Uma audiência de conciliação nesta terça-feira (26) na Justiça Federal de Linhares vai avaliar duas alegações frontalmente opostas em relação à proibição de pesca no território atingido pelo crime ambiental da Samarco/Vale-BHP, o maior da história da mineração mundial, deflagrado no dia cinco de novembro de 2015.
Em jogo, o pedido de suspensão da proibição feito pela Samarco, que alega redução da contaminação na água do Rio Doce e do litoral capixaba, e, do outro lado, a orientação da consultoria Lactec, contratada pelo Ministério Público Federal (MPF/ES), de que a área proibida seja ampliada, pois constatou elevada contaminação por cádmio, arsênio e outros metais presentes na lama de rejeitos que devastou mais de 600 quilômetros do leito do maior rio capixaba, se espalhando no mar, desde o sul da Bahia até o norte do Rio de Janeiro.
A audiência ocorre no âmbito da ação civil pública proposta pelo MPF em face das empresas criminosas e que culminou na decisão liminar de 22 de fevereiro de 2016, que proibiu a pesca de qualquer natureza, ressalvada aquela destinada à pesquisa científica, numa faixa marinha delimitada ao sul pela Barra do Riacho, no município de Aracruz, ao norte pela praia de Degredo, no município de Linhares, e ao leste até onde a plataforma continental alcança 25 metros.
A ação, informa a Vara Federal de Linhares, “encontra-se suspensa, desde 5/6/2017, a pedido do MPF e da Samarco, aguardando o resultado de tratativas extrajudiciais promovidas pelas partes acerca da prova pericial a ser produzida”.
Ocorre que, passados quatro anos do crime, a Samarco solicitou, ao juízo federal de Linhares, que revogue a suspensão. Isso, apesar de todas as evidências de persistência da contaminação, ao contrário do que a mineradora alega, havendo, inclusive, áreas em que a contaminação está hoje mais alta que há quatro anos, conforme verificou a Lactec.
Na conclusão da Lactec, é de extrema importância que seja mantida a proibição da pesca na região marinha-estuarina, uma vez que mesmo organismos capturados fora da área previamente estabelecida apresentaram elevadas concentrações de elementos potencialmente tóxicos (EPTs).
Além disso, prossegue a consultoria, devido a esses elementos terem sido encontrados em todos os pontos amostrados, também, na porção continental, sugere-se discussão sobre uma melhor regulamentação ou, ainda, sobre a proibição da pesca desses pontos, além da ampliação da proibição da pesca para espécimes alóctones ou exóticas à bacia hidrográfica do Rio Doce, que haviam sido liberadas para a pesca de acordo com a Portaria 40/2017 do IEF de Minas Gerais. Tais indivíduos, muito embora estejam em maior número em relação às espécies nativas, também acumulam grande quantidade de contaminantes.
O estudo da consultoria foi contratado pelo MPF para analisar a nota técnica emitida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em maio último – NT 8/2019 – sobre a avaliação do risco de consumo de pescado proveniente das regiões afetadas pelo crime.
Na época, a Fundação Renova deturpou o conteúdo da nota, publicando, em seu site, uma notícia com o título “Anvisa atesta segurança do consumo do pescado no Rio Doce”. Dias depois, a própria agência divulgou uma Nota Pública desmentindo a notícia.
O comunicado foi assinado juntamente com Ministérios Públicos Federal e Estadual do Espírito Santo (MPF e MPES), a Defensoria Pública (DPES), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Instituto Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), a Agência Estadual dos Recursos Hídricos (Agerh) e a Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag).
Na nota, as entidades afirmavam que a NT 08/2019 da Anvisa estava sendo utilizada de forma equivocada pela Fundação Renova. “A reunião com a Anvisa foi muito importante, pois esclareceu às instituições e órgãos presentes sobre a finalidade da Nota Técnica emitida no dia 22 de maio, que foi meramente informativa aos técnicos que ainda conduzem os estudos pertinentes. Não pode, em hipótese alguma, ser usada para incentivar o retorno das atividades pesqueiras, o consumo de pescado ou a eventual interrupção dos programas socioeconômicos executados pela Fundação Renova”, afirmou na época o defensor público Rafael Mello.