Papeleira, ONG e associação irão apoiar criação de planos do bioma em 30 municípios no ES, BA e SP
Quais as áreas mais cobiçadas pela Suzano (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose) para expansão dos monocultivos de eucalipto? Quais conflitos legais precisam ser dissolvidos nos municípios de maior interesse da empresa para que o deserto verde siga avançando sobre córregos, nascentes, macegas e comunidades tradicionais?
As perguntas foram levantadas durante o lançamento do Planos Municipais da Mata Atlântica (PMMAs), realizado nessa sexta-feira (12). A iniciativa é resultado de uma parceria entre a Suzano e a Fundação SOS Mata Atlântica e visa “acelerar a confecção dos Planos Municipais da Mata Atlântica (PMMAs) nos estados nos quais a Suzano tem operações fabris e florestais”, a partir da seleção de 30 cidades do Espírito Santo, Bahia e São Paulo.
“Resta-nos apenas 12,4% da cobertura original de Mata Atlântica. É preciso cuidar para que esse importante patrimônio seja conservado e o fortalecimento dos conselhos municipais de meio ambiente é um dos melhores caminhos para isso”, ressaltam os organizadores. Com o viés de protagonismo municipal, os planos devem ser elaborados e monitorados por ONGs locais a serem capacitadas pelo programa e devem ser aprovados nos conselhos municipais de meio ambiente.
No evento virtual de lançamento, o clima foi de um “reencontro de amigos”, como estabeleceu o advocacy da ONG, Mário Mantovani, ao suceder o presidente da Suzano, Walter Schalka, ocupante do cargo desde 2013. “Éramos jovens ativistas e hoje nos reencontramos, cada um em sua atividade”, disse Mantovani, cumprimentando o CEO. “Eu já fiz manifestações em frente a empresas de celulose e hoje temos um setor forte que cumpre todas as leis, tem as certificações”, destacou o ambientalista, ressaltando que, mais recentemente, a ONG fez “grandes experiências com a Veracel”.
A Fundação SOS Mata Atlântica, afirmou, “não é organização como as outras, tem empresários, comunicadores, ambientalistas” e entende que o momento atual exige não apenas “mitigação”, como no passado. “É restauração de uma floresta que só resta 13% da cobertura original”, salientou.
Indústria de árvores plantadas
Concluindo a abertura do evento, o ex-governador capixaba Paulo Hartung apresentou-se especialmente como presidente da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), entidade “responsável pela representação institucional da cadeia produtiva de árvores plantadas, do campo à indústria, junto a seus principais públicos de interesse”.
O setor, disse Paulo Hartung, “planta, colhe e replanta” árvores para fins industriais num território de nove milhões de hectares no Brasil, conservando, paralelamente, 5,9 milhões de hectares de florestas. “Produzimos produtos que são recicláveis e biodegradáveis, que podem substituir produtos fósseis”, exultou. “No momento em que o mundo discute o clima, é trazer os municípios pro protagonismo no clima. Começaremos com três dezenas, mas precisamos avançar”, declarou.
Dissolvendo conflitos jurídicos
Apresentando efetivamente o projeto de construção dos 30 planos municipais, a consultora da SOS Mata Atlântica, Sandra Steinmetz, salientou que a criação dos PMMAs consta no Decreto 6.660/2008, que regulamenta a Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428/2006) e que o projeto empreendido pela SOS, Suzano e Ibá visa, por meio da criação de 30 Planos, “fortalecer a governança dos municípios para a proteção da Mata Atlântica aliada ao desenvolvimento econômico e social”.
Entre os sete objetivos específicos, um deles está diretamente relacionado à missão da Ibá: “auxiliar na efetivação da Lei da Mata Atlântica e na segurança jurídica para atividades florestais nos municípios”, ou, como apresentou a consultora, “reduzindo conflitos que alguns municípios possuem para atividades florestais”.
Monocultura de árvores é floresta?
Sim, o termo atividades “florestais” é empregado seguidamente no projeto, o que suscinta outro questionamento: a ONG ambientalista considera que uma monocultura de árvores é digna da mesma denominação que formações tão biodiversas quanto a Mata Atlântica, um hotspot – classificação dada aos biomas mais ameaçados e ricos em biodiversidade do planeta – que abriga 145 milhões de pessoas no Brasil?
“A Suzano fez o PMMA de Conceição da Barra”, contou a consultora “e agora [serão] mais 30”. No município capixaba, ressaltou, o mapeamento de uso do solo foi muito detalhado, com indicação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) a serem reflorestadas para conexão entre unidades de conservação.
No reflorestamento de APPs, grande relevância tende a ser dada às matas ciliares, enfatizou Mário Mantovani ao responder a perguntas dos participantes online. “Fazer a mata ciliar é a grande motivação dos proprietários rurais. É a melhor forma de fazer essas conexões [entre fragmentos florestais]. O Brasil gasta dinheiro demais com maquinário pra desassorear rios. O rio é termômetro da sociedade: quando está cada vez mais raso, mostra com a gente usa mal o solo”, afirmou, com propriedade.
A SOS Mata Atlântica tem feito um trabalho fundamental de mapeamento do desmatamento sofrido pelo bioma nos últimos 35 anos, bem como diversas iniciativas importantes de educação ambiental, mobilização comunitária e sensibilização social para a temática. Natural e desejável que apoie um aspecto estratégico da Lei da Mata Atlântica, que é a criação dos Planos Municipais da Mata Atlântica.
Compreensível também, considerando o princípio do “poluidor-pagador”, tão caro ao Direito Ambiental, que o apoio financeiro para essa construção seja feito pela Suzano, uma das maiores devastadoras da Mata Atlântica capixaba, considerando o histórico de sua antecessora Aracruz Celulose.
No bioma que cobre 100% do ES e outros 16 estados brasileiros, 70% dos municípios são pequenos, contextualizou Sandra Steinmetz, tendo por isso equipes pequenas e escassez de técnicos para políticas públicas tão complexas como os PMMAs.
O problema está no direcionamento da ação, para favorecer a ampliação das atividades da papeleira, já que, historicamente, a empresa, em todas as suas denominações, pós fusões e incorporações, atua de forma agressiva contra comunidades tradicionais, cooptando lideranças sociais e políticas para tentar inviabilizar quaisquer outros usos mais sustentáveis do solo.
Além dos limites
Em Conceição da Barra, o plano foi aprovado em 2016 e de fato mobilizou a sociedade local, estabelecendo uma “limitação de 40% para a cultura do eucalipto e adequação e não plantio em áreas prioritárias para conservação e recuperação”. Isso, num momento em que a atividade já cobria 37,74%. “Estamos no limite da expansão da eucaliptocultura”, estabeleceu o documento.
Na avaliação dos cenários, o Plano evidenciou que na situação atual destaca-se “o uso do solo prioritário para monoculturas (eucalipto, cana e pasto)”, que o cenário tendencial é de “crescimento do plantio de eucalipto e redução de área de pasto e cana-de-açúcar” e que o cenário desejável é de “diversificação de culturas e ampliação de agricultura familiar, respeitando as áreas protegidas (APP e RL)”.
O mapeamento feito no âmbito do PMMA destacou ainda que, nos 1.185 km² do território barrense, as florestas em estágio médio e avançado de recuperação cobrem 21,45%; a cana-de-açúcar cobre 10,07%; e as pastagens, 9,22%.
Quatro anos depois, no entanto, em agosto passado, a empresa mais uma vez tentou expandir os plantios de eucalipto, para além dos 40% estabelecidos no PMMA que ela própria financiou.
Com todos os dados nas mãos e entrando amigavelmente nas instâncias decisórias dos pequenos e ambientalmente desestruturados municípios, haverá limite para a expansão do deserto verde na região de interesse da papeleira? A única forma de limitar essa tragédia socioambiental é aproveitar a empreitada movida pela empresa para de fato fortalecer a sociedade civil e as instituições ambientais e jurídicas, garantindo o cumprimento da legislação e dos princípios a serem estabelecidos nos futuros planos.