Decisão também anula quitação geral e exige pagamento retroativo, sem desconto no valor das indenizações
O Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1) decidiu, nesta terça-feira (28), por mais medidas em favor dos atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP contra o Rio Doce, atendendo a pleito movido pelas instituições de justiça que defendem os direitos das vítimas deste que é o maior crime socioambiental do país e o maior da mineração mundial.
A desembargadora federal Daniele Maranhão Costa intimou a Fundação Renova para que pague o auxílio financeiro emergencial (AFE) a todos os pescadores e agricultores de subsistência que aderiram ao Novel, novo sistema indenizatório hospedado no site da Fundação.
A decisão também determina que a Renova proceda o pagamento para “todas as pessoas atingidas que tiveram parcelas de AFE indevidamente retidas devido sua inclusão no Regime de Transição, independentemente de adesão ao Novel e da respectiva assinatura do termo de quitação”.
Sobre esse segundo ponto, a desembargadora enfatiza que o auxílio emergencial “não se relaciona com o direito de indenização objeto do Sistema Indenizatório Simplificado”, condição que a Renova não tem respeitado.
Fixa ainda multa de R$ 1 mil “para cada atingido que deixar de receber o pagamento das verbas retroativas”, que incidirá a partir do transcurso do prazo de dez dias desta intimação, já que o pagamento retroativo já havia sido determinado em decisão liminar anterior, sublinha a magistrada.
O despacho atende a um agravo movido pelas Defensorias Públicas da União, e estaduais do Espírito Santo e de Minas Gerais (DPU, DPES e DPMG), e os Ministérios Públicos Federal e Estadual de Minas Gerais (MPF e MPMG) – Processo referência: 1024354-89.2019.4.01.3800.
A magistrada federal cita, em sua decisão, trechos de relato do MPF que detalha os tópicos do “descumprimento parcial”, pela Renova, de decisão anterior da Justiça, já que a entidade mantida pelas mineradoras continuou descontando os valores do AFE no montante a ser pago como indenização via Novel, mediante um termo de quitação ilegal de danos.
“Desnecessário transcrever os termos da decisão na íntegra, já que basta consultá-la para se estabelecer que ela está sendo descumprida parcialmente, caso a Fundação Renova esteja concretizando a dedução dos valores pagos a título de AFE das importâncias recebidas pelos atingidos como indenização ao aderir ao Novel, incluindo-as indevidamente no termo de quitação”, reforça a desembargadora.
Daniele Maranhão também ressalta o fato de que a suspensão do AFE só poderá acontecer, conforme estabelece o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) – o primeiro acordo assinado pelas empresas com os governos, em março de 2016 – quando ficar comprovado que foram restabelecidas as condições ambientais anteriores ao rompimento da Barragem, isso por meio da “conclusão da perícia designada no âmbito dos Eixos Prioritários números 6 e 9, (…) cujo objeto é aferir a segurança alimentar do pescado e da condição de uso da água do Rio Doce”.
A desembargadora também aborda o descumprimento, pela Renova, da Deliberação nº 58/2017 do Comitê Interfederativo (CIF), “que reconheceu as Novas Áreas como impactadas pelo rompimento [litoral norte capixaba], justamente essas mesmas áreas que se pretende suspender o auxílio”.
Ao final, Daniele Maranhão reafirma que “o pagamento dos valores a título de AFE, como repetidamente tem sido reconhecido por este Tribunal, não se relaciona com o direito dos atingidos de serem indenizados [por] danos materiais (danos emergentes e lucros cessantes) e os morais”. Por isso, prossegue, “não pode ser aceita a dedução de tais valores da indenização devida pela adesão ao Novel mediante a inclusão de tais importes no termo de quitação. Ao assim proceder, a Fundação Renova descumpre as premissas estabelecidas”.
Advogados particulares
Assim, o presidente do TRF-1 concordou com a alegação feita das instituições de Justiça, de que a cláusula de quitação gera de danos é ilegal e deve ser extinta de todos os contratos oferecidos pela Renova aos atingidos.
Sobre a contratação de advogados para aderir ao Novel, José Amilcar de Castro Queiroz Machado afirma que deve ser facultativa aos atingidos e não obrigatória, como impõe a Renova.
Na decisão, o desembargador ainda ressaltou que os atingidos aceitaram o sistema Novel em razão de estarem em situação de hipervulnerabilidade, bem como e “todas as obrigações impostas, inclusive as que são reputadas ilegais, uma vez que se encontravam em estado de absoluta necessidade dos valores, fechando, assim, acordos estando desprovidos de real autonomia”.