Projeto está parado há 27 meses. Novas emendas substitutivas, de agosto, ainda não foram analisadas
O trancamento das pautas de votação na Assembleia Legislativa em função das eleições promete causar, entre tantos prejuízos à população, o prolongamento da estagnação do Projeto de Lei nº 328/2020, que estabelece “Política, Normas e Diretrizes de Proteção da Qualidade do Ar Atmosférico no âmbito do Espírito Santo e dá outras providências”.
A intensa e crônica poluição do ar na região metropolitana da Grande Vitória, provocada principalmente pelas poluidoras Vale e ArcelorMittal, localizada no complexo industrial e portuário da Ponta de Tubarão, é um tabu para legisladores e gestores do Executivo no Estado. Historicamente, nenhum deles enfrenta o problema com a seriedade e transparência necessárias. Ao contrário, buscam passar à população a sensação de atuação por meio dos frágeis Termos de Compromisso Ambiental (TCAs) mediados pelo Ministério Público Estadual (MPES), que não apresentam prazos nem metas numéricas objetivas de cumprimento por parte das empresas, que continuam tendo suas licenças renovadas a despeito de não cumprirem diversas condicionantes estabelecidas nas licenças anteriores.
Desde o retorno do recesso legislativo, em agosto, os parlamentares votaram pouquíssimos projetos de lei – apenas dois até a última quarta-feira passada (24), segundo informou Sergio Majeski (PSDB) – situação que tende a se prolongar até o pleito eleitoral, conforme se pode observar pelo número de ausências e quedas sucessivas das sessões ordinárias por falta de quórum, devido à saída dos deputados para fazerem campanha nas ruas.
O PL 328/2020 é de autoria do governo do Estado, tendo sido enviado à Casa no Dia Mundial do Meio Ambiente. Passados mais de dois anos, no entanto, está com tramitação paralisada. Em dois meses após entrar na Casa, recebeu 52 emendas de aprimoramento protocoladas por Majeski, a partir de contribuições feitas pela ONG Juntos SOS ES Ambiental. Três meses depois, em novembro, o deputado pediu que o PL fosse levado para apreciação do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), mas recebeu do presidente do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), Alaimar Fiuza, a resposta de que o colegiado só receberia o PL depois que fosse aprovado na Assembleia.
Em agosto deste ano, passados 26 meses de estagnação, cinco novas emendas, substitutivas, foram protocoladas para a substituição do texto original, além de Majeski, por Dary Pagung (PSB), líder do Governo, Dr. Rafael Favatto (Patri), presidente da Comissão de Meio Ambiente da Casa, e Fabrício Gandini (Cidadania), presidente da Frente Parlamentar de Conservação da Biodiversidade Capixaba.
A necessidade de mudanças no projeto ficou mais evidente em maio passado, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou ao Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que elabore uma nova Resolução sobre o assunto, em substituição à de número 491/2018, num prazo de 24 meses – período em que a resolução atual continuará em vigor – de forma a atender aos novos parâmetros estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Conforme noticiou a própria Assembleia Legislativa em meados de agosto, a primeira emenda de 2022 é de Majeski, que consolida todas as anteriores feitas em parceria com a ONG ambiental. A proposta faz várias mudanças nos trechos do PL acerca da qualidade do ar; princípios e objetivos da política; metas a serem cumpridas; instrumentos; padrões de qualidade do ar e fontes; zoneamento ambiental; avaliação de impacto ambiental e do licenciamento ambiental; inventários de emissões; incentivos fiscais, financeiros e creditícios; e proibições.
O novo texto proposto reforça que os responsáveis pela qualidade do ar deverão seguir as recomendações contidas no Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Pó Preto, as melhores práticas nacionais e internacionais, e os parâmetros recomendados pela OMS em 2005 e os definidos na Resolução 491/2018 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Determina que a Seama, em relação à gestão da qualidade do ar, cobre dos empreendimentos o respeito aos limites máximos de emissão vigentes e o atendimento dos valores previstos em Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Além disso, obriga a contratação de entidade especializada na área para identificar fontes emissoras fora dos padrões estabelecidos e a elaboração de relatório anual de acompanhamento a ser apresentado na última reunião ordinária do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema).
Outro ponto da emenda insere entre os princípios e objetivos da Política Estadual de Qualidade do Ar a garantia do amplo acesso às informações das fontes e causas da poluição e da degradação ambiental, e o fomento à pesquisa para identificar o impacto da poluição na saúde dos capixabas. Também garante ao Consema a atribuição de propor diretrizes sobre a política e opinar a respeito de normas e padrões estaduais de avaliação, controle e manutenção da qualidade do ar.
Em relação aos instrumentos da política, adiciona a possibilidade de Termos de Ajuste de Conduta (TAC), a criação de um grupo de trabalho para discutir soluções de engenharia para a melhoria do ar na Grande Vitória, e a instalação de equipamentos de monitoramento nas grandes indústrias poluidoras.
Institui para os padrões de qualidade do ar o máximo permitido de concentrações médias num período de 24 horas e dentro de uma média aritmética anual para diversos tipos de poluentes, como material particulado, partículas em suspensão, poeira sedimentável, dióxido de enxofre (SO2), monóxido de carbono (CO) e ozônio (O3). As empresas terão um prazo até o final de 2023 para cumprir as recomendações da OMS e da resolução do Conama.
Prevê, ainda, a realização de um inventário com as fontes fixas e móveis de emissão dos poluentes na Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV). As empresas que fizerem parte desse inventário deverão declarar anualmente suas respectivas emissões atmosféricas. Empreendimentos portuários e aeroportuários não licenciados terão um ano para apresentar planos e ações de controle de emissão de poluentes.
Acerca da possibilidade de incentivos fiscais, financeiros e creditícios, deixa claro que o poder público só poderá conceder linhas de financiamento para quem não tiver infração administrativa ambiental enquadrada como grave ou gravíssima e que apoie atividades de educação ambiental. Empresas com condenação ambiental só poderão voltar a receber incentivos após cinco anos. Por fim, veda a renovação das licenças aos empreendimentos que não tenham cumprido os parâmetros ambientais condicionados nas licenças anteriores.
Outros substitutivos
A segunda emenda é de Favatto, que acrescenta conteúdos técnicos e substitui todo o teor original. Entre os principais acréscimos, está o fomento à pesquisa para desenvolver instrumentos de gestão, identificação dos impactos da poluição na saúde e qualidade de vida dos cidadãos, além de propor o estímulo à utilização de combustíveis com poluição zero ou de baixo teor poluente.
A emenda três, de Dary Pagung, aponta como principais mudanças a adição de alguns conceitos – ar de qualidade, risco ao meio ambiente e à saúde, monitoramento da qualidade do ar, rede de monitoramento, episódio crítico de poluição do ar e plano de controle de emissões atmosféricas – e estabelece que os padrões de qualidade do ar serão revisados e atualizados, mediante justificativa técnica, no máximo a cada quatro anos.
No entanto, a proposta de Pagung retira, do texto original, a necessidade de que os padrões de qualidade do ar tenham como base as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS). Essa subtração é alvo de uma outra emenda de Favatto, a de número quatro, ao reforçar em diversas partes a importância de a política se basear nas melhores práticas nacionais e internacionais e nas diretrizes da OMS.
A proposta também adiciona, entre os instrumentos da política, o cumprimento e a fiscalização dos Termos de Ajuste de Conduta (TAC) celebrados pelo Ministério Público Estadual (MPES).
Favatto ressalta ainda que as metas do Decreto 3.463-R para os padrões que não estiverem em acordo com os da OMS deverão ser adequadas até final do ano de 2025, entrando em vigor a partir de 1º de janeiro de 2026. Tal prazo, porém, poderá ser prorrogado por até 730 dias.
Já em relação à poeira sedimentável em áreas residenciais e comerciais, a emenda substitutiva do deputado determina os limites de 7 g/m2 por 30 dias como meta vigente e 5 g/m2 por 30 dias como padrão final. Esse último deverá entrar em vigor em 1º de janeiro de 2024.
Segundo a emenda, o Iema terá que fazer o monitoramento das concentrações médias de 24 horas consecutivas para o monóxido de carbono (CO) e o ozônio (O3). O poder público deverá garantir o cumprimento dos acordos anteriormente firmados e tomar providências junto às empresas para alcançar o controle das emissões atmosféricas no Estado.
Inventário
O trecho referente ao inventário de emissões de poluentes ganhou acréscimo. Além de elencar a metodologia detalhada de estimativa de emissões como uma das informações a serem prestadas, inclui os tipos de fontes de energia utilizadas nos respectivos processos. Também define que o inventário deve ser elaborado por entidades isentas, certificadas e com acreditação mundial.
A exemplo de Majeski, o trecho da proposta de Favatto que trata dos incentivos fiscais, financeiros e creditícios deixa claro que, na concessão desses benefícios, deverão ser instituídos critérios limitantes aos demandantes de fomento que estejam em desconformidade com as regras previstas na legislação. Sobre proibições, determina que as licenças ambientais para novas instalações ou a renovação do licenciamento de fontes de emissão existentes têm que observar os novos padrões onde forem aplicáveis; e que o eventual descumprimento dos parâmetros ambientais condicionados nas licenças anteriores incorrerá na vedação à renovação das mesmas.
Já a emenda cinco, apresentada pelo deputado Gandini, traz as mesmas modificações propostas por Favatto.
Fora do radar dos candidatos
Se a melhoria da qualidade do ar não está na pauta da atual legislatura, tampouco consta nas propostas publicadas pelos candidatos ao governo do Estado. Dos sete, apenas três mencionam o problema, mas todos de forma superficial.
Aridelmo Teixeira (Novo) diz apenas de sua intenção de realizar “estudos para a redução do pó preto na RMGV [Região Metropolitana da Grande Vitória]”. Audifax Barcelos (Rede) propõe, sucintamente, providenciar a “melhoria da qualidade do ar e parcerias visando a otimização da fiscalização de emissão de poluentes”. E Guerino Zanon (PSD) diz que irá “conter, reduzir e reverter a degradação e poluição ambiental do ar, dos rios, lagoas e do litoral”. Nos demais, nem menções pontuais e genéricas.