MAB acredita que medida pode atingir 7 mil pessoas em meio à pandemia e levar à retomada da pesca de peixes contaminados
No Dia do Pescador e da Pescadora, muitos que atuam no Rio Doce receberam um presente amargo da Fundação Renova. A entidade responsável pela reparação do crime socioambiental da Samarco/Vale-BHP começou a enviar, nessa segunda-feira (29), mensagens a atingidos informando sobre o cancelamento do auxílio financeiro emergencial para aqueles “já tiveram tiveram restabelecidas as condições para retomada de atividade econômica ou produtiva, com base nos resultados de estudos técnicos e científicos”.
“Foi um susto. Ficou todo mundo perplexo e um pouco confuso”, relata Heider Boza, coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Espírito Santo, que publicou carta no dia seguinte contestando a medida. O movimento alega que o aviso enviado por carta a atingidos cadastrados afirma que “não há impedimento para o exercício da pesca para consumo próprio na calha do Rio Doce em Minas Gerais e no Espírito Santo, uma vez que não há proibição legal de pesca nessas regiões” e que “desse modo, não há causa para interrupção da atividade.”
O MAB avalia que a medida pode afetar a renda básica de até 7 mil atingidos em pleno período de pandemia, já que não há proibição oficial de pesca no rio nem no litoral, com exceção da faixa de exclusão entre Santa Cruz (Aracruz) e Degredo (Linhares). “Além de ser completamente injusto, tudo está sendo feito sem um plano de transição real ou um tempo adequado, tampouco foram tomadas medidas estruturantes de longo prazo para a retomada do trabalho e renda, em respeito à natureza das atividades nas diferentes partes dos territórios atingidos”, pontuou em nota o movimento.
Segundo o informe da Fundação, as pessoas que terão auxílio cancelado vão receber o mês de julho e ainda um último pagamento em agosto referente a três meses: agosto, setembro e outubro, encerrando em definitivo os auxílios emergenciais.
Heider aponta que a medida foi tomada sem consulta aos atingidos e aos entes de governança e órgãos jurídicos que acompanham o caso, como o Ministério Público Federal e Defensoria Pública da União.
O coordenador do MAB considera mais grave ainda que a Renova alegue a condição das águas como argumento para retirar o auxílio, dando a entender que os pescadores devem voltar a pescar. O tema chegou até a sessão da Assembleia Legislativa desta quarta-feira (1), em que o deputado Marcos Garcia (PV) questionou: “Mesmo que o pescador consiga pescar, quem vai comprar esse peixe, se a notícia que se tem é de contaminação do rio? Qual a credibilidade da qualidade do peixe?”.
A gravidade é que embora estudos possam demonstrar limpeza da água, Heider lembra que o mesmo não acontece com a vegetação e com os animais, como os peixes, que podem ter contaminação ainda mais alta por conta da exposição e acúmulo dos resíduos tóxicos ao longo do tempo, conforme confirmam estudos e relatórios de entidades como Lactec e Rio Doce Mar para o Ministério Público Federal. Assim, a Renova induziria os pescadores a voltarem a suas atividades, o que poderia representar riscos para a saúde num momento em que os centros médicos já enfrentam graves problemas devido ao novo coronavírus.
Para o líder do MAB, a entidade se aproveita da complexidade do momento de pandemia, em que há debilidade de ação para os órgãos e instituições de Justiça, além da dificuldade de organização dos movimentos sociais para realizar assembleias, reuniões e manifestações que possam contestar as decisões tomadas.
No entendimento do movimento, com os cortes, os pescadores ficam entre arriscar a saúde ou ficar sem renda, já que o MAB considera um fiasco os programas propostos e implementados pela fundação para fomentar alternativas econômicas. Heider cita o relatório de monitoramento da Ramboll, apontando que o programa de Retomada das Atividades Aquícolas e Pesqueira aplicou apenas 5% do total de recursos previsto.
O deputado Marcos Garcia, que é de Linhares, conclamou os legisladores a atuarem diante da medida. “Nós deputados devemos nos unir para cobrar explicações para a situação de descaso da Fundação Renova e de abandono que os impactados pela lama da Samarco estão vivendo na nossa região”, destacou.
O Movimento dos Atingidos por Barragens levantou uma série de reivindicações sobre o caso:
– Garantia de todos os auxílios financeiros enquanto durar o Estado de Calamidade devido aos efeitos da pandemia da Covid-19, que também impede que as comissões locais participem de reuniões da governança para discutir todos esses temas ou que informem e mobilizem suas comunidades.
– Contratação das assessorias técnicas independentes conforme o Aditivo ao TAP – acordo assinado pelas próprias empresas em novembro de 2017 – como ferramenta de atendimento gratuito e coletivo das demandas, com levantamento da qualidade da água e do pescado por localidade atingida.
– Garantia dos direitos de todos os territórios atingidos, incluindo as comunidades localizadas em áreas estuarinas, costeiras e marinhas do litoral norte do Espírito – São Mateus e Conceição da Barra, especialmente – que foram reconhecidas em março de 2017 pela Deliberação nº 58 do Comitê Interfederativo (CIF).
– Execução imediata de um Plano Emergencial de socorro às comunidades atingidas com itens de higiene, máscaras, álcool gel e, sobretudo, cestas de alimentos para todas as famílias atingidas em condição de vulnerabilidade, independente da lista de cadastrados.
– Ação articulada das instituições de Justiça no sentido de questionar o corte de auxílios.
– Que os processos de suspensão de auxílios sejam submetidos a uma negociação direta com as Comissões Locais sobre ações efetivas de retomada do trabalho e renda nos territórios.