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Sistemas Agroflorestais são preferência da maioria dos produtores do Reflorestar

Agroflorestas podem reduzir a perigosa perda de “florestas maduras”, mas deserto verde ainda impera no Estado

Leonardo Sá

A crescente adesão dos produtores rurais contratados pelo Programa Reflorestar aos Sistemas Agroflorestais (SAFs) mostra uma alternativa promissora para evitar a perda das chamadas “florestas maduras”, fenômeno que, infelizmente, tem afetado todo o bioma no qual o Espírito Santo está 100% inserido: a Mata Atlântica.

A integridade das florestas tropicais é uma condição fundamental para evitar o surgimento de pandemias como a da Covid-19 e os investimentos para que elas sejam protegidas e melhor pesquisadas precisam ser feitos em paralelo às medidas sanitárias em curso para salvar vidas, bem como os esforços para reduzir as desigualdades sociais, já que as vulnerabilidades socioeconômicas são obstáculos imensos à implementação das medidas sanitárias necessárias à contenção da transmissão viral, especialmente de patógenos respiratórios como o novo coronavírus (SARS-CoV-2) e suas mutações.

E integridade significa mais do que a aparente estabilidade no percentual de cobertura de determinado território, como é o caso da Mata Atlântica brasileira ou o Espírito Santo. Integridade demanda preservação de sua complexidade biológica, garantida somente com políticas efetivas de combate ao desmatamento.

Na falta delas, o fenômeno vem, silenciosamente, minando a integridade da Mata Atlântica, segundo alerta o artigo Hidden destruction of older forests threatens Brazil’s Atlantic Forest and challenges restoration programs (Destruição oculta de florestas mais antigas ameaça a Mata Atlântica do Brasil e desafia programas de restauração, em tradução livre), publicado em janeiro último na renomada revista Science Advances. A autoria é de um grupo de especialistas brasileiros liderados por Marcos Rosa, coordenador técnico do MapBiomas – Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo do Brasil cujos dados, públicos e fundamentados no monitoramento feito pela ONG Fundação SOS Mata Atlântica, subsidiaram o estudo sobre a redução das florestas maduras.

Paulo Radaik

Mudança de comportamento

Os SAFs conciliam a conservação da floresta com a geração de renda para o proprietário rural e esse entendimento tem feito com que as agroflorestas ganhem a preferência dos produtores rurais que aderem ao Reflorestar. Em 2019, dos 1,6 mil hectares de restauração florestal contratados, 60% foram com SAFs. Somando com o sistema agrosilvopastoril, foram quase 70%.”Há uma mudança de comportamento por parte do produtor rural. Ele está percebendo que pode plantar floresta e ter nela um ativo não só ambiental, mas também econômico. Isso garante que, num tempo médio, é possível mudar a cultura. Hoje ainda é comum pensar que ou se tem a floresta, que não dá qualquer retorno, ou o pasto. O produtor está entendendo que pode ter ganho econômico com a floresta”, analisa o engenheiro florestal Marcos Sossai, gerente do Reflorestar.

O futuro, vislumbra, é de um “mercado de florestas sustentáveis” e, para isso, “é preciso criar oportunidades mais sustentáveis para o produtor rural, para que ele plante, colha e venda produtos diversos a um preço justo, podendo optar em qual produto quer investir”.

Um caso ocorrido em Iúna, na região do Caparaó, ilustra a tese. Com apoio do Reflorestar, o produtor plantou um SAF de café e pupunha. Ele colheu o café e a pupunha também estava em ponto de corte, mas não foi colhida porque “ele disse que não valia a pena, por não ter mercado nas proximidades”, relata Sossai.

O caso, ressalta, demonstra a importância do programa estimular não só o plantio, mas também criar condições para a colheita e a venda. “Nosso desafio é criar oportunidades para o produtor rural, para que ele possa escolher, porque as opções hoje são muito poucas. Eu confio muito nisso, se não, não estava aqui até hoje”, assume.

Leonardo Sá

Deserto verde em dobro

O programa é considerado a principal política pública capixaba de proteção florestal, implementado em 2011, durante o primeiro governo de Renato Casagrande (PSB), saudada como boa referência nacional no quesito proteção florestal e PSA desde então, incluindo o segundo governo de Paulo Hartung, persistindo até o momento. Mas, na prática, os resultados são ainda muito tímidos, principalmente se comparado com o uso do solo que mais cresce no Estado: o plantio de eucalipto.

Entre 2015 e 2019, o Reflorestar estabeleceu, em contratos com proprietários rurais, 9,77 mil hectares de restauração florestal com apoio de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). No mesmo período, o deserto verde cresceu em 30,6 mil hectares, segundo levantamento do MapBiomas (veja gráfico abaixo).

Reprodução/MapBiomas

Em 2019, quando o Reflorestar apoiou a restauração de 1,6 mil hectares por meio do PSA, foram plantados 7,4 mil hectares a mais de eucaliptais no Estado, chegando aos atuais 260,6 mil ha.

Em 2015, o Atlas da Mata Atlântica no Espírito Santo, lançado pelo governo do Estado, já identificada o eucalipto como uso do solo que mais cresceu entre 2007 e 2015. O documento aponta um crescimento de 45,3 mil hectares no período. No MapBiomas, o acréscimo medido foi ainda maior, de 51,3 mil hectares.

Sossai acredita que os monocultivos de eucalipto estão crescendo sobre áreas que já tinham uso não florestal, como pasto, café e cana-de-açúcar. “Entrando em floresta, muito pouco ou quase nada”, avalia.

Mas, se não é o eucalipto que provoca a derrubada das florestas maduras capixabas, a troco de que elas estão sendo substituídas por florestas jovens? Essa pergunta ainda não foi respondida, mas os impactos dessa substituição já colocaram os pesquisadores em alerta.

Estabilidade e rejuvenescimento perigosos

O estudo liderado pelo Marcos Rosa concluiu que, num período de 34 anos, entre 1985 e 2019, houve recuperação de florestas jovens na Mata Atlântica. mas, em paralelo, houve aumento do desmatamento contínuo das florestas nativas mais antigas, que estão sendo substituídas “principalmente para ampliação da agricultura e plantio de florestas exóticas”, observa Marcos Rosa.

“Apesar dessa dinâmica de perda e ganho de florestas nativas ter mantido a quantidade de floresta praticamente estável nos últimos 20 anos, esse rejuvenescimento das florestas pode ser extremamente danoso para a conservação do bioma”, alerta.

O perigo é que, embora as florestas jovens sejam essenciais para aumentar a cobertura florestal e criar corredores entre fragmentos isolados, principalmente em Áreas de Preservação Permanente (APPs) ao longo dos rios, as maduras são insubstituíveis para a conservação da biodiversidade tropical, já que muitas espécies de animais, plantas e microrganismos são incapazes de recolonizar florestas secundárias e dependem de habitats mais antigos, menos alterados, estruturalmente mais desenvolvidos e biodiversos para persistir. Além de possuírem maior biodiversidade e carbono estocado.

Na atual década da restauração de ecossistemas instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU), salienta, “é necessário ampliar as ações de restauração da floresta nativa, porém é imprescindível buscar o desmatamento zero e manter todos os instrumentos e iniciativas de proteção dos remanescentes florestais existentes”.

O estudo mostra que a redução da área coberta por florestas maduras na Mata Atlântica brasileira foi de 8,4%, considerando as matas com até 30 anos de idade. Os dados regionais ainda estão sendo tabulados, mas Marcos acredita que a redução foi registrada em todos os estados.

Marcos Rosa concorda com Sossai, sobre o potencial dos SAFs para frear esse rejuvenescimento danoso. “O SAF pode ser um instrumento de recuperação da Mata Atlântica e de fonte de renda para o produtor, ao utilizar uma composição de espécies nativas e de espécies com potencial econômico”.

Não cabe mais floresta?

No cômputo geral, a área de floresta nativa capixaba (mata, restinga e manguezal), de fato se manteve estável entre 1985 e 2019, saindo de 1,16 milhão de hectares (25,3% do território estadual) em 1985 para 1,13 milhão de ha (24,7%) em 2019.

Leonardo Sá

O Atlas da Mata Atlântica no Espírito Santo, publicado pelo governo do Estado em 2014, aponta uma cobertura florestal com mata nativa duas vezes maior, pois utiliza uma tecnologia mais precisa, que consegue captar áreas de até meio hectare de floresta, enquanto o MapBiomas só identifica fragmentos maiores que três hectares. Assim, segundo o Atlas, o Estado tem 22% de cobertura, o dobro dos 11% (o restante dos quase 25% são de manguezais e outros ecossistemas associados à floresta atlântica) apontados pela SOS e o MapBiomas.

Mesmo identificando um percentual maior de cobertura florestal, o gerente do Reflorestar percebe uma estabilização dessa forma de ocupação do solo no Estado. “Está estabilizada, acho difícil aumentar mais do que esses 22% de hoje”, avalia Marcos Sossai. “Mantendo isso estável, é possível estimular locais pontuais onde precisa haver reflorestamento para produção de água”, diz.

Nessa linha, o Reflorestar acompanha vários estudos, iniciados em 222 microbacias onde há captação de água para abastecimento pela Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan), empresas privadas ou serviços autônomos de água e esgoto (SAAEs).

Excluídas as microbacias muito grandes ou muito pequenas, 105 continuam sendo monitoradas pelo InVEST – modelo computacional que indica em cada bacia quais áreas mais importantes pra reflorestar. “Com isso podemos direcionar melhor o uso de recurso público”, ressalta Sossai. O próximo edital do Reflorestar, em abril, já deve direcionar os investimentos para essas áreas apontadas pelo InVEST, acredita. A ideia ainda é, após feitos os reflorestamentos, medir quanto de sedimento vai deixar de ser lançado nos corpos d’ água e quanto dinheiro será economizado com tratamento de água, por exemplo.

Alguns dos usos do solo mais comuns no ES, mas não na proporção real: floresta nativa, eucaliptal e café.
Foto: Iema

Zoneamento ecológico-econômico

Nesse cenário, salienta, a pergunta a fazer é a seguinte “O que é melhor? Eucalipto ou pasto? Eucalipto ou café? Em alguns casos é melhor eucalipto, em outros não. O Estado deveria delimitar as áreas onde há vocação para eucalipto e onde não há”, sugere, lançando luzes sobre uma medida essencial para a sustentabilidade econômica, ambiental e social do Espírito Santo, que vem sendo ignorada governo após governo: o zoneamento ecológico-econômico.

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