Campanha Nem Um Poço a Mais e Vigilantes da Foz do Rio Doce organizam ato contra vazamento de óleo pela Imetame
A exploração dos chamados campos maduros de petróleo, como a exercida pela Imetame Energia no norte do Espírito Santo, é uma antítese do combate à crise climática mundial. Via de regra exercida por empresas com pouca ou nenhuma experiência prévia com extração do “ouro negro”, a atividade traz mais riscos socioambientais do que a exploração de poços produtivos, exigindo, ainda, a concessão de generosos subsídios estatais e baixo investimento técnico e humano.
O alerta vem da Campanha Nem Um Poço a Mais, que congrega dezenas de coletivos, organizações e entidades, desde 2017, na promoção de ações de sensibilização e esclarecimento sobre soluções e saídas para os problemas estruturais da chamada “civilização petroleira”.
“Um setor como esse [exploração de poços maduros como da Imetame] é o pior cenário da civilização petroleira. Deveriam ser fechados e suas ‘piscinas tóxicas’ [reservatórios de resíduos retirados da perfuração] realocadas em lugar mais seguro”, ataca o sociólogo Marcelo Calazans, coordenador regional da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), uma das ONGs integrantes da campanha.
Protesto
A Campanha participa, na tarde desta sexta-feira (18), de um protesto contra o vazamento de óleo ocorrido na última terça-feira (15) nos poços maduros da Base de Lagoa Parda, na comunidade de Areal, em Linhares, de propriedade da Imetame Energia. O ato é organizado pelo coletivo de Mulheres Vigilantes da Foz do Rio Doce.
“Voltamos a 2015, quando ficamos esperando a lama chegar? Não queremos ficar no sofá esperando o óleo chegar também”, suplica Ana Ayres Burnier, uma das organizadoras das Vigilantes da Foz. “O óleo é mais tóxico que a lama. Enquanto tiver na superfície, fica mais fácil de tirar. Se ele descer pro fundo, já era”, lamenta.
Criado em abril passado, o coletivo trabalha em parceria com a entidade internacional Parley for The Oceans. Até agora, pelo “lixômetro” fixado no perfil do Instagram das Vigilantes, já foram recolhidas 2.268 kg de lixo nas praias de Regência, Comboios e Povoação, na foz do Rio Doce. “Nosso objetivo é limpar o rio e o mar”, afirma.
Histórico de vazamentos
Marcelo Calazans chama atenção para o fato de que, ao privatizar seus poços maduros, a Petrobras “se livrou do mega passivo social e ambiental que deixou na região”, mas, “claro, esse passivo não foi ‘comprado’ pela Imetame. Restou como externalidade”.
A atividade de extração de petróleo, lembra Marcelo, teve início da região na década de 1980, tendo sido precedida pelas pesquisas sísmicas feitas nos anos 1970, “na base da dinamite, abrindo crateras de seis metros de profundidade, ao longo de mais de 80 km da costa”.
Depois de quase 40 anos de atividade, os poços agora maduros estão em áreas de preservação permanente, em comunidades de pesca artesanal e campesinato, e também dentro de comunidades quilombolas. “Em todas essas regiões, há dezenas de famílias com suas histórias destruídas por esses poços e muitos relatos de vazamentos, a grande maioria sem registro oficial”.
O sociólogo destaca ainda que, “como a Imetame, a maior parte das empresas que operam nesse submercado da produção nacional não tem expertise no setor, nem capital para o operar com tecnologia mais moderna e segura. Sem contar que se trata de um óleo residual, em geral mais pesado e de mais caro e poluente refino”, expõe o coordenador-geral, alinhado com as críticas feitas pelo Sindicato dos Petroleiros (Sindipetro/ES) em vistoria ao local do vazamento nessa quarta-feira (16).
Subsídios fiscais
Esses poços maduros, acrescenta Marcelo, são também menos produtivos e, portanto, potencialmente menos lucrativos. Para serem rentáveis, pondera, necessitam “muito apoio e incentivos fiscais do Estado, além de baixo investimento em tecnologia e mão de obra, bem como baixa fiscalização e valor das multas, sem nada de reparação”.
A atividade está “na contramão de seus discursos [de governos e empresas] sobre mudanças climáticas”, sublinha Marcelo Calazans. Ainda assim são grandes receptoras de benefícios fiscais. “Os governos federal e estadual têm incentivado a expansão da indústria petroleira, como os investimentos do Bandes [Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo] no Porto Central, em Presidente Kennedy, e os 40 milhões na Imetame, via Bandes [Banco de Desenvolvimento do Estado] e Banestes [Banco do Espírito Santo]”.
Explosão em 1983
O vazamento desta semana não é o primeiro sofrido pela comunidade de Areal. Em 1983, houve uma grande explosão que ainda hoje é lembrada com detalhes pelos moradores mais antigos.
Em vídeo registrado pela campanha, eles narram que o som foi ouvido a mais de 10 km do local. As “pelotas de óleo em chama” teriam sido lançadas a uma distância de 300 a 500 metros. “As famílias da comunidade de Areal foram deslocadas para Povoação e Bebedouro, por 18 dias”, conta Marcelo Calazans.
“Na Fazenda Entre-Rios, temos entrevistas com ribeirinhos que perderam suas terras contaminadas pela Petrobras. Relatam em detalhes vários vazamentos ao longo dos anos 1990 e 2000, o último em 2017, em um duto”, complementa.
Piscinas tóxicas
Hoje, resume o ativista, várias comunidades tradicionais localizadas em Linhares, São Mateus e Conceição da Barra convivem com essas estruturas arcaicas da já ultrapassada civilização petroleira. E, “ao lado de cada poço maduro tem uma ‘piscina de água de formação’, com tudo que saiu na perfuração dos poços. Uma coluna de mais de dois quilômetros para dentro da terra, com óleo, areia, metais pesados, material radioativo, lubrificantes de broca…materiais altamente tóxicos e cancerígenos”, descreve.
Essas piscinas, sublinha, “representam ainda grande risco, principalmente nos períodos de cheia do Rio Doce. As dezenas de dutos que ligam os cavalinhos de extração à unidade de armazenamento e primeiro refino são muito velhos, como se constata em qualquer visita”.