Movimentos sociais denunciam projeto de expansão do monocultivo, que fere a Lei Orgânica do município
Integrantes de movimentos sociais e ecologistas de Conceição da Barra, norte do Estado, foram pegos de surpresa nos últimos dias com o anúncio de uma audiência pública online do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo (Idaf) nesta quinta-feira (13) para discutir a expansão do plantio de eucalipto da Suzano (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose) nas fazendas São Joaquim da Água Preta e Dourada Una.
“O pacto federativo está sendo ultrajado”, diz Márcia Lederman, presidente da Sociedade de Amigos Por Itaúnas (Sapi) e conselheira municipal de Meio Ambiente. Isso porque o instituto, uma autarquia do governo estadual, está levando adiante um processo que fere a Lei Orgânica de Conceição da Barra, que aponta para a necessidade de redução do monocultivo de eucalipto e proíbe sua expansão no território do município. “A sociedade precisa tomar providências, o poder público municipal não pode admitir o Estado licenciar um plantio de eucalipto que vai contra princípios constitucionais e a deliberação do colegiado Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente”, diz uma carta na qual se manifestam conselheiros.
Um levantamento feito por eles aponta o histórico do processo de tentativa da atual Suzano, que vem desde 2015, quando a empresa comprou a fazenda São Joaquim para plantio de eucalipto. O pedido para realizar expansão da atividade de silvicultura foi negado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente em abril de 2016, após deliberação do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente. No mesmo ano, porém, o então prefeito Jorge Donatti contrariou os estudos técnicos e emitiu Certidão de Anuência para o plantio no local. No anos seguintes, entre indas e vindas, o Ministério Público Estadual e a Procuradoria Geral Municipal emitiram pareceres pela revogação da permissão, mas a empresa recorreu e entrou com mandado de segurança para dar andamento ao processo de licenciamento ambiental.
Uma reunião pública da Câmara de Vereadores no Distrito de Braço do Rio sobre a ampliação da silvicultura no município parecia selar a detenção do processo de expansão do eucalipto, já que a sociedade civil organizada compareceu e se manifestou massivamente contra qualquer ampliação do tipo.
Agora, assusta as entidades da sociedade civil o fato de a audiência pública desta semana não ter sido divulgada com maior antecedência, já que nela será debatido o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da empresa Suzano, para ser analisado e discutido com os participantes da audiência, sendo que há dois dias da reunião, muitos ainda não tiveram acesso ao documento e outros dificilmente terão condições de acesso devido à necessidade de boa conexão de internet, algo mais difícil nas comunidades rurais.
Impactos sociais e ambientais
O entorno da região em que a Suzano quer ampliar o monocultivo possui assentamentos rurais, comunidades quilombolas e áreas de proteção como o Parque Estadual de Itaúnas, a Floresta Nacional de Rio Preto e a Reserva Biológica de Córrego Grande, esta última no entorno imediato, com impacto direto do empreendimento da empresa. Para se ter uma ideia, a área das fazendas pretendida para licenciamento para plantio de eucalipto pode passar de 6 mil hectares, sendo que a maior destas zonas de preservação, o Parque Estadual de Itaúnas, possui 3.481 hectares. Os conselheiros apontam que a expansão afetará especialmente a reserva de Córrego Grande, aumentando ainda mais o isolamento dessa área de Mata Atlântica.
Adelso Rocha Lima, membro da direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e morador do Assentamento Valdício Barbosa, também próximo à região, aponta que os documentos anteriores elaborados pela empresa apontam impacto apenas para as áreas de reserva, ignorando a existência de populações no entorno, como é o caso do Assentamento Paulo César Vinha e da comunidade de Água Preta, que está ao lado da área pretendida para plantio.
Ele aponta o risco desta comunidade desaparecer do mapa, como é o caso de outra do entorno, Nova Canaã, que ficou cercada de eucaliptos e foi esvaziada, restando apenas ruínas das antigas construções entre os eucaliptais.
Uma carta das comunidades atingidas denuncia o modelo excludente e concentrador de renda do monocultivo de eucalipto, que domina 62% da áreas agricultáveis de Conceição da Barra, segundo dados do Censo Agropecuário de 2017. De acordo com o mesmo levantamento, seriam 61 mil hectares de eucalipto plantados no município do extremo norte capixaba, com geração de apenas 71 empregos, o que corresponderia a um emprego a cada 860 hectares. Em contraposição, os cinco assentamentos de reforma agrária do município possuem 2,7 mil hectares ocupados por 240 famílias, numa média de uma pessoa ocupada a cada 5,6 hectares com a agricultura familiar.
A carta aponta que a audiência pública é um ritual que a empresa precisa cumprir juridicamente e não representa um real mecanismo para ouvir e acolher as demandas das comunidades impactadas. “A audiência pública será virtual, remota, mas os impactos são reais e sentidos de perto pela população, a partir da destruição do emprego e expulsão das famílias do campo, extinção de comunidades inteiras, além de impactos ambientais, socioeconômicos, entre outros”.
O MST articula com outros movimentos uma carta a ser divulgada e enviada às autoridades. Os movimentos sociais realizam nesta quarta-feira (12), pela manhã, uma reunião com o prefeito de Conceição da Barra, Mateusinho (PTB), e à tarde se encontram com vereadores do município para discutir a questão.