Mais uma vez este ano. Quantas já foram? A contabilidade exata somente as empresas contratantes e contratadas – Aracruz Celulose (Fibria), Suzano, Apal e Aeroverde – e o Ministério da Agricultura detêm. Em cada comunidade, o que se consegue saber é o que acontece por cima de suas casas e lavouras e nas vizinhanças, por meio dos relatos pessoais e nas redes sociais.
Mas vamos ao caso do dia, ou, desses dias: pelo menos desde o último dia 17, os sobrevoos com agrotóxicos estão acontecendo sobre a zona rural de São Mateus e Conceição da Barra, em pontos diversos do Território Quilombola do Sapê do Norte, incluindo a área oficial e a zona de amortecimento do Parque Estadual de Itaúnas.
Em Nova Vista, no noroeste de São Mateus, já próximo a Boa Esperança, moradores relatam os voos rasantes da aeronave amarelo ouro, a chuva de venenos caindo do céu, o cheiro e o barulho aterrorizantes que invadem o interior das casas, onde os moradores e visitantes, num primeiro momento, sentem dores de cabeça e, em seguida – pelos dias seguintes – coriza, náuseas, tonteiras.
Nesses períodos pós sobrevoos, muitas crianças faltam às aulas e, quando a escola pergunta o motivo, a resposta é gripe ou alergia.
Na comunidade de São Jorge, os ataques começaram há cerca de três meses. Em Nova Vista, um pouco mais recente.
Os moradores contam que a aeronave não bate o veneno em cima das comunidades, mas nas proximidades, cerca de 100 metros. O vento, porém, sopra o líquido pra dentro das casas. “Passam muito perto, dá pra ler o que está escrito no avião”, explicam. “Tá todo mundo respirando esse veneno. É uma falta de respeito!”, protestam. Nas lavouras, os efeitos colaterais também são visíveis, amarelando as plantações de café e de pimenta-do-reino.
Relato semelhante vem do Angelim, por meio do senhor João Ramos, popular Juca, presidente da Associação de Pequenos Agricultores Sustentáveis de Angelim 1 (Apasa), uma área de retomada anexa à tradicional comunidade do Angelim.
A visão de Juca alcançou a pulverização aérea atingindo o Rio Angelim e os plantios de pimenta, feijão e abacaxi, que também amarelaram logo após. Até uma moto, estacionada no quintal de uma casa, teve a lateria amarelada pelos agrotóxicos que contaminam o ar. Há poucos meses, o presidente da Apasa conta que porcos morreram envenenados, segundo a percepção dos moradores.
Tentativas de denunciar esses abusos no Ministério Público já foram feitas por várias comunidades, todas rejeitadas. Os quilombolas entendem esse ataque aéreo com agrotóxicos como a forma atual de intimidação das comunidades quilombolas.
No passado, as ameaças eram feitas muitas vezes por pessoas da própria região, que atiravam com armas de fogo próximo às casas das pessoas, que ficavam com medo e acabavam vendendo suas terras a preços muito baratos. Hoje é o veneno, o cerco com os eucaliptais, que continuam avançando sobre o território quilombola, secando nascentes, córregos e rios e isolando moradores em meio ao deserto verde.