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Terras Indígenas no ES ficam sob ameaça com decisão de Gilmar Mendes

Lideranças de todo o País, reunidas no Acampamento Terra Livre, repudiam retrocesso

Marcelo Camargo/ABr

Parte das Terras Indígenas já homologadas no Espírito Santo também estão sob ameaça mediante a decisão publicada nessa segunda-feira (22) pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendendo a tramitação de ações que questionam a constitucionalidade da Lei nº 14.701, aprovada no Congresso Nacional em setembro passado. “O Marco Temporal ameaça nossa aldeia Guarani”, afirma Rodrigo Guarani, vice-cacique da Aldeia Piraquê-açú, em Santa Cruz, Aracruz, no norte do Estado. No território Tupinikim, também há áreas que ficam fragilizadas.

“Nós temos alguns fazendeiros em litígio, que ainda não saíram do nosso território e estão com ações na justiça”, informou o vereador de Aracruz Vilson Jaguareté (PT), quando o STF concluiu a votação sobre a tese do Marco Temporal, a partir de uma ação impetrada pelo governo de Santa Catarina contra o território indígena Xokleng.

No município capixaba, há ameaças também por parte da multinacional Suzano (ex Fibria e ex-Aracruz Celulose), um dos maiores inimigos históricos dos povos indígenas. “Em relação à empresa Suzano, também era uma preocupação, porque o Marco Temporal anularia alguns territórios que estavam sob posse dela quando foram demarcados”, acrescenta. “Graças a Deus, por ora, está resolvido”, reafirmou Jaguareté, na ocasião. Agora, com essa postura de Gilmar Mendes, a ameaça retorna.

O assunto tem sido tratado pelas organizações indígenas nacionais e regionais e é pauta do Acampamento Terra Livre (ATL), que realiza sua 20ª edição nesta semana em Brasília, com o lema “Nosso marco é ancestral. Sempre estivemos aqui”. As atividades acontecem até o próximo sábado (27).

“O ministro Gilmar Mendes tomou uma decisão arbitrária, indeferindo parcialmente a Ação Direta de Inconstitucionalidade [ADI nº 7582] impetrada pela Apib [Articulação dos Povos Indígenas do Brasil]”, disse nessa terça-feira (23), à Agência Brasil (ABr), Kleber Karipuna, um dos coordenadores-executivos da Apib, ao referir-se à ação que a entidade indígena ajuizou no STF em dezembro do ano passado.

Marcelo Camargo/ABr

Na ação, a Apib, o Psol e o Rede Sustentabilidade pedem que a Corte declare a inconstitucionalidade da Lei nº 14.701, aprovada pelo Congresso Nacional também em setembro de 2023, uma semana após o Supremo considerar inconstitucional limitar o direito de comunidades indígenas ao usufruto exclusivo das terras tradicionalmente ocupadas por seus povos em função da data em que a Constituição Federal entrou em vigor.

Com base nessa primeira decisão da Corte, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou parcialmente a lei. Em dezembro, contudo, o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial.

Além da ADI 7582, ao menos outras três ações judiciais relativas aos efeitos da lei e do Marco Temporal tramitam no STF: a ADI 7583, apresentada pelo PT, PCdoB e PV, e a ADI 7586, do PDT, que pedem que a Corte reafirme que a tese jurídica não é compatível com a proteção constitucional aos direitos dos povos indígenas. Já na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87, Progressistas, Republicanos e Liberal pedem a validação da lei. O ministro Gilmar Mendes é relator dos processos.

Na decisão dessa segunda-feira, o ministro argumentou que, ao analisar preliminarmente a Lei 14.701, verificou que, aparentemente, diversos aspectos “podem ser lidos em sentido contrário ao entendimento inicial” do Plenário do STF.

“Todavia, enquanto a Corte não conclui a apreciação meritória de tais ações, preocupa-me sobremaneira a possibilidade de que a persistência de sinais aparentemente contraditórios possa gerar situação de severa insegurança jurídica. Nessa linha, considero necessária a concessão de medida cautelar para determinar a imediata suspensão de todos os processos judiciais que discutam, no âmbito dos demais órgãos do Poder Judiciário, a constitucionalidade da Lei 14.701/2023, enquanto esta Suprema Corte promove a devida apreciação da conformidade da referida norma com a Constituição”.

“Amanhecemos com [uma decisão] em que um ministro do Supremo confirma [autoriza] a continuidade da morte do povo indígena. Porque é isso. O Marco Temporal, a Lei 14.701, [autoriza] a continuidade do assassinato do nosso povo. Há reintegrações de [terras ocupadas por indígenas] já em vigor, ameaçando nossa gente”, declarou o coordenador-executivo da Apib, Alberto Terena, por ocasião da sessão solene realizada no Congresso Nacional em homenagem aos 20 anos do Acampamento Terra Livre.

Lula Marques/ABr

Carta aos Três Poderes

Os participantes do ATL também entregaram uma carta aos representantes dos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), com 25 “exigências e urgências” dos povos originários brasileiros. Das 25 reivindicações, 19 são endereçadas ao governo; três ao Congresso Nacional, e outras três ao Judiciário. O primeiro dos 25 itens é uma cobrança ao governo federal: a imediata conclusão do processo de demarcação de quatro terras indígenas cujas portarias declaratórias já foram emitidas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, ou seja, que, legalmente, estão aptas a serem homologadas: Morro dos Cavalos (SC), Toldo Imbu (SC), Xucuru Kariri (AL) e Potiguara de Monte-Mor (PB).

Ao Poder Judiciário, um dos encaminhamentos é a “Declaração imediata da inconstitucionalidade da Lei no 14.701/2023 pelo STF, para conter as violências contra os povos indígenas, reafirmando o Direito Originário e excluindo em definitivo a aplicação da tese do Marco Temporal, em consonância com a decisão do julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365”.

A tese

Pela tese do Marco Temporal, os indígenas somente têm direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na época, desconsiderando, portanto, todo o processo de expulsão dos indígenas de suas terras, promovidos pelo agronegócio, incluindo o da celulose no Espírito Santo, cuja maior empresa do setor, a então Aracruz Celulose (ex-Fibria, atual Suzano), realizou prisões e torturas de indígenas e quilombolas com cumplicidade da ditadura militar.

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