Mulheres quilombolas do Sapê do Norte fortalecem resistência e luta por território
Com foco na resistência e luta pela retomada de seus territórios ancestrais impactados pelas invasões e pela expansão do monocultivos da Suzano Papel e Celulose (ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria) e ainda de fazendas de cana-de-açúcar, mulheres das 36 comunidades quilombolas que integram a região do Sapê do Norte, que agrega os municípios de Conceição da Barra e São Mateus, no norte do Estado, debaterão o acesso às políticas públicas e a garantia de seus direitos no segundo Encontro das Mulheres Quilombolas do Sapê do Norte, no próximo dia 15 de março.
O evento será realizado na comunidade Dilô Barbosa, em São Mateus, e, como resultado das discussões, será produzido um documento com as principais reivindicações e propostas das mulheres quilombolas, para ser encaminhado às autoridades estaduais e federais, incluindo órgãos responsáveis pela regularização fundiária e promoção de políticas para comunidades tradicionais.
O Sapê do Norte enfrenta desafios históricos relacionados à degradação ambiental e esgotamento de recursos hídricos provocados pelos eucaliptais da Suzano, que adquiriu a antiga Aracruz Celulose, acusada de grilagem de terras desde quando se instalou na região, ainda na época da ditadura militar. Além da invasão das terras tradicionais, a liderança quilombola Flávia dos Santos, da comunidade de Angelim II, em Conceição da Barra, descreve a dificuldade de acesso a programas de financiamento e reconhecimento fundiário, fatores que impactam diretamente sua segurança alimentar, modo de vida e expressões culturais.
“A retomada territorial está no centro da discussão, porque precisamos ter a gestão das nossas terras para a gente produzir nossas práticas de agricultura tradicionais e culturas alimentares, que dependem de um meio ambiente diverso e saudável”, observa.

Apesar das políticas públicas voltadas à população quilombola serem anunciadas pelos governos estadual e federal, ela aponta que o acesso a essas iniciativas ainda é restrito e não tem sido acessado pela base dessas comunidades. “Você vê os programas e as propagandas, mas infelizmente, não conseguimos usufruir deles”, ressalta a liderança, que representa a Associação Quilombola de Produtores Orgânicos do Angelim II (Aquipoa).
Ela cita como exemplo a dificuldade de acesso ao Cadastro Ambiental Rural (CAR), documento essencial para a regularização fundiária, mas que tem sido um entrave para o acesso das comunidades quilombolas ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). “Não conseguimos porque todo o nosso território está sobreposto pela cultura do eucalipto. A Suzano fez o CAR dela em cima do nosso território”, denuncia.
A educação quilombola também será debatida no encontro. Atualmente, não há escolas quilombolas no Sapê do Norte, a única escola quilombola do Estado está localizada em Itapemirim, no sul do Estado. “Existem algumas escolas dentro das comunidades, mas que são adaptadas à educação do campo e não à modalidade da Educação Escolar Quilombola”, explica.
Outro tema central será a avaliação da atuação dos governos estadual e federal na garantia de direitos e na preservação cultural. “O poder público é responsável pela chegada desses empreendimentos, são os órgãos públicos que autorizam sem cumprir seu papel de consultar e informar as comunidades. Quando sabemos, já foi liberado. O que nos mata é essa rede capitalista, que quer tirar o povo quilombola do seu território e apagar a sua cultura”, reflete.
A partir do encontro, as mulheres pretendem reforçar a reivindicação ao poder público da necessidade de reconhecimento e demarcação das terras tradicionais. “O capital cresce a partir da destruição ambiental, e o povo quilombola vive e alimenta-se principalmente do meio ambiente. Toda a nossa sobrevivência, todos os nossos saberes e o nosso meio de subsistência, vêm da natureza”, explica. Ela alerta que a preservação da cultura está ameaçada pela pressão do mercado sobre os modos tradicionais de produção. “As raízes de São Mateus e Conceição da Barra são quilombolas, se não tem povo preto e quilombola, não tem cultura nem produção sustentável”, assevera.
O encontro também servirá para organizar a participação das mulheres quilombolas na Marcha das Mulheres Negras, que ocorrerá em outubro, em Brasília, resultado de um processo contínuo de mobilização. “Nos últimos anos, temos realizado diversas retomadas no nosso território. Isso permite que o nosso povo continue aqui”, enfatiza.