O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está proibido de fazer empréstimos à Aracruz Celulose (Fibria). A decisão é do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), que negou agravo de instrumento impetrado pelo banco. No agravo, o BNDES não queria aceitar a proibição determinada pela Justiça Federal no Espírito Santo, que determinou o fim dos empréstimos.
A Aracruz Celulose grilou as terras da comunidade quilombola, cerca de 50 mil hectares, em todo o Estado. Na decisão do juiz que julgou a ação civil pública proposta, os imóveis obtidos pela empresa por meios ilícitos, inclusive a força, foram tornados indisponíveis. Durante sua implantação, a empresa também tomou terras dos índios, cerca de 40 mil hectares, dos quais foi obrigada pelo governo federal a devolver 18 mil hectares, e de pequenos proprietários.
No agravo julgado no TRF2, o BNDES pediu para o TRF2 rever a decisão que determinava que “suspendesse qualquer operação de financiamento direto, indireto ou misto em favor da Fibria S/A para plantio de eucalipto ou produção de celulose nos municípios de São Mateus e Conceição da Barra”. Queria, pois, emprestar dinheiro à empresa. Mas recebeu um não do desembargador federal Ricardo Perlingeiro, que relatou o processo, e foi acompanhado pelo desembargador Marcus Abraham.
A ação civil pública contra a Aracruz Celulose, BNDES e o Estado do Espírito Santo foi proposta pela procuradora federal Walquiria Imamura Picoli, e a decisão de conceder liminar no processo foi do juiz federal Nivaldo Luiz Dias, da 1ª Vara Federal de São Mateus. O processo recebeu o nº 0000693-61.2013.4.02.5003, e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) se fez coautor da ação.
O juiz Nivaldo Luiz Dias acolheu as razões da procuradora Walquiria Imamura Picoli para sua decisão e determinou: “diante do exposto, rejeito todas as defesas processuais arguidas e acolho os embargos de declaração opostos para aclarar a decisão proferida nos termos da presente fundamentação”.
E completa: “tendo em vista que os pontos controvertidos são a existência de nulidade na aquisição das terras discriminadas na inicial pela Fibria, a consequente invalidade dos contratos de financiamento celebrados entre a Fibria e o BNDES, e a existência de direito de remanescentes de quilombolas ao título das terras objeto da ação, intimem-se o MPF, o Incra e os réus para especificarem, justificadamente, no prazo de dez dias, as provas que pretendem produzir”.
História macabra
Recursos federais e favores estaduais sempre irrigaram os cofres da Aracruz Celulose (Fibria). O BNDES empresta a juros subsidiários, quase doações, à empresa. Tudo começou durante a ditadura militar.
As atividades da Aracruz Celulose (Fibria) começaram no campo, em novembro de 1967, quando foram plantados os primeiros eucaliptais da empresa. Começava a materialização do sonho tropical do empresário norueguês Erling Sven Lorentzen, casado com a princesa Ragnhild, irmã do rei Harald V.
Lorentzen conseguiu seu intento no Brasil aliando-se às mais altas figuras da ditadura militar, como o general-presidente da República Ernesto Geisel. E com a ajuda dos representantes dos militares no Espírito Santo, os governadores biônicos (não eleitos pelo povo e nomeados pelo governo federal) Arthur Carlos Gerhardt Santos e Cristiano Dias Lopes. Gerhardt começou a preparar o terreno para o domínio da Aracruz Celulose, fundada em abril de 1972.
Dinheiro não faltou para todos os projetos, inclusive a construção das três fábricas, em Aracruz. O projeto idealizado pela empresa para o norte do Estado se viabilizou graças ao financiamento do BNDE – na época sem o social –, considerado o maior concedido até então a uma empresa privada. Orçado inicialmente em U$S 460 milhões, e depois corrigido para US$ 536 milhões, coube ao banco a maior parte dos recursos, US$ 337 milhões.
Quem coroou o acordo foi o governador biônico do Estado na época e ex-deputado estadual Elcio Alvares (DEM). A nomeação dele no governo, em março de 1975, para substituir Arthur Carlos Gerhardth, foi considerada uma contribuição ao arranjo para o financiamento do Grupo Aracruz. Já Gerhardth saiu do governo para assumir, direto, a presidência da Aracruz Celulose.
Depois da inauguração da fábrica A da empresa, o BNDES continuou financiando os projetos de expansão da Aracruz – fábricas B e C -, com participações no quadro acionário.
Em 2003, o Grupo Aracruz iniciou a construção da fábrica da Veracel, em Eunápolis, no extremo sul da Bahia, em parceria com a empresa sueco-finlandesa Stora Enso, com um financiamento de US$ 546 milhões do banco.
A decisão da Justiça Federal estanca esta sangria do BNDES em favor da Aracruz Celulose (Fibria).
O processo de usurpação das terras quilombolas pela Aracruz Celulose, no período militar, assim como ocorrera primeiro com os índios Tupiniquim e Guarani de Aracruz, foi marcado por episódios de violência, terrorismo e ameaças.
Um dos documentos entregues em CPI realizada pela Assembleia Legislativa sobre a Aracruz Celulose listou 65 áreas, requeridas por mais de 30 funcionários e ex-funcionários da empresa, totalizando mais de 13 mil hectares de terras transferidas pela empresa, muitas delas nas áreas mais agricultáveis do Estado.
Os imóveis que constam na decisão foram requeridos nos anos 70 por 12 ex-funcionários da empresa, que funcionaram como laranja na operação. São eles: Dirceu Felício, Edgard Campinhos Junior, Fernando José Agra, Giácomo Recla Bozi, Orildo Antônio Bertolini, Ivan de Andrade Amorim, Sérgio Antônio Forechi, Alcides Felício de Souza, Gumercindo Felício, Joerval Abrahão Vargas, José Antônio Cutini e Valtair Calheiros.
A ação do MPF requer a declaração de nulidade dos títulos de domínio de terras devolutas concedidos pelo Estado à Aracruz Celulose e a legitimação das terras em favor dos quilombolas, conforme o previsto em lei, e a condenação da Aracruz a reparar os danos morais coletivos, no valor de R$ 1 milhão.