Há 23 dias um incêndio criminoso destruiu o arquivo do Ticumbi, em Conceição da Barra. Na prática, restou apenas um instrumento, a viola de Chico Bentos. Até este final de semana, a famosa viola não havia sido entregue ao seu cuidador, o mestre Terto Balbino, de 82 anos.
Na noite da última sexta-feira (4), mestre Terto informou que a viola, que estava no DPJ de São Mateus, foi levada para a Delegacia de Polícia de Conceição da Barra. Mas a pessoa encarregada de apanhá-la não encontrou no local o policial que faria a entrega.
“Parece de rosca. A viola continua lá [na Delegacia]”, protestou Terto Balbino. Ele espera que nesta semana o instrumento volte para as suas mãos.
O crime contra o patrimônio da cultura negra, roubo da viola e incêndio provocado na sala onde era guardado o arquivo do Ticumbi, em Conceição da Barra, norte do Espírito Santo, aconteceu no dia 14 de agosto.
Na sequencia, os autores roubaram e, uma vez mais, colocaram fogo, em um pequeno comércio na cidade. Eram dois autores, um deles, Marcelo “Corredor”, preso logo depois. E mais uma vez a seguir solto.
A viola
Além da queima dos registros históricos das apresentações do Ticumbi, o que é apontado como um dano irreparável ao folclore capixaba, houve o roubo da viola de Chico Dantas. Também foram levados os óculos de grau de mestre Terto, cujas prestações ele ainda paga, uma sanfona, faca e outros pequenos objetos. O cuidador do acervo é o mestre Terto Balbino.
Considerada uma relíquia, a famosa viola de Chico Dantas tem uma longa história. Chico Dantas, ainda novo, foi acometido de doença grave, e estava para morrer. Então, fez promessa para São Benedito, seu santo padroeiro. Se fosse curado, tocaria sua viola no Ticumbi até morrer. São e salvo, começou a tocar sua viola ainda quando o mestre do Ticumbi era Luís Hilário.
Há quantos anos? Mestre Terto não dá precisão. Com 82 anos, ele se lembra de quando que, quando menino, Chico Dantas já era violeiro do Ticumbi. Cumpriu sua promessa e tocou até morrer. Uns 70 anos de viola para o seu padroeiro São Benedito. Hermógenes Lima Fonseca (1916 – 1996), em tradução livre, contou em prosa que Chico Dantas tocou sua viola para seu padroeiro, já no céu.
Ticumbi (por Rogério Medeiros)
O Ticumbi é um grupo folclórico de Conceição da Barra, integrado somente pelos negros da região, tratando-se também de uma manifestação única no País, pois só é encontrado no município de Conceição da Barra. São negros devotos de São Benedito, que louvam o santo na passagem de ano.
Na época da passagem de ano, eles se vestem com uma roupa branca, cobertos por uma bata. A cabeça é enfeitada com flores. Em longas evoluções, durante duas horas se apresentam na porta da Igreja de São Benedito. Além do pandeiro, há apenas um violeiro que tira as canções de louvor a São Benedito. Há no entanto, uma disputa entre dois reis para saber qual deles dará o baile de São Benedito. Embaixadas são tiradas pelos secretários dos dois reis (de banda e de congo) e há uma luta entre eles, mas invariavelmente vence o rei cristão, que é o rei de congo. Na verdade, eles reproduzem as velhas lutas entre mouros e cristãos, que por oito séculos tomaram conta da Europa.
No dia anterior à apresentação, o grupo desce o rio Cricaré, conduzindo a pequena imagem de São Benedito do Córrego das Piabas – que fica na localidade de pescadores, conhecida como Barreiras – para ser louvada pelos seus devotos em Conceição da Barra. Este é o único dia em que a imagem pode sair da localidade de Barreiras.
Essa imagem é considerada pelos negros o mais milagreiro da região. Era conduzida sempre pelo líder dos escravos da região, Benedito Meia-légua, que foi queimado pelos fazendeiros escravocratas dentro de uma árvore, onde havia se refugiado. Depois do incêndio a imagem foi encontrada intacta.
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