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‘Tem que ter um bom trabalho de divulgação e conscientização’

Sem política pública contra o consumo intenso de agrotóxicos, agricultores orgânicos recuam das feiras

Ellen Campanharo/Ales

O excessivo consumo de agrotóxicos no Brasil força uma espécie de normalização do envenenamento generalizado da população e do meio ambiente que demanda, de toda iniciativa individual ou coletivo no sentido contrário, um grande esforço para implementação e continuidade. Sem políticas públicas mínimas de suporte, a tarefa torna-se por vezes impossível para determinados setores em alguns momentos. É o que se vê nas feiras orgânicas do Espírito Santo atualmente, onde alguns agricultores estão recuando e passando a se dedicar a outras atividades.

“Por um lado, houve uma diminuição da frequência das feiras e, por outro, o custo de produção aumentou muito”, declara Adilsom Braum, produtor certificado de Santa Maria de Jetibá, na região serrana, que evadiu do seu ponto da Praça do Papa, em Vitória, onde comercializa morangos, tomates e verduras orgânicos.

Ele conta que as vendas reduziram de 30% a 40%, porque além de diminuir o número de clientes, os que permanecem reduziram suas compras. Sobre os custos, ele calcula que somente o preço da muda de morango triplicou desde quando começou na feira, em 2014. “A água também, mas não consigo passar esse custo para o consumidor. O lucro do produtor está ficando cada vez mais apertado”, afirma.

Há nove anos, lembra, o movimento era muito bom. “A gente não dava conta de atender a todos os clientes. Daí abriram mais feiras nos shoppings, a gente achou que iria aumentar as vendas com isso, mas logo começou a diminuir, porque os clientes foram diluindo as compras em várias feiras. Ano passado fui para o Shopping Vitória por um tempo, mas juntando as duas, não dava davam o que só a Praça do Papa dava no começo”.

A situação, afirma, está ocorrendo de forma generalizada com os feirantes orgânicos. “Hoje a gente consegue sobreviver, mas quem tiver outra oportunidade, acaba saindo, porque está muito difícil”. No seu caso, a opção foi se dedicar a uma cooperativa de polpas de frutas, a Cooperfruit, que atua em Santa Maria de Jetibá fora do mercado orgânico e entrega seus produtos principalmente para a alimentação escolar.

Adilson ressalta que a redução do movimento nas feiras é uma grande incoerência, pois comprando diretamente com os agricultores, o cliente conta com um preço fixo ao longo do ano e, muitas vezes, mais barato que no supermercado. No entanto, há um número grande de “consumidores de oportunidade”, que só vão à feira quando constatam um aumento brusco do preço no supermercado.

Uma forma de reduzir essa oscilação e fidelizar os clientes, acredita, é ter o apoio do poder público no campo da comercialização. “”Tem que ter um trabalho bem feito de divulgação e conscientização. O estado está falhando bastante nisso”.

“SOS Agricultura orgânica”

O empresário Pedro Moreno Ortiz, que tem os feirantes orgânicos entre seus principais fornecedores, lamenta o cenário. “S.O.S Agricultura Orgânica”, convoca, em suas redes sociais. “Uma triste realidade para aqueles que dedicam muitos anos de suas vidas a cuidar de nós e do planeta”, diz, referindo à “desistência de continuar trabalhando com uma agricultura realmente sustentável e saudável para todos e o meio ambiente”.

Ele observa desistências também na feira orgânica mais antiga da região metropolitana, a de Barro Vermelho, também em Vitória. “Todos sabemos que a economia não vai bem e é realmente muito triste o que está ocorrendo. Pelo que vemos, se nada for feito na resolução dessas questões, e principalmente na conscientização da população de que os alimentos orgânicos são muito importantes para todos, mais produtores devem fazer o mesmo e algumas feiras orgânicas podem simplesmente não existir mais”, alerta.

Expectativa

A agricultora orgânica Selene Hammer Tesch, uma das pioneiras no Espírito Santo, fundadora de associações e coletivos de agricultura orgânica em Santa Maria de Jetibá, liderança no setor em todo o Estado e também em âmbito nacional, concorda que a situação como grave. “Os agricultores estão voltando com muitos produtos para casa, que não têm saída nas feiras”, lamenta.

A pandemia, avalia, “desconfigurou” todo um trabalho que vinha sendo feito, de apoio à comercialização com ampliação das feiras livres, agravando a situação financeira, que passou a ficar cada vez negativa, com aumento dos custos de um lado e redução do poder de compra da população, do outro, conforme também resumiu Adilson Braum.

Enquanto em âmbito nacional o governo Lula (PT) ainda não sinalizou como recuperar as perdas acumuladas durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL), em âmbito estadual a expectativa é boa diante das tratativas para criação da Subsecretaria de Agricultura Familiar.

“Planejamento estadual sobre agroecologia e agricultura orgânica e recursos para desenvolver projetos”, elenca, estão entre as prioridades do setor. Especificamente sobre divulgação e conscientização, citadas pelo colega Adilson, também é preciso urgência. “Reeducação alimentar, matérias em jornais, propaganda frequente, exaltando os preços bons e muitas vezes mais baixos que os convencionais, e a qualidade sempre superior dos orgânicos”.

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