Impedidos de trabalhar há um mês, pescadores protestaram e conversaram com população, com barcos ancorados
A procissão marítima, ponto alto da tradicional Festa de São Pedro, aconteceu este ano com ausência maciça dos barcos pesqueiros de Vitória. Impedidos de trabalhar há quase um mês, os pescadores artesanais da cidade saudaram ao seu santo padroeiro de forma diferente, manifestando sua luta e resistência com barcos ancorados e repletos de faixas e cartazes de protesto.
A procissão aconteceu na manhã deste domingo (2), como previsto na programação definida pela Prefeitura de Vitória, mas ao invés dos trabalhadores da pesca, foi feita, basicamente, por lanchas e jet-skis de empresários e esportistas da classe socioeconômica mais abastada da Capital.
O motivo da ausência foi mostrar à sociedade que o momento é menos de festejar e mais de lutar, reivindicando o direito de poder voltar a trabalhar e, assim, garantir o sustento da família e a dignidade da classe pesqueira – elo importante da economia do Estado e elemento fundamental da identidade cultural capixaba.
“Cadê o respeito?” “Pescador tem fome” “Pescador tem família” “Os pescadores não estão contentes, precisamos trabalhar!” “Respeitem os pescadores” “A pesca artesanal pede socorro” – foram os dizerem que deram o tom do protesto, que foi abraçado pela maioria dos pescadores, com a certeza das bênçãos do santo padroeiro.
Grupos de pescadores que assistiram a procissão dos empresários, chegaram a vaiar o prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) quando o gestor passava em frente aos píeres. Em outros momentos, dialogaram com a população na praia, estendendo as faixas e cartazes e explicando, no mapa elaborado junto com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), como é possível conciliar a pesca artesanal com a proteção de espécies ameaçadas que ocorrem na baía de Camburi, como tartarugas marinhas e golfinhos.
Nesta terça-feira (4), uma nova etapa da luta acontecerá no auditório da Prefeitura de Vitória, durante audiência pública organizada pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara de Vereadores, com objetivo de discutir os ajustes possíveis à legislação em vigor, inclusive a proposta de pesca assistida já apresentada anos atrás pelo Comitê Estadual de Gestão Compartilhada para o Desenvolvimento Sustentável da Pesca (Compesca).
A classe trabalhadora da pesca promete lotar o espaço e dialogar de igual para igual com representantes dos órgãos envolvidos diretamente no imbróglio criado há seis anos pela lei municipal 9077/2017, elaborada pelo vereador Luiz Emanuel e sancionada pelo então prefeito Luciano Rezende (Cidadania), sem qualquer diálogo com os pescadores, lançando na marginalidade a profissão secular. O novo prefeito, eleito em 2020, manteve o modus operadi repressor, por isso foi vaiado neste domingo.
O próprio autor, novamente parlamentar na atual legislatura, assina o convite para a audiência, ao lado do presidente da Comissão, Luiz Paulo Amorim (SDD), e os colegas Anderson Goggi (PP), Chico Hosken (Podemos) e Karla Coser (PT).
O dia do debate marcará exatos 28 dias desde que uma operação conjunta de fiscalização envolvendo a prefeitura, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Capitania dos Portos e as Polícias Federal e Ambiental, intensificou a repressão ao trabalho dos pescadores, fazendo com que todos se evadissem do mar, provocando falta de pescado nos mercados e do alimento em casa, além de contas sem pagar.
Uma solução socioeconômica se faz urgente para as famílias de pescadores, assim como uma discussão horizontal, honesta e profunda sobre a gestão socioambiental participativa e responsável da baía de Camburi, a exemplo do que está sendo construído em favor da criação da APA da Foz do Rio Doce, no norte do Estado. Que São Pedro continue abençoando os pescadores para que as soluções sejam encontradas de forma inteligente, justa e rápida entre todos os atores.