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Suzano ‘se desculpa’ por invadir território quilombola com maquinário de corte

Comunidade exige respeito à retomada quilombola. Empresa não garante evitar novos ataques, mas se diz ‘”aberta ao diálogo”

Aquipoa

“Desculpem-me, quilombolas, por invadir seu território numa sexta-feira à noite com dez máquinas de corte de eucalipto sem qualquer aviso prévio e destruir essa grande área nas margens do córrego Angelim, o único que ainda resiste após meio século de devastação ambiental e humana iniciada com a Aracruz Celulose e mantida por nós até hoje”.

A anedota/paródia acima ironiza a posição manifestada pela Suzano Papel e Celulose, maior corporação multinacional produtora de celulose do mundo, durante reunião realizada nessa segunda-feira (14) na presença de membros da comunidade do Angelim II, das Defensorias Públicas Estadual e da União (DPES e DPU), Ministério Público Federal (MPF/ES), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH).

O pedido de aproximação dos órgãos de Justiça e universidade foi feito pela comunidade do Angelim II, uma das mais de 30 comunidades dentro do Território Quilombola Tradicional do Sapê do Norte, localizado entre os municípios de Conceição da Barra e São Mateus, no norte do Estado.


O motivo foi o ataque sofrido pela comunidade com uma operação de corte de eucalipto iniciada na sexta-feira (11) à noite pela Suzano, de forma totalmente inesperada, levando medo e insegurança para os moradores, agressão semelhante à já noticiada em Século Diário há seis anos e tantos outros atos de violência já empenhados. Apenas no sábado pela manhã os populares conseguiram interromper a ação dos funcionários da Suzano e organizar sua proteção.
“Foi de surpresa, numa sexta à noite. Tiraram as nossas placas e entraram com as máquinas derrubando tudo. Um absurdo! A gente entende que foi estratégico, porque no final de semana a comunidade não teria acesso fácil aos órgãos públicos. Mas nossa advogada conseguiu acionar os órgãos. Daí eles retiraram as máquinas e deixaram o eucalipto cortado lá. A Defensoria conseguiu mediar uma reunião às 16h, na margem do Rio Angelim”, relata Flávia dos Santos, agricultora e secretária da Associação Quilombola de Produtores Orgânicos do Angelim II (Aquipoa).
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As placas a que Flávia se refere foram instaladas a partir de dezembro passado, como medida de proteção ao seu território mediante invasão de várias pessoas alheias à luta quilombola, contra as quais a Suzano já solicitou reintegração de posse. Placas com nome da comunidade e das famílias que iniciaram os quilombos, com os números de leis e artigos que reconhecem o território quilombola.

“Não tinha como não saber que não é território quilombola”, afirma Flávia, indignada com a alegação feita pelos representantes da Suzano, a gerente jurídica, Clara Muniz, e o advogado Wilson Muniz, de que a invasão das máquinas foi um equívoco, pois não sabiam se tratar de território quilombola, e de que os mapas não deixam clara a localização e outros argumentos do tipo.

“Além das placas, eles conhecem o nosso trabalho, as plantações, o reflorestamento, a recuperação das nascentes. Tem os estudos da Ufes, o processo no Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária]. Além disso, cortaram os eucaliptos na margem do córrego Angelim! Na margem do Angelim!”, conta a líder quilombola, comovida pela falta de respeito da papeleira com o único corpo d’ água que ainda corre dentro da comunidade, porém totalmente poluído e sem qualquer condição de uso, seja para consumo humano, animal, ou mesmo para irrigação. Há anos, os moradores do Angelim II são abastecidos com carros-pipa enviados pela prefeitura municipal, recorrendo também a uma nascente localizada a cinco quilômetros de distância. 

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Flávia conta ainda um acordo feito em janeiro deste ano com intermediação da Comissão Permanente de Conciliação e Acompanhamento de Conflitos Fundiários, vinculado à Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH), em que a empresa se comprometeu a não entrar no território quilombola sem permissão – compromisso descumprido violentamente nesse final de semana.

‘A terra é nossa’

“Ela não quer reconhecer a nossa retomada”, avalia Flávia, citando o movimento de Retomadas, iniciado em 2007 por diversas comunidades quilombolas, que decidiram demarcar e tomar posse do seu território, diante da morosidade dos órgãos federais em finalizar os processos de titularização.

“Eles queriam só começar a fazer o aviso prévio e iniciar o processo de corte. E nós, como comunidade, falamos que não, que eles teriam sim que fazer todo o processo de aviso prévio e sinalização, mas que o corte só vai iniciar quando tivermos garantia que após o corte não irão mais plantar dentro do nosso território e que, durante o corte, não irá afetar nenhuma plantação, nenhum trabalho que a comunidade já fez dentro do território retomado”, relata Flávia.
“Deixamos bem claro para Suzano que a terra é nossa, nós estamos com a retomada, e que a empresa antes de entrar no nosso território tinha, sim, que pedir licença porque nós estamos protegidos pela Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho]. Eles desconversaram e pediu pra gente fazer um mapa com ele. Nós negamos, porque já temos um mapa oficial feito pelo Incra”.
Diante da negativa dos advogados da Suzano em se comprometer em respeitar as condições da comunidade, Flávia conta que a procuradora da República, Carolina Augusta da Rocha Rosado, posicionou firmemente que a comunidade tem a posse da terra e que, se a empresa não respeitar esse direito, o MPF irá judicializar a questão.

“Foi quando eles deram uma acalmada e disseram que iriam participar da reunião do dia 23 [de junho] com o Incra”, conta, referindo-se a uma reunião em que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária irá apresentar novos mapas e dados sobre o processo de titularização das terras já reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares como pertencente aos quilombolas. “Eles disseram que estão ‘à disposição’ e ‘abertos ao diálogo'”, reproduz Flávia. “Diálogo estranho esse deles, que só acontece para fazer acordo quando beneficia só a eles”, critica.

Desertificação e resistência

“A Comunidade Angelim II está morrendo de sede porque secaram todos os córregos”, brada Flávia, reverberando um processo de desertificação que atinge todo o Sapê do Norte e que só não é mais intenso graças ao trabalho voluntário e determinado das lideranças quilombolas que resistem no território e precisam retomar suas fontes de água.

“Estamos sem acesso à internet porque os eucaliptos não deixam. Dentro do nosso território nunca aconteceu um único plantio de árvore nativa pela empresa. Apenas nós que fazemos esse trabalho e, do nada, eles caem para dentro para destruir o que estamos fazendo. Eles querem apagar nossas memórias, querem nos apagar daqui. Não querem ouvir os nomes dos nossos ancestrais, por isso, agora que estamos colocando os nomes, eles se sentem ameaçados. Mas nós vamos resistir”, afirma.

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