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‘Temos uma profunda preocupação com a mineração de sal-gema’

Daniela Meirelles aponta impactos e criação do Movimento pela Soberania Popular

O Espírito Santo é considerado um ponto estratégico na cadeia produtiva da mineração nacional, com uma exploração que não se limita à extração direta, mas também às suas funções logísticas, sendo um corredor para a exportação de minérios extraídos em Minas Gerais e em outras regiões do país. Diante deste cenário e dos impactos socioambientais da atividade, será lançado no Estado um núcleo do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), com objetivo de organizar a população atingida e debater alternativas para a gestão dos recursos minerais.

“O movimento entende as afetações da mineração não só pela exploração direta, mas também pelo impacto indireto, como a questão tributária e logística. O Estado é um ponto-chave nessa dinâmica”, pontua Haimon Verly, organizador do evento, que será realizado nesta sexta-feira (14). Ele também defende a necessidade de maior participação popular nas decisões: “Quem deveria decidir sobre a mineração são os cidadãos, e não apenas o Estado e as grandes empresas”, critica.

Um ponto de alerta crescente é a iminente exploração de sal-gema no Estado, previsto para Conceição da Barra, na região norte, considerada uma das maiores reservas da América Latina, como destacou Daniela Meirelles, coordenadora da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), que atua na luta por justiça ambiental e no enfrentamento da mineração predatória. “Temos uma profunda preocupação com esse novo processo de mineração de sal-gema, que foi empurrado goela abaixo pelo governo estadual, com o seu orquestrador antiambiental, Felipe Rigoni, sem consulta às comunidades afetadas”, denuncia.

Leonardo Sá

O sal-gema é a substância por trás do desastre da Braskem em Maceió, na costa oceânica, um dos maiores em curso da mineração mundial. A exploração desse recurso foi um dos principais impulsionadores da campanha para deputado federal do atual secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Felipe Rigoni (União Brasil). Após o colapso da Braskem, causado pelo afundamento do solo decorrente da mineração de sal-gema e cujo escândalo eclodiu em 2018, ele viu uma oportunidade para destravar o leilão das jazidas capixabas, descobertas na década de 1980.

A atuação de Rigoni na Agência Nacional de Mineração (ANM) foi fundamental para sua eleição, na qual se destacou como o segundo mais votado da história, na época pelo PSB. O leilão das jazidas ocorreu em setembro de 2021, mas, no ano seguinte, Rigoni perdeu a reeleição. Já filiado ao União Brasil, assumiu a presidência estadual do partido e, posteriormente, foi nomeado pelo governador reeleito Renato Casagrande (PSB) para comandar a pasta ambiental.

Diante da ameaça representada pela mineração de sal-gema, a Fase tem fortalecido diálogos e mobilizações com outros movimentos sociais, como o MAM. A parceria reforça a importância da construção coletiva de resistência contra mais esse empreendimento imposto sem respeito aos direitos das populações impactadas, destacou a coordenadora da organização. 

Daniela ressalta que a exploração do sal-gema coloca em risco comunidades tradicionais, pois grande parte das jazidas estão no interior ou adjacentes a esses territórios, que historicamente já enfrentam violações socioambientais severas. “Houve resistência por parte dos movimentos quilombolas, que conseguiram barrar algumas jazidas no leilão através de pressão sobre o Ministério Público Federal”, complementa.

Para ela, o modelo de exploração mineral em curso no país é um reflexo do chamado “racismo ambiental”. “Os territórios pesqueiros, quilombolas e de camponeses são colocados como zonas de sacrifício para manter o modelo de desenvolvimento baseado na mineração e no agronegócio”, critica. Segundo ela, o histórico de exploração de recursos demonstra que os impactos negativos são sempre desigualmente distribuídos, recaindo sobre as populações mais vulneráveis.

‘Economia verde?’

A exploração mineral tem se intensificado em diversas partes do mundo, incluindo o Brasil, onde o aumento do número de requerimentos na Agência Nacional de Mineração (ANM) reflete a corrida global por minerais estratégicos. Um levantamento do Observatório da Mineração aponta um crescimento exponencial nos pedidos de exploração de minérios registrados na Agência Nacional de Mineração (ANM) no mar brasileiro nos últimos, sendo metade dos 28 pedidos para extração do sal-gema localizados no Espírito Santo.

A suposta mudança para um modelo mais sustentável, associada ao programa de Carbono Zero, tem sido questionada por especialistas e movimentos sociais, que denunciam a reprodução das mesmas lógicas exploratórias e excludentes do passado. “A demanda por minérios para produzir essa transição energética, que está sendo apresentada no planeta como uma solução, é enorme”, destaca Daniela Meireles, que descreve o processo como um “círculo vicioso do capital”, em que se exigem ainda mais matérias-primas para manter um modelo de desenvolvimento predatório. 

No Espírito Santo, essa dinâmica se manifesta na exploração de petróleo e gás e agora na mineração de sal-gema, intensificando os danos socioambientais em territórios quilombolas e pesqueiros. “A energia verde e a economia verde continuam pautadas nessa mesma economia cinza, nessa mesma economia destruidora que sempre se deu”, afirmou. Ela enfatiza que, embora as roupagens mudem, a lógica de sacrifício ambiental e social persiste. 

O avanço acelerado da exploração mineral, seja em terra ou no mar, representa mais um capítulo dessa crise, agravando conflitos territoriais e colocando em risco ecossistemas já pressionados pela emergência climática. “Não queremos mais um empreendimento desse porte, que chega sempre com suas falsas promessas tecnológicas, de geração de emprego e progresso”, alertou Meirelles, reforçando a necessidade de resistência contra um modelo de transição energética que perpetua injustiças e desigualdades.

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‘Ninguém está imune’

Nenhuma região do Espírito Santo está imune às consequências da mineração, ressalta o articulador do lançamento do núcleo capixaba do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM). Seja pela exploração de minério de ferro, que deixa um rastro de destruição — como evidenciado pelo crime da Samarco/Vale-BHP, considerado o maior da história do Brasil, devastando comunidades e ecossistemas em Minas Gerais e Espírito Santo -, a ameaça do sal-gema no norte do Estado, a indústria de pedras ornamentais no sul, ou a contaminação pelo pó de minério que afeta a saúde da população na região metropolitana, acrescenta Haimon, que atua em uma assessoria técnica voltada aos atingidos. 

A mineração, historicamente, tem sido imposta de cima para baixo, e a luta por soberania popular busca mudar esse paradigma, acrescenta. “A população precisa decidir sobre a mineração: por que minerar, para onde vão os lucros, e quem arca com os prejuízos. O MAM luta para que a mineração aconteça com soberania popular, e o Espírito Santo é estratégico para essa luta”, enfatiza.

Arquivo Pessoal

O lançamento do núcleo será online nesta sexta-feira, com um debate intitulado “A exploração dos bens naturais e a questão mineral no ES”, que terá a presença de Charles Trocate, da coordenação nacional do MAM, e Daniela Meirelles. Além de analisar o cenário da mineração no Espírito Santo, os participantes discutirão seus impactos ambientais e sociais, buscando caminhos alternativos ao modelo atual de exploração. O acesso à sala virtual será por este link. Haymon explica que o movimento estará aberto a todas as pessoas que se sentirem afetadas pela mineração e quiserem discutir soberania popular sobre nossos bens naturais.

O Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) é uma organização nacional que surgiu em 2012, no Pará, como resposta aos impactos do Projeto Grande Carajás, liderado pela Vale. Desde então, o MAM está presente em diversos estados brasileiros, na luta por um modelo de mineração que respeite os interesses das populações locais, a soberania nacional sobre os recursos naturais, e a proteção do meio ambiente.

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