E assim caminha a devastação da natureza no Espírito Santo: pareceres técnicos do órgão ambiental estadual licenciador, sendo questionados por conselheiros representantes do setor produtivo e com boas chances de aprovação pelos demais membros do seu respectivo Conselho Regional de Meio Ambiente (Conrema).
Neste caso, trata-se de dois autos de multas, que totalizam R$ 2,52 milhões (a serem corrigidos e atualizados), emitidos pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) contra a Samarco, por contaminação atmosférica e marinha em Anchieta, que compromete “a flora, recursos atmosféricos, hídricos e meio antrópicos da região”.
Os recursos apresentados pela Samarco receberam pareceres técnicos contrários por parte do Iema e por parte da Câmara Técnica Recursal e de Assuntos Jurídicos do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) – pareceres 096 e 097/2015 –, mantendo a integralidade das multas. Esses pareceres técnicos, no entanto, só foram pautados para apreciação pelo Conrema IV em março de 2017, quando o representante do Sindirochas, suplente na cadeira do setor produtivo, pediu vistas.
“Reduzir ao máximo”
Em seu parecer, Rubens Puppin alega “muito embora tenham ocorrido as irregularidades aqui apontadas e que já foram sanadas, é mister observar que a Samarco vem propiciando inúmeros benefícios não só ao estado, mas especialmente ao município de Anchieta, onde ocorre um grande desenvolvimento urbano, permitindo não só pela expansão da cidade, como a melhoria da qualidade de vida da população, além de gerar empregos diretos e indiretos e benefícios fiscais inerentes”. Concluindo que, “por todo o exposto, sugerimos a manutenção do auto de multa, porém, com proposta de redução do valor da multa aplicada na maior percentagem possível, a ser votada pelos conselheiros do Conrema IV”, o que pode chegar a 90% do valor original.
O parecer do conselheiro será apreciado na próxima terça-feira (18), no auditório do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf) em Mimoso do Sul, a partir das 9h00.
Parque Paulo Vinha
A representante das entidades ambientalistas da sociedade civil no Conselho, OSCIP Sinhá Laurinha, levará uma proposta de aplicação do valor das multas em melhorias no Parque Estadual Paulo Cesar Vinha, em Guarapari, cujo Centro de Vivência está interditado há um mês e cujas demais estruturas de atendimento ao público, bem como as administrativas, carecem de reparos e investimentos.
A conversão de multas é um procedimento relativamente comum no Espírito Santo, havendo diversos bons exemplos, sugeridos ora pela sociedade civil, ora pelo próprio Estado, sendo o mais recente o financiamento, pela Vale, de um sistema de informação, permitindo que os requerimentos de licenciamento ambiental possam ser feitos eletronicamente.
Ricardo Miranda Braga, coordenador de meio ambiente da Sinhá Laurinha, lembra que há cerca de seis anos, uma multa de R$ 800 mil, também contra a Samarco, foi convertida na elaboração de um programa de Educação Ambiental do Governo estadual e que o Plano de Bacias Hidrográficas do Rio Benevente foi feito, em parte, através de conversão de multas. “Na reunião do dia 18, podemos chegar à conclusão que esse valor pode ser dividido com outras unidades de conservação da região”, antecipa o coordenador.
Conremas estão enfraquecidos
O representante da Associação Nacional dos Amigos do Meio Ambiente (Anama) no Consema, José Marques Porto, alerta ainda que o Conselho Estadual ainda não realizou nenhuma reunião este ano, havendo um direcionamento das questões mais polêmicas e de maior valor monetário, para os Conselhos Regionais, onde “a sociedade civil está com representatividade mais fraca”. Enquanto no estadual, as ongs e outras entidades com forte atuação ambientalista ocupam oito cadeiras, nos regionais, em geral, elas detêm apenas uma cadeira.
Um dos exemplos mais emblemáticos foi o licenciamento da Jurong, em Aracruz, quando os técnicos do Iema emitiram parecer contrário ao licenciamento, mas a presidência do órgão enviou parecer favorável diretamente ao Conrema, sem passar pela análise da Câmara Técnica de Grandes Empreendimentos do Consema. “Como se a Jurong tivesse apenas impacto local!”, admira-se José Marques. O resultado foi a geração de incríveis 99 condicionantes, “que não estão sendo cumpridas e a obra até hoje sem ser concluída”, protesta o conselheiro.
Ricardo Braga espera que a proposta de conversão de multas, e não redução, como solicitado pelo Sindirochas, seja aprovada na próxima reunião do Conrema IV. Caso contrário, “será uma ofensa à sociedade”.