser a responsável por provocar a morte de árvores centenárias, que também são ameaçadas pela perda de biodiversidade, provocada pelas caçadas ilegais, atropelamentos – cerca de 20 mil por ano e 1 milhão desde que a rodovia começou a funcionar – poluição e outros efeitos nocivos da intensa movimentação de veículos e pessoas levadas pela rodovia.

Disputa política
A proposta de contorno a oeste é rejeitada pela ECO 101 – “eco” só no nome – e a Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), responsável pela fiscalização da concessão de vias à iniciativa privada. Mas tem recebido crescente adesão de parlamentares capixabas, como o deputado estadual Gandini (Cidadania) e o deputado federal Helder Salomão (PT).
Também na Câmara, Da Vitória (Cidadania), apesar de não declarar apoio ao contorno a oeste, tem sido uma das principais vozes contra a gestão feita pela ECO 101, que, passados oito anos, não cumpriu as cláusulas do contrato de concessão. No último dia sete de julho, o parlamentar ingressou com uma representação na Superintendência do Ministério Público Federal no Espírito Santo (MPF-ES) contra a concessionária

O pedido é para que o órgão instaure processo de investigação sobre “inadimplemento contratual” e “responsabilidade da concessionária pelos acidentes e mortes ocorridos [no trecho da BR-101 sob sua concessão]”, para que “seja declarada a caducidade e a consequente extinção do contrato”.
“Na rodovia BR-101 no Espírito Santo, a concessionária não consegue cumprir o contrato de duplicação no trecho norte. Enquanto isso, nós perdemos vidas. Foi protocolizado no MPF uma representação e agora o MPF vai apurar a responsabilidade sobre as mortes”, anunciou o parlamentar em suas redes sociais.

Da Vitória também impetrou pedido de audiência pública sobre o assunto na Câmara, que já recebeu aval da Comissão de Viação e Transportes.

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