Falta de diálogo empurra solução para a judicialização no STF, como ocorreu com sucesso no Tocantins
A intransigência do governo do Estado em impor um novo licenciamento ambiental – Lei Complementar nº 1.073/2023 – autoritário e pouco transparente, sem participação social e que enfraquece a própria essência do processo, que é a análise técnica feita pelo corpo técnico do órgão licenciador estadual, empurra para a judicialização a única solução possível para reverter o retrocesso legal e os riscos de graves danos socioambientais dele decorrentes.
A avaliação decorre da reunião realizada nessa terça-feira (27) entre o gestor máximo da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), Felipe Rigoni (União), com servidores do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) e membros da Associação de Servidores do Iema (Assiema) e do Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos do Espírito Santo (Sindipúblicos/ES).
“Levantamos as inconsistências jurídicas do novo licenciamento ambiental, que dificultam o protagonismo do Iema e a participação social prevista em lei federal”, relata Rodolfo Simões de Melo, vice-presidente do Sindipúblicos. A reciprocidade do secretário, no entanto, foi nula, não acenando com a possibilidade de buscar nenhum dos pontos apontados como irregulares pelos servidores.
“A gente recomendou que ele vá ao Iema, conversar com os servidores, com o corpo técnico. Porque essa lei passou pela Assembleia Legislativa sem que ninguém da base da autarquia tivesse conhecimento”, conta.
De fato, como denunciaram o sindicato e o servidores, não só do Iema, mas também do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Desde que o Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 56/2023 começou a tramitar no Legislativo, não houve qualquer consulta aos servidores e aos conselhos de meio ambiente sobre as alterações que o governo impôs na proposta, aprovada com folga na Assembleia Legislativa, onde os deputados mais exaltados chegaram a afirmar que o Iema deveria ser extinto, retomando uma tentativa encampada pelo ex-governador Paulo Hartung em 2017, mas interrompida após intensa mobilização dos servidores.
A própria reunião ocorrida nessa terça-feira, ressalta Rodolfo, só foi realizada por insistência das entidades, que viram seis agendas serem desmarcadas pelo secretário ao longo de dois meses. “Foi só na sétima tentativa que aconteceu”.
Um ponto central questionado é o esvaziamento do setor técnico da autarquia, com a criação de um Conselho de Gestão Ambiental (CGA) que tem poder de retirar processos em análise pelos técnicos e decidir sobre a autorização ou não de licenciamentos de processos que os gestores políticos do Iema e outras autarquias – como Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf) e Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh) – entenderem ser prioritários.
“O Conselho Ambiental está acima do Iema e pode pedir vistas dos processos, se o setor técnico emite parecer contrário a algum empreendimento que seja de interesse do Governo do Estado. O servidor é então obrigado a despachar esse licenciamento para o conselho, que vai decidir se licencia ou não”, explica.
Outro ponto sensível é a desobrigação de audiências públicas, hoje uma etapa obrigatória do licenciamento ambiental, que garante a mínima participação da sociedade potencialmente impactado pelos empreendimentos que se quer licenciar. Participação que já é constantemente questionada pelas entidades e movimentos sociais, pois é muito limitada no tempo de fala e poder de influência da sociedade civil, mas que, com o novo licenciamento, simplesmente pode desaparecer. “Quando falamos da necessidade de audiências públicas e do debate com a sociedade sobre o novo licenciamento, o Rigoni cometeu um ‘sincericídio’, disse que iria ‘levantar muita polêmica, de ambos os lados'”
Há ainda um outro agravante na lei, que merece destaque: “antes, quando o órgão embargava um empreendimento, uma obra, passava a fita e fechava de fato, mesmo quando o empreendedor recorria. Agora, quando um servidor embargar, a empresa pode continuar degradando. Enquanto o recurso dela não transitar em julgado, ela pode continuar poluindo”, compara.
Totalmente descartada também, afirma, foi a reivindicação de fortalecimento do Iema, com estrutura física, laboratórios e, principalmente, servidores em quantidade suficiente para atender à atual demanda de avaliação de processos de licenciamentos e outras atividades afins do órgão, como gestão das unidades de conservação e fiscalização de atividades poluidoras. “Uma estimativa da Assiema e do Sindipúblicos é de que deveria haver o triplo de servidores. Mas eles [Rigoni e outros gestores] não têm esse horizonte de concurso”, afirma.
Por trás de toda a intransigência, avalia o vice-presidente do Sindipúblicos, estão interesses dos grandes poluidores, que formam a classe dominante, política e economicamente, do Estado, como as mineradoras. “É claro o papel do Rigoni: responder à classe dominante, que é quem o mantém ali. Não só sal-gema, mas as indústrias muito poluidoras, como rochas, que vão ser beneficiados com o novo licenciamento, por conta da renovação automática da licença. Quem hoje polui, vai continuar poluindo ad eternum”, denuncia. “A visão das mineradoras é que o Iema é um cartório, onde elas chegam, dão entrada num processo e têm que receber a licença quase imediata. Mas o Iema não é um cartório, ele é o órgão ambiental que decide se pode ou não licenciar”, enfatiza.
Sobre a judicialização do caso, aventada desde a aprovação do projeto na Assembleia, Rodolfo conta que o sindicato e as entidades amadureceram bastante a conversa com partidos políticos para que seja impetrada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a LC 1.073/2023, no Supremo Tribunal Federal (STF). “O sindicato não pode acionar o STF contra uma lei estadual. Mas os partidos com os quais conversamos estão em estágio avançado de montagem da peça para pedir a inconstitucionalidade”, relata.
Estratégia semelhante foi adotada em outros estados que também promulgaram leis que precarizam os seus respectivos licenciamentos ambientais. Em janeiro último, a Adin interposta pelo Ministério Público do Tocantins teve decisão favorável do Supremo, com relatoria do ministro Dias Tofoli.