Nas páginas 95 a 103 do processo, consta um parecer do titular da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), Aladim Cerqueira, em que ele contrapõe o posicionamento técnico dos analistas do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), uma atitude apontada como ilegal e que deixa claro sua tentativa de interferência política sobre o licenciamento ambiental em curso.
Em seus pareceres, os técnicos do Iema apontam a existência de nascentes e cursos d'água na área pretendida para a construção do Hospital, caracterizando uma Área de Preservação Permanente (APP), portanto, inapta para a obra. Essa avaliação técnica consta no Plano de Controle Ambiental (PCA) elaborado pela Urbiplan, empresa contratada para tal e que insere, no documento, a condicionante 11, de recuperação da APP em questão.
Para o secretário, no entanto, é válido um laudo emitido pelo Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf) e de um professor independente, Antônio Sérgio Mendonça, que concluíram pela inexistência de APP.
Em seu despacho, Aladim afirma: “Essa é também a nossa conclusão. Resta apenas a dúvida sobre a citação no PCA de coleta de água em curso d'´água nos pontos A1 e A2, que conforme postado em imagem georreferenciada, estariam sendo retiradas de um corpo hídrico na área do hospital. Porém, o PCA não traz maiores informações sobre a data da coleta, nem da característica desses corpos hídricos. Assim, para esclarecimento efetivo e saneamento definitivo das dúvidas no processo sobre a existência ou não de curso d'água, sugerimos oficiar a empresa que elaborou o PCA sobre as coletas acima informadas, que contradizem em princípio as nossas observações e conclusões, bem como os pareceres do Idaf e do Professor Antônio Sérgio”.
Diretor técnico também ignora seu próprio corpo técnico
No dia cinco de outubro de 2016, dois dias após a emissão do parecer do titular da Seama, o então diretor técnico do próprio Iema, Albertone Sant´Ana Pereira, encaminhou um despacho à Gerência de Controle Ambiental (GCA), em que também faz referência ao laudo do Idaf citado por Aladim, para dizer que “percebe-se claramente a ausência de vocação à preservação apresentada pelo terreno e pelos elementos ambientais nele dispostos”.
Albertone se utiliza, em seguida, de argumentos extra-ambientais para sustentar sua decisão: “Cabe ressaltar a contribuição social que trará o HGC, que contará com 280 leitos censáveis e outros 120 não censáveis, além de UTI, centro cirúrgico e obstetrício, enfermaria entre outros serviços a serem ofertados a uma população carente de serviços públicos de saúde de qualidade. Entendo que esse conjunto de fatos embasou o posicionamento favorável à emissão da Licença, expresso pela Diretora Presidente deste Iema disponível à fl 94 (verso), ao qual, (por esses motivos) comungo por meio do presente despacho”.
E finaliza afirmando ser “desnecessária a aplicação da condicionante 11 [do PCA], que trata de compensação por intervenção em APP”.
Parecer de Aladim é ilegal
A emissão de um parecer por parte do secretário é apontada como ilegal. “Não cabe ao secretário se manifestar em processos que tratam de concessão de licença, não importando se o solicitante é o poder público ou particular”, explica Amarildo. “E o que mais nos assusta é que o Aladim é servidor de carreira, conhece a legislação”, destaca.
O diretor jurídico do Sindipúblicos esclarece que, quando o requerente no licenciamento, nesse caso o governo do Estado, não fica satisfeito ou não concorda com o parecer técnico do Iema, ele deve entrar com recursos dentro do Iema, nos termos da lei, e não intervir diretamente via o secretário estadual, de forma ilegal e autoritária, como aconteceu.
Amarildo salienta que esse é mais um exemplo dos perigos de ataque à legislação e ao interesse público que podem advir da transformação do Iema, que hoje é uma autarquia independente, em duas subsecretarias da Seama. “Vai haver interferência política direta nos procedimentos administrativos”, alerta o sindicalista, anunciando que o MPES deve investigar quem “deu causa” a essa situação protagonizada pelo secretário. “Esse caso não começa nem termina aqui”, diz.
População pediu hospital em outra área
Além da fragilidade ambiental, a área pretendida pelo governador Paulo Hartung – e pelo prefeito Juninho (PPS), de Cariacica, reeleito em 2016 – não é a preferida pela população, que apontou como mais indicada, devido ao acesso de ônibus a partir de vários pontos da cidade, o terreno da antiga fábrica têxtil Braspérola, às margens da BR-262, próximo ao limite com o município de Viana.
Em matéria publicada no dia 25 de junho de 2015 neste Século Diário, o coordenador da Federação das Associações de Moradores e Movimentos Populares do Espírito Santo (Famopes), Dauri Correia da Silva, disse ainda que uma segunda opção, elencada pela população local, seria na Fazenda Gaburros, já desapropriada.
A área cobiçada pelo governador e o prefeito, no entanto, já sofre especulação imobiliária e as grandes empresas do setor têm grande interesse nos investimentos públicos em estradas na região, que seriam realizados com a vinda do Hospital, cujas obras têm previsão de término para 2019.