Oito poços artesianos furados e apenas três funcionando. Conta paga pela prefeitura: cerca de R$ 1 milhão. Plano de Saneamento Básico que há dois anos não sai do papel, já precisando até de atualização. Ponto de captação de água para tratamento que já devia ter sido substituído. Sucateamento do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae). Essas são algumas das causas para a caótica situação do abastecimento de água da população de São Mateus, no norte do Estado.
Um mar de omissão escorrendo pelas torneiras. Não é água salobra, isso foi em 2011, como um aviso. É água salgada. Um absurdo, que começou no ano passado e dura, desta vez, cerca de dois meses.
Entre as denúncias que protocolou no Ministério Público Estadual (MPES) na última sexta-feira (1º), apontando improbidade do prefeito Amadeu Boroto (PSB), o vereador Eneias Zanelato (PT) exige ressarcimento aos cofres públicos do dinheiro gasto com a perfuração dos poços que não funcionaram devido à falta de estudos que indicassem o melhor local. E também que a prefeitura custeie o abastecimento de escolas, creches e unidades de saúde com água potável por meio de carros-pipa.
A região atravessa uma das piores crises hídricas de sua história e o descaso com as florestas e os mananciais é brutal há pelo menos 50 anos. A chegada das monoculturas de eucalipto foi o agravante fatal e isso tudo já vem sendo alertado há décadas pelos ambientalistas, sendo Augusto Ruschi, o Patrono da Ecologia do Brasil, um dos maiores denunciadores dessa tragédia anunciada.
Como nada foi feito, historicamente, um dos municípios com o maior aquífero do norte do Estado sofre com um rio que, de tão exausto, deixa entrar o mar em sua embocadura até uma altura tamanha que alcança o ponto de captação de água do Saae. Impossível retirar todo o sal, que acaba salgando a vida da população, obrigada a pagar por água mineral e integrar à sua rotina as idas periódicas às bicas da região, com galões e galões de esperança e revolta. E quem não tem força e saúde para carregar esse peso da irresponsabilidade administrativa e falta de consciência geral? E as escolas e unidades de saúde? O sentimento dos moradores é de humilhação.
Uma das poucas oposições ao prefeito, o vereador Zanelato também volta a cobrar a destinação dos R$ 240 milhões de royalties de petróleo acumulados nessas duas gestões seguidas. A prioridade é aplicar em obras de infraestrutura, o que teria atenuado consideravelmente o drama hídrico dos mateenses. A população tem feito muitos protestos contra a municipalidade. O próximo será em frente ao Fórum de Justiça e Ministério Público.
Os estudantes secundaristas e vários sindicatos estão juntos na luta, exigindo um Plano de Segurança Hídrica, que inclui ações de curto, médio e longo prazo, além de mais inteligência e efetividade nas ações emergenciais. “Uma grande preocupação é com a soluções individuais, pois as pessoas têm furado poços nos quintais, nos condomínios, nas empresas … tudo sem estudo, sem planejamento, é grande o risco de contaminação do lençol freático”, alerta Zanelato.
Outro ponto de destaque do solicitado Plano de Segurança Hídrica é a revitalização do Saae, que vem sendo sucateado há anos. “Falo com propriedade”, brada Fábio Giori, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente (Sindaema) e secretário nacional de Saneamento da Federação Nacional dos Urbanitários, que reúne os trabalhadores dos setores de energia, saneamento e gás.
No balneário de Guriri, assim como em outros bairros do município, a falta de água é antiga, lembra Giori. “Em Guriri não falta água só durante o verão, por conta do turismo. Falta água o ano inteiro, há anos”.
O presidente do Sindaema afirma que a prefeitura não repassa dinheiro para o Saae e o órgão está desorganizado. “É preciso organizar o Saae pra que ele possa receber recursos da União, é preciso investir em profissionais capacitados para a elaboração de projetos de captação de recursos”, reclama. “A privatização não vai resolver o problema e só vai aumentar o valor da conta, prejudicando ainda mais a população”.
Difícil, porém, esperar um posicionamento digno da diretoria do Serviço Autônomo de Água e Esgoto. Repercute na cidade as declarações irônicas feitas por um dos gestores da autarquia, em entrevista a uma rádio local. Sobre a situação dramática do município, teria dito não entender por que a população reclama da água salgada na torneira, se chega no fim de semana e vai tomar banho de mar.