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‘Sem demarcação não há ação efetiva de enfrentamento à crise climática’

Indígenas do Estado reforçam resistência no ATL 2025 contra Marco temporal

Indígenas do Espírito Santo denunciaram, em Brasília, a ameaça que a tese do Marco Temporal representa para os povos originários, inclusive em territórios já demarcados, durante a 21ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), a maior mobilização indígena do Brasil, realizada na semana passada na capital federal semana. Mais de 60 indígenas Tupinikim e 40 Guarani dos territórios indígenas localizados em Aracruz, no norte do Estado, compuseram a delegação capixaba, que também teve participação de uma representante do povo Pataxó da aldeia Jacó Pataxó, em Itaúnas, Conceição da Barra, território fundado em 1971 e reconhecido oficialmente em 2021, ainda em busca de demarcação.

A mobilização deste ano teve como lema “Apib []Articulação dos Povos Indígenas do Brasi] somos todos nós: pelo direito originário, pela Constituição e pela vida”, com foco na luta contra o Marco Temporal e na defesa dos direitos garantidos pela Constituição Federal, reunindo cerca de 7 mil lideranças de diferentes povos do Brasil e do mundo.

O Marco Temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem ocupando ou disputando na data da promulgação da Constituição de 1988. No Espírito Santo, coloca em risco terras demarcadas em 1998, 2002 e 2008 em Aracruz, homologadas e autodemarcadas após décadas de luta contra a atual Suzano (ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria).

Para as lideranças indígenas, essa tese viola os artigos 231 e 232 da Constituição, que reconhecem os direitos originários dos povos indígenas às suas terras tradicionais, independentemente da data de ocupação. “É uma grande violação. Se formos adotar um Marco Temporal, ele deveria ser o de 1500, quando os nossos territórios começaram a ser invadidos. O que nos faz ser indígenas não é o fenótipo, mas a forma como vivemos, como nos relacionamos com o território, com o ecossistema, com nossas tradições. Rever territórios com base em aparência é mais uma forma de racismo institucional”, criticou a dirigente da Associação Indígena Tupinikim e Guarani (AITG), do Espírito Santo, Bárbara Tupinikim.

Henrique Jr/Redes sociais

“Parte do nosso território é demarcado, mas o Marco Temporal coloca tudo em risco. Além disso, ele se articula com outros projetos que autorizam mineração, exploração de recursos e ataques aos nossos modos de vida. É uma ameaça total à nossa existência”, protesta.

Durante a semana de mobilizações, ocorreram duas grandes marchas. A primeira, na última terça-feira (8), teve como tema “Apib somos todos nós, em defesa da Constituição e da vida”. O ato foi uma resposta à mesa de conciliação aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo ministro Gilmar Mendes, criticada por não garantir paridade e representatividade indígena. “A Apib se retirou da mesa por entender que não é uma conciliação, é uma negociação de direitos — e nós não negociamos direitos”, argumentou. 

Por considerar que a mesa de conciliação representa uma negociação indevida de direitos constitucionais, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil decidiu se retirar, em agosto de 2024, e denunciar o ataque institucional aos direitos dos povos indígenas garantidos pela Constituição. 

A segunda marcha, realizada na quinta-feira (10), teve como tema “A resposta somos nós”, em alusão à campanha indígena nacional e internacional que relaciona diretamente a demarcação de terras à luta contra as mudanças climáticas. Estudos recentes indicam que 80% da biodiversidade global está em territórios indígenas, e que as florestas protegidas por esses povos são fundamentais para o equilíbrio climático, inclusive em lugares onde predomina o agronegócio, reitera Bárbara. “A proteção dos nossos territórios é a principal medida de contenção das mudanças e das crises do clima. Sem demarcação não há ação efetiva de enfrentamento à crise climática”, defende.

Apesar do caráter pacífico da mobilização, o ATL foi marcado por um ato de violência policial durante a segunda marcha. Um trecho da delegação indígena se aproximou do Congresso Nacional, quando a polícia legislativa lançou bombas de gás sobre os manifestantes, atingindo anciãos, crianças e até a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), que sofreu ferimentos na mão e nos olhos. Mesmo sendo conhecida como parlamentar e presidente da Comissão de Mulheres na Câmara, ela teve o socorro negado até apresentar sua credencial.

“Temos provas de que foi premeditado. Houve uma reunião com a polícia e a organização do ATL, e vazou um áudio em que um agente diz, com o microfone ligado por engano, que se fizerem bagunça ‘a gente mete o cacete’. Isso mostra o racismo institucional que enfrentamos. Não importa o espaço que ocupamos. Foram mais de 200 anos para eleger uma mulher indígena deputada, e ainda assim ela é atacada e impedida de ser socorrida. E isso não é nem perto do que acontece em nossos territórios, violências, suicídios, estupros, queimadas por intolerância religiosa”, pontuou.

A principal mensagem deixada pelo ATL 2025 é que, sem demarcação não há garantia de direitos básicos, nem proteção ambiental: “O Marco Temporal é inconstitucional, e a mesa de conciliação proposta pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, não tem paridade nem representação adequada dos povos indígenas”, reforça. Para ela, a mobilização deste ano alerta que não há como conter as mudanças climáticas sem proteger os territórios indígenas, pois são justamente os territórios indígenas demarcados que ainda estão “segurando o céu”, como diz o líder Davi Kopenawa Yanomami.

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