Texto: Henrique Alves
Fotos: Arquivo SD
Tão impressionante quanto os dados da oitava usina de pelotização da Vale – US$ 1,3 bilhão de investimento, 64 mil metros quadrados de área construída, 50 metros de altura no ponto mais alto, 12.248 empregos gerados durante a obra, 7 milhões de toneladas de pelotas por ano de capacidade de produção – é constatar que, em mais uma eleição, as poluidoras capixabas ficaram livres de constrangimentos.
O exemplo da oitava usina é representativo. Em agosto, o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) emitiu a Licença de Operação (LO). No dia 15, a Vale anunciou o início da operação e, como de praxe, se vangloriando do aumento da capacidade de produção do Complexo de Tubarão com a nova usina – um incremento 24% na produção anual de pelotas – e de modernosas tecnologias de controle ambiental instaladas em Tubarão – precipitadores eletrostáticos, supressores de pó, barreiras de vento (wind fences), et cetera.
Mas, naturalmente, o que a Vale não celebra é o mundo de suspeições que envolvem o processo de licenciamento ambiental de sua mais recente empreitada no Espírito Santo. Vamos refrescar nossas memórias: nas audiências públicas de 2006 que debateram a implantação da oitava usina, os moradores se colocaram terminantemente contra a Licença de Instalação (LI) do empreendimento.
O motivo é simples: se naquela época os pulmões já se gemiam de dor, se naquela época a poluição do ar na Grande Vitória ainda era, como sempre fora, uma tortura, imaginem com mais uma usina.
Mas o então governador Paulo Hartung (PMDB), alçado novamente ao Palácio Anchieta pelo mesmo partido, ignorou os apelos da sociedade civil – já que falamos de financiamento de campanha, vale lembrar que, nas eleições de 2006, quando se reelegeu, Hartung recebeu R$ 1 milhão da Minerações Brasileiras Reunidas (MBR), subsidiária da Vale.
O jogo seguiu e hoje o processo de licenciamento da oitava usina é contestado em duas ações na Justiça Federal. O autor das ações, o coordenador do grupo SOS Espírito Santo Ambiental, Eraylton Moreschi Junior, parte da premissa de que no Espírito Santo não há definição de parâmetros de emissões adequados à região. Ainda assim, como se viu em agosto, a Licença de Operação da oitava usina foi emitida pelo Iema.
A página do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na internet explica por que tanta generosidade com a Vale: a empresa distribuiu R$ 2 milhões para dois candidatos ao governo, R$ 1,5 milhão para o governador Renato Casagrande (PSB) e R$ 500 mil para Roberto Carlos (PT), ambos derrotados. Para o socialista, a Vale se manifestou via subsidárias: MBR, Vale Energia S/A e Vale Manganês S/A. Para o petista, através da MBR.
Doou também para candidatos ao Senado. A Vale Energia S/A pingou R$ 300 mil para a eleita Rose de Freitas (PMDB) e a MBR R$ 100 mil para João Coser (PT). A deputada federal Iriny Lopes (PT), que não logrou a reeleição, foi contemplada com R$ 100 mil da Vale Rio Doce Energia S/A. A Vale Energia também doou R$ 100 mil às campanhas de Givaldo Vieira (PT), eleito, e de Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB), derrotado, à Câmara dos Deputados; o petista recebeu ainda R$ 100 mil da MBR.
Ao todo, são R$ 2,7 milhões de financiamento privado de campanha. Para a Vale é o troco do pão: vide os US$ 1,3 bilhão de investimento na padaria. Investir em campanhas significa reduzir os investimentos em controle ambiental e reforçar lucros futuros.
Mas não é só a Vale que mimoseou os candidatos nas eleições deste ano. Paulo Hartung recebeu R$ 300 mil da Fibria (Aracruz Celulose) e R$ 50 mil da Imetame Metalmecânica. Casagrande recebeu R$ 50 mil da Imetame Metalmecânica e igual quantia da Empresa de Mineração Esperança S/A, empresa da Ferrous.
A Imetame planeja a construção de um terminal portuário em Barra do Riacho, Aracruz, e já coleciona bisonhices ambientais. Em julho, o Conselho Regional de Meio Ambiente (Conrema III) aprovou a supressão de 11 mil hectares de vegetação nativa para a empresa; os pescadores do antigo vilarejo desconhecem o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima). A área em que nascerá o porto é uma das poucas que restam aos pescadores artesanais do distrito.
A luta renhida que se viu entre os dois principais candidatos ao governo, Casagrande e Hartung, confirmou o que os círculos políticos disseram acerca da disputa deste ano: em 2014, sim, houve eleições no Espírito Santo, algo que não ocorria desde 2002, quando Hartung foi eleito pela primeira vez. Em que pese o embate severo entre os dois, pelo menos da perspectiva ambiental, Casagrande e Hartung apresentaram maneiras diferentes de fazer a mesma coisa. Ambos já comandaram o estado e ambos se mostraram ambientalmente omissos. Hartung não deve fazer diferente a partir de 2015.
Um certo plano de desenvolvimento para o Espírito Santo se diz fruto de uma “parceria criativa”, cujo resultado foi uma “nova visão de futuro” para alcançar uma “sociedade ainda mais justa”. Seria ótimo, não viesse esse pacote de bondades batizado Plano de Desenvolvimento Espírito Santo 2030 das mentes do Fórum das Entidades e Federações (FEF) e da ONG empresarial Espírito Santo em Ação.
É ingenuidade criar expectativas com uma proposta de desenvolvimento formulada pelo FEF e Espírito Santo em Ação, entidades que reúnem a elite empresarial do Espírito Santo. O programa de 252 páginas, que apresenta com suavidade e elegância seus textos e gráficos, traça o futuro dos capixabas sem a participação destes: o futuro ali vislumbrado nasce antes pelos olhos do empresariado.
Daí platitudes ambientais como esta, impressas no ES 2030: “É preciso traçar os rumos de um novo contexto político e institucional que favoreça e induza os esforços dos agentes públicos e privados na direção do máximo valor agregado possível, em termos ambientais, econômicos e humanos, em cada porção do território capixaba, em todas suas cidades, vilas, distritos e patrimônios”. Comovente.
Vamos a um pequeno exemplo. O capítulo 3, Aonde Queremos Chegar, traça em uma frase o futuro de cada microrregião. A do Rio Doce é “Sustentável e forte, com qualidade de vida e recursos naturais preservados”. Em uma região que acolhe a eterna Aracruz Celulose (hoje Fíbria) e, portanto, uma expansão predatória do cultivo de eucalipto e a construção controversa de dois portos, da Imetame e da Manabi (este em Linhares), é piada boa falar em preservação natural.
Lançado em dezembro de 2012, com a presença do governador Renato Casagrande, o ES 2030 é uma revisão do ES 2025, este lançado, vejam só, pelo ex-governador Paulo Hartung em 2006. Conclusão óbvia: qualquer um dos dois que fosse eleito levaria adiante os planos da nossa elite empresarial. Deu Hartung.
Uma das justificativas da Vale para legitimar a oitava usina é a informação clamorosamente questionável de que a poluidora reduziu em 33% as emissões na Ponta de Tubarão. Grupo ambientalista que reúne nove entidades, a SOS Espírito Santo Ambiental contesta: até 2005, a média captada pelas estações de monitoramento da qualidade do ar na Ilha do Boi era de 5 gramas mensais de Partículas Totais em Suspensão (PTS) por metro quadrado.
Em 2009, 2010, 2011 e 2012, a média saltou para 7g/m²/mês, sendo que o processo de instalação das wind fences da Vale começou em 2009 e terminou em 2011. Isto é, em 2012, a propalada eficiência das “barreiras de vento” não se ratificou.
Em meados de setembro, o deputado estadual reeleito Gilsinho Lopes (PR), que se revelou uma voz destoante em relação à poluição do ar na Grande Vitória, protocolou na Casa pedido de informações, a pedido do SOS Espírito Santo Ambiental, sobre a tal redução nas emissões da Vale. Não foi o primeiro: a notícia da Vale já provocou uma série ofícios do deputado, sempre respondidos pelo Iema e pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), porém sempre de forma vaga e omissa.
A cobrança sobre os órgãos ambientais se justifica. Sancionado pelo governo estadual em dezembro, o Plano Estratégico de Qualidade do Ar (PEQAr) desagradou a sociedade civil ao estabelecer um padrão mensal de emissão de PTS em 14g/m²/mês, 48% maior que o hoje verificado na Ilha do Boi, 62% que o no Centro de Vila Velha e 45% que o em Jardim Camburi. E, cortem os pulsos, sem prazo para redução das emissões. Se desagradou ao cidadão, logo agradou à Vale e ArcelorMittal.
A cereja do bolo da relação entre poluidoras e eleições frutificou no último dia 15 no plenário da Câmara de Vitória. Recém-chegado à Casa, o vereador Hércules Bellato (PSB) ainda não mostrou a que veio, mas já mostrou a que não veio ao homenagear o presidente do Iema, Tarcísio Foeger, o homem que concedeu a LO da oitava usina da Vale e que liberou o PEQAr.
Bellato vem a ser o suplente do vereador Serjão Magalhães (PSB), aspirante malogrado à Assembleia Legislativa. Uma minuta de projeto de lei desenvolvida pelo GTI Respira Vitória de forma consensual entre movimentos sociais, empresas e poder público, após um ano e meio de reuniões, estabelecia prazos para padrões intermediários e finais de emissões e exigia compromisso das poluidoras.
O texto do GTI sucumbiu ao contestado decreto do governo, mas o secretário executivo do grupo, o vereador Serjão, absteve-se. Bellato mal entrou e já aprendeu certinho como é que se faz.
O resguardo das poluidoras capixabas ecoava nas propostas de governo dos candidatos Hartung, Casagrande e Roberto Carlos. Os três priorizaram o modelo econômico vigente no Espírito Santo, voltado para a exportação e, portanto, ambientalmente devastador.
Quem destoou é a candidata do Psol, Camila Valadão, que enfrentou a questão ambiental em sua raiz ao propor uma refundação do modelo econômico capixaba. Ela propôs o investimento em ciclos produtivos locais e o incentivo à agricultura familiar e à agroecologia, além da sobretaxação do agronegócio. Já Mauro Ribeiro (PCO), defendeu uma radical reforma agrária e a estatização de setores estratégicos como energia, comunicação, mineração, recursos naturais, transporte e logística de distribuição e produção.
Hartung, um papa do desenvolvimentismo à capixaba, se dispôs abraçar o Espírito Santo com a exploração de petróleo e gás, a construção de polos empresariais, a implantação do Porto de Águas Profundas, a atração empresarial em que os exemplos são a Jurong e Edson Chouest são tomadas como exemplo. Casagrande apostou no destaque das empresas dos setores de petróleo, aço e celulose; Roberto Carlos (PT) apostou no porto de águas profundas, ramais ferroviários e nos empreendimentos de petróleo e gás.
Lendo isso, a gente entende por que o Diário Oficial do dia 26 de setembro trazia a LO da quarta usina da Samarco Mineração, em Anchieta. A nova empreitada da grande poluidora do sul capixaba vai aumentar em 37% a produção da mineradora e agravar um índice de degradação do ar já elevado para os padrões do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Interessante notar que em pouco mais de um mês, em pleno período eleitoral, o pulmão capixaba ganhou mais duas máquinas de poluição do ar. Mais um desses imponderáveis que só ocorrem no Espírito Santo.