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Sustentabilidade para quem?

Quando os governos adotam ponto de vista das grandes corporações, debate sobre crise climática se limita ao balcão de negócios

A panfletagem realizada nesta segunda-feira (26) no evento Sustentabilidade Capixaba, na Praça do Papa, em Vitória, mostrou que o movimento socioambientalista do Espírito Santo não está de todo anestesiado pelos contratos de patrocínio com governos e empresas poluidoras.

Com cartazes artesanais em mãos, um grupo de manifestantes integrantes da Campanha Nem Um Poço a Mais abordou as autoridades presentes, questionando incoerências que rondam a escolha de discutir soluções para a crise climática com os políticos e empresas que mais invadem territórios indígenas e outros povos tradicionais, lançam gases de efeito estufa e protagonizam crimes ambientais de magnitude assombrosa.

“Sustentabilidade para quem?”; “Basta de petróleo na moqueca capixaba”; “Porto Central não”; “Basta de petrodependência”; e “Justiça social aos povos das águas atingidos por portos” foram alguns dos dizeres empunhados durante o primeiro painel do evento.

A atividade teve, entre os palestrantes, o governador do Mato Grosso do Sul, Eduardo Reidel (PSDB-MS), listado como um dos principais invasores de terras indígenas pelo dossiê “Os Invasores – Parte II – Os Políticos”, publicado pelo De Olho nos Ruralistas – Observatório do agronegócio no Brasil. Outros algozes do clima presentes no evento são três dos seis patrocinadores: ArcelorMittal Tubarão, Suzano (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose) e Vale.

Campanha Nem Um Poço a Mais

Para a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), tais personalidades físicas e jurídicas constituem “os principais nomes nacionais da pauta ambiental” e o fato de se reunirem em Vitória “mostra o prestígio do Espírito Santo”.

O secretário, Felipe Rigoni (União), foi um dos interpelados pela Campanha sobre o Porto Central, megaempreendimento que recebeu a Licença de Instalação para ser construído em Presidente Kennedy, extremo sul do Estado.

Daniela Meireles, educadora da Federação dos Órgãos de Assistência Social e Educacional (Fase), uma das entidades que integram a Campanha, conta que a primeira reação do gestor da Seama foi dizer que os questionamentos sobre o Porto Central deviam ser feitos ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que é o órgão licenciador, mas quando foi questionado sobre o apoio político do governo do Estado ao negócio, a resposta foi algo como “Mas qual é o problema do Porto Central? O Espírito Santo precisa dele”.

Campanha Nem Um Poço a Mais

A educadora conta que as incoerências deram a tônica do evento, dominado por homens engravatados representando empresas e governos que tratam de alguma sustentabilidade própria, bem diferente da que deveria atender às necessidades dos povos e populações afetadas por suas ações.

“Somente alguns estandes com iniciativas de economia solidária e algumas ONGs, mas a maioria patrocinada pelas empresas ou pelo governo”, pontua. “Um ambiente muito masculino”, sublinha, apontando a falta da diversidade cultural e social necessária à real construção de soluções democráticas efetivas para a justiça climática. “Um grande balcão de negócios, chamados ‘verdes’, mas somente isso, um balcão de negócios”.

Plano de Descarbonização

Até esta quarta-feira (28), quando o evento se encerra, um dos assuntos previstos será o Plano de Descarbonização do Espírito Santo, aprovado no último dia 20 pelo Fórum Capixaba de Mudanças Climáticas. “O Plano de Descarbonização contempla medidas como a análise de linhas de crédito diferenciado para projetos de descarbonização, a implementação de políticas de regulamentação e atração de investimentos; e o estímulo ao investimento público-privado em projetos que apoiem a transição para uma economia de baixo carbono. Além disso, o plano visa fomentar a redução de emissões, criando um potencial competitivo para as empresas locais”, afirma a Seama.

Campanha Nem Um Poço a Mais

O plano faz parte da estratégia do governador Renato Casagrand (PSB), presidente do Consórcio Brasil Verde, que reúne demais chefes de estado brasileiro para o cumprimento dos compromissos do Acordo de Paris e as campanhas “Race to Zero” (Corrida para o Zero) e “Race to Resilience” (Corrida para a Resiliência), da Organização das Nações Unidas (ONU). O plano capixaba diz que objetiva reduzir em 50% as emissões de gases de efeito estufa até 2030 e neutralizá-las em 100% até 2050.

O documento repete a composição mercadológica que produziu o evento, tendo, no chamado “Grupo de Sustentação”, além dos órgãos públicos, entidades representativas de grandes empresas, incluindo a Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes). À exceção da Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultoras e Agricultores Familiares do Espírito Santo (Fetaes), não conta com nenhuma entidade ou movimento socioambiental ligado a povos e comunidades tradicionais, os mais vulneráveis aos efeitos adversos da crise climática e detentores de conhecimentos tradicionais que têm sido celebrados – em fóruns científicos e não corporativos – como fundamentais para reverter a lógica capitalista e acumuladora que, há 200 anos, vem produzindo a catástrofe que agora o mundo não consegue mais negar.

Uma mudança de paradigma que se mostra cada dia mais urgente e precisa ser considerada em cada debate e decisão sobre escolhas tecnológicas e políticas públicas que envolvem o enfrentamento à crise climática. O carro elétrico é um exemplo, como bem explana o economista e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Arlindo Villaschi. 

“O carro elétrico pode ser a resposta certa – fonte de energia – para a pergunta errada – como manter o transporte individual e privativo. Acho que isso acaba adiando o necessário debate sobre como melhorar a mobilidade urbana assegurando saúde humana, relações sociais e sustentabilidade ambiental. Para tal, parece-me, a ordem de preferência deve ser: a pé, bicicleta, transporte coletivo, transporte individual público, transporte individual privado. Os investimentos governamentais e incentivos aos privados no Brasil, estados e municípios têm respondido a uma ordem inversa a essa graças aos lobbies das petrolíferas e da indústria automobilística”.

Ponderação semelhante deve ser feita diante das diretrizes que compõem o Plano de Descarbonização e outras planejamentos e planos de ação sobre o tema. Expandir ainda mais os monocultivos exóticos deve ser mesmo a prioridade na estratégia de sequestro de carbono, como vem fazendo o Espírito Santo, atendendo aos interesses da Suzano? A construção de mais portos para atender à indústria mineradora e petroleira é mesmo a melhor forma de produzir prosperidade nos territórios costeiros capixabas, já tão massacrados pela poluição por petróleo, rejeitos de minério e expulsão de pescadores artesanais de suas áreas tradicionais de trabalho? 

Os questionamentos realmente transformadores e sustentáveis são muitos, mas difícil encontrar os “donos da caneta” que tenham coragem e visão de futuro necessárias para adotá-los.

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