“Quem tomou a decisão de abrir as compotas e decretar a morte de vidas e jogar a lama no mar?”. A pergunta publicada em vídeo nas redes sociais nesta quarta-feira (18), retratando o exato momento em que a onda de rejeitos da Samarco/Vale é liberada da Usina de Aimorés, na divisa de Minas Gerais com o Espírito Santo, é a mesma que há dias fazem ambientalistas e a sociedade civil.
“Não teria jeito de conter essa lama?”. Detinha Son, que atua na área ambiental desde 1986, garante que sim. Foi ela quem publicou o vídeo no Facebook, convocando os usuários da rede a compartilhar o material, como forma de denúncia à omissão dos responsáveis, tanto empresas como governos estadual e federal. “Optaram por salvar a Hidrelétrica de Aimorés”, pontuou.
Segundo ela, existe tecnologia para conter a onda de lama, bem como empresas especializadas no trabalho de contenção em tragédias ambientais. Mas o poder público, ao invés de tomar para si o problema, minimizou a questão e deixou para a Samarco/Vale “resolver”.
“Ontem [terça-feira], depois de 12 dias, havia uma empresa pré-contratada pela Samarco mobilizada para conter a lama a partir de Aimorés. A Samarco achou que estava caro demais a proposta e não contratou. Nossos governantes estão em Brasília fazendo projetos, planos para salvar o rio, e a lama descendo para outro estuário, o marinho, para completar o estrago”, desabafou Detinha.
No protesto realizado em Regência, Linhares, nessa terça-feira (18), esse também foi o principal apelo da comunidade. Impedir que os rejeitos cheguem à foz do rio Doce, para então encontrar o mar, o que está previsto para acontecer nesta sexta-feira (20).
Assim como as manifestações que predominam nas redes sociais, os moradores da vila de pescadores esperavam, no mínimo, que fossem feitas todas as tentativas possíveis para minimizar os impactos, como a retenção dos rejeitos nas usinas, para posteriormente serem retirados da calha do rio Doce. Mas a prioridade são os interesses empresariais e econômicos. Embora não haja risco de desabastecimento na produção de energia elétrica, os rejeitos deterioram as estruturas das usinas.
A onda de lama atingiu primeiro a usina de Risoleta Neves, na Zona da Mata de Minas Gerais, depois de Baguari (MG), de Aimorés (MG) e, nesta quarta-feira, de Mascarenhas, a última delas, que também já abriu as compotas, liberando os rejeitos para o município de Colatina, noroeste do Estado.
Nos casos da Risoleta Neves e Aimorés, a ausência de uma ação emergencial para tentar conter os rejeitos é ainda mais questionável. As duas usinas são do Consórcio Aliança, controlado pela Vale (45%) – empresa responsável pela tragédia em Mariana (MG) – e Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), com 55%.
Outra possibilidade de minimizar os impactos da catástrofe ambiental foi levantada na última sexta-feira (13) por especialistas e enviada à Samarco, por meio da comissão especial criada para acompanhar o caso na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES). A empresa deveria realizar um estudo de viabilidade técnica para desviar a lama para uma cratera de aproximadamente 9,6 km de diâmetro, localizada na divisa de Aimorés e Baixo Guandu, no Estado.
A cratera funcionaria como uma bacia natural de contenção do volume do rejeito mais denso, já que possui bordas bem elevadas, atuando como uma barreira. A sugestão foi gerada por análises geomórficas e fotográficas registradas por satélite.
O advogado que é especialista em direito ambiental, Orlindo Francisco Borges, aponta que a Samarco está ciente da existência desta possível medida de utilização da cratera, mas ainda não se pronunciou.
Segundo a comissão da OAB-ES, nessa segunda-feira (16), em visita ao Estado, o ministro de Integração Nacional, Gilberto Occhi, ressaltou que realocar a lama de rejeitos para a cratera não é o ideal, “mas caso seja uma alternativa em que não se tenha escolha, será o destino da onda de lama”.
Até agora, porém, não há nenhum movimento nesse sentido. E as medidas exigem pressa.
Abrolhos
A chegada da onda de lama a Regência deixa em alerta ambientalistas. Com a contaminação da foz do Rio Doce, há riscos dos rejeitos arrasarem um dos mais importantes ecossistemas do Brasil, os recifes de corais de Abrolhos.
Matéria publicada no jornal O Globo nessa segunda-feira (16) alerta que há mais de 500 espécies na área, como jubartes, dourados, meros e raias mantas. A foz do rio é entrada para o banco de Abrolhos.
“É ali o limite norte no Brasil das toninhas, golfinho mais ameaçado do país. A região, considerada pelo governo federal área prioritária de conservação, também é ponto estratégico para sobrevivência de botos-cinza. O local é ainda o único ponto no Atlântico Sul ocidental com concentração de desovas de tartaruga-de-couro, espécie mais ameaçada de extinção no Brasil; e 2º maior ponto de concentração de desova de tartaruga cabeçuda, assistidas por uma importante unidade do Tamar em Regência”, diz a matéria.
As informação indicam, ainda, o temor de, com a passagem fechada, a lama fique retida no estuário, zona de reprodução de espécies e cuja capacidade de absorção é muito menor que a do oceano.
Deserto de lama
Um dia antes, especialistas já definiam, na Folha de S. Paulo, a tragédia de Mariana (MG) como o maior desastre ambiental provocado pela indústria da mineração. A quantidade de rejeitos despejados em mais de 500 quilômetros da Bacia do Rio Doce, a quinta maior do país, equivale a 24 mil piscinas olímpicas, como aponta o jornal.
Em entrevista à Folha, Maurício Ehrlich, professor de geotecnia da Coppe –UFRJ (centro de pesquisa em engenharia da federal do Rio), afirmou que esse resíduo de mineração é infértil porque não tem matéria orgânica. “Nada nasce ali”. Segundo ele, é um “material mole, que não oferece resistência. Vai virar um deserto de lama, que demorará dezenas de anos para secar”. Já a reconstituição do solo, diz, “pode durar até centenas de anos, que é a escala geológica para a formação de um novo solo”.
O presidente do Comitê de Bacia do Rio das Velhas e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Marcus Vinicius Polignano, ressalta na matéria que um dos mais graves efeitos do despejo de rejeitos nas águas é o assoreamento de rios e riachos, que ficam mais rasos e têm seus cursos alterados pelo acúmulo de sedimentos. “É algo irreversível. Fala-se em remediação, mas, no caso da lama nos rios, não existe isso”.
Ele disse ainda à Folha, que enquanto está em suspensão, a lama impede a entrada de luz solar e oxigenação da água, além de alterar seu PH, o que sufoca peixes e outros animais aquáticos. Além disso, a força da lama, segundo Polignano, arrastou a mata ciliar, que tem função ecológica de proteger o rio.
Já o biólogo e pesquisador André Ruschi, diretor da Estação de Biologia Marinha Augusto Ruschi, em Santa Cruz (norte do Espírito Santo), declarou ao jornal que “há espécies animais e vegetais ali que podemos considerar extintas a partir de hoje”.