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Tragédia ambiental do saneamento em Vila Velha é alvo de Ação Civil Pública

A omissão histórica dos entes públicos com o tratamento de esgoto é alvo de mais uma Ação Civil Pública impetrada pelas ongs Juntos SOS ES Ambiental e Associação Nacional dos Amigos do Meio Ambiente (Anama). A exemplo do processo contra o Município de Vitória (ACP nº 0009100-23.2017.4.02.5001), o alvo agora é a condenação do Município de Vila Velha (ACP nº 0002047-54.2018.4.02.5001) e, de forma solidária, o Estado do Espírito Santo, a Companhia Espirito Santense de Saneamento (Cesan) e a União.

O objetivo é cessar o lançamento de esgoto nos corpos hídricos, crime ambiental historicamente praticado no Município, beneficiando assim a saúde humana, o equilíbrio ambiental e os cofres públicos, não só no território canela-verde, mas também na capital, visto que os rios e córregos canela-verdes contaminados deságuam nas praias de Vitória, praias estas, inclusive, que se encontraram, todas, durante este Carnaval de 2018, ou impróprias ou interditadas para banho.

Ao longo da argumentação jurídica que embasa a Ação, chama atenção a exposição de fatos amplamente conhecidos pelos entes governamentais citados como responsáveis pela tragédia socioambiental, bem como pela população como um todo, que conhece muito bem a situação deplorável de seus corpos hídricos.

Como exemplo, a Ação destaca seis pontos em estado de extrema gravidade: Canal da Costa (atual Canal Bigossi), que fica abaixo da Terceira Ponte, transformado em valão de esgoto ao céu aberto, sua poluição pode ser vista nas fotos de satélite; Rio Jucu, pouco antes de sua passagem por baixo da ponte na Rodovia do Sol, contaminando o manguezal e a reserva ecológica de Jacaranema e até a sua foz; Rio Marinho, prejudicando todo o ecossistema (virou um lixão); poluição por esgoto nas Lagoas Grande e de Jacuném, Ponta da Fruta; poluição na Lagoa Encantada e Rio Aribiri (que virou valão); poluição da Lagoa de Jabaeté.

Educar e fiscalizar a população

A obviedade dos argumentos defendidos na Ação escandaliza, pois expõe o descaso histórico do Poder Público, não só em realizar as obras de infraestrutura necessárias, mas também em promover campanhas educativas junto à população, fomentando sua consciência ambiental, bem como em fiscalizar a adesão dos munícipes que, segundo a legislação pertinente, devem obrigatoriamente estabelecer a ligação de seus imóveis à rede coletora que conduz os efluentes domésticos para as Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs).

Igualmente chama atenção a compilação de dados científicos, citações de textos legais e recomendações da Organização das Nações Unidas (Onu), igualmente conhecidos pelos entes governamentais e, cada vez mais, de domínio também da sociedade civil, informações essas que relacionam a importância do saneamento básico para o atendimento do direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, para a prevenção da saúde humana e para o bom uso dos recursos públicos.

Doenças

Nesse sentido, as ongs autoras lembram que a Onu “Reconhece o direito à água potável e limpa e ao saneamento como um direito humano que é essencial para o pleno gozo da vida e de todos os direitos humanos e que “o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimam que 1,5 milhão de crianças entre 0 e 5 anos morrem todos os anos em decorrência da diarreia, uma das doenças causadas pela falta de saneamento básico”.

Citando um estudo feito pelo Instituto Trata Brasil em parceria com a Reinfra Consultoria, afirmam que “o índice de atendimento total de esgoto (percentual) no município de Vila Velha, em 2015, era apenas de 43,20%. E o índice de esgoto tratado referido à água consumida era de 45,58%” e que “o Município de Vila Velha encontra-se em 72º lugar dentre as 100 (cem) maiores cidades do Brasil, o que por si só demonstra a precariedade do sistema de saneamento básico do município”.

Lembram ainda que, além das doenças diarreicas, o saneamento básico inadequado também está ligado, dentre outras, a doenças como dengue, Zika, Chikungunya e leptospirose.  E que a falta de saneamento básico atinge notadamente crianças e mulheres grávidas, aumentando em 24% a taxa de mortalidade infantil entre as crianças de 1 a 6 anos e faz crescer em 24% os casos de morte pré-natal (filho nascido morto).

Dado esse cenário, alegam as autoras, “torna-se claro o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”.

Princípio da Prevenção

Com base no amplo conhecimento desses fatos e suas inter-relações, a Ação apoia-se no Princípio da Prevenção e defende que “não é razoável que se espere a constatação de que as águas não são mais balneáveis para que se adote providencias no sentido de interromper o derramamento de esgoto”.

Indenizações

A Constituição Federal (art. 225, § 3º) e a Política Nacional de Meio Ambiente (arts. 4º, inciso VII, e 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981) embasam o pedido de indenização feito pelas requerentes, pois tais dispositivos legais estabelecem a obrigação, pelo degradador, “de recuperar e indenizar os prejuízos causados, recuperação esta que deve ser integral”, “sob pena de redundar em impunidade”.

Desse modo, sustentam, “também deverão ser indenizados os danos morais e patrimoniais, para a hipótese dos munícipes que são e/ou foram portadores de doenças causadas por ausência do tratamento de esgoto, bem como para aqueles que são impedidos de banharem-se em nossas praias e praticarem esportes aquáticos em virtude da poluição decorrente do esgoto”.

Além de violar direitos humanos, complementam, os requeridos na Ação infringiram “o direito fundamental constitucional da comunidade de Vila Velha em usufruir de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como de uma sadia qualidade de vida”, não pairando dúvidas “acerca do cabimento da reparação por danos morais coletivos, por meio de indenização pecuniária, (a ser revertido para o Fundo de Bens Lesados de que trata o art. 13 da Lei da Ação Civil Pública)”.

Pedidos de condenação

As autoras argumentam que, além do Município de Vila Velha, devem ser citados também o Estado do Espírito Santo e a Cesan, pois o saneamento municipal “foi concedido inconstitucionalmente pelo Estado, sem licitação, através da lei ordinária estadual 6.871, à CESAN”, lei esta que é anterior às LC’s estaduais 318 e 325. Além da União, visto que “as praias marítimas são bens públicos pertencentes à União, conforme consignado no art.20, inciso IV da Carta Magna”.

Ao Município, porém, recai a obrigação de realizar as ações necessárias à solução do problema. Nos Pedidos feitos à magistrada responsável pelo caso, a Municipalidade deve apresentar, ao Conselho Municipal do Meio Ambiente (Commam), um Plano de Recuperação da Área Degradada (Prad), com cronograma de execução e informações detalhadas acerca dos procedimentos metodológicos e técnicos que serão utilizados, possibilitando o monitoramento pelo mesmo Conselho.

O Município deve também executar plenamente o referido PRAD e custear integralmente a produção de uma Campanha de Educação Ambiental junto à população, por meio de propaganda em rádio e TV, e realização de debates e reuniões com lideranças comunitárias, entre outras ações em campo, pelos bairros da cidade.

Além disso, deve efetivar o pleno funcionamento do sistema de esgotamento sanitário, contemplando todos os domicílios do perímetro urbano de Vila Velha, bem como providenciar a limpeza e desativação das fossas rudimentares e outros meios inadequados de disposição de esgotos de todos os domicílios da cidade; e a limpeza e desativação dos poços de água de todos os domicílios do perímetro urbano.

Commam

Membras que são dos conselhos de meio ambiente e de recursos hídricos em esferas estadual, regionais e municipais, as duas ongs ressaltam a necessidade de que “qualquer atividade só poderá ser iniciada após a aprovação do PRAD e a autorização do Conselho Municipal de Meio Ambiente. Portanto, nenhuma ação de recuperação poderá ser executada segundo o livre arbítrio do requerido, pois imperiosa se faz a avaliação prévia pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente, a fim de se verificar a eficácia das medidas propostas, bem como sua adequação às necessidades ambientais, evitando-se, assim, que ações sem o devido estudo agravem ainda mais a situação das áreas degradadas”.

A ACP nº 0002047-54.2018.4.02.5001 está sob a responsabilidade da juíza federal Maria Claudia de Garcia Paula Allemand, da 5ª Vara Federal Cível.

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