“A gente é movido por energia. Você pega um alimento limpo, agroecológico e ele te nutre, não precisa comer muito pra ser nutrir. Os produtos com agrotóxicos, muito processados, não te nutrem, só te enchem. E aí os laboratórios de remédios é que ganham dinheiro com a doença”.
O precioso ensinamento, que brota de décadas de vivência com a terra e experiência sobre a saúde integral humana e planetária, e tão bem sacramentado pela moderno Física Quântica, vem de Primo Dalmasio, agricultor orgânico e agroecológico no Sítio Pedra do Presidente, em Nova Venécia, noroeste do Espírito Santo, onde preside a Associação Universo Orgânico.
“Um ser humano é aquilo que ele come. Se come coisas boas, tem saúde boa. Pra nós agricultores, a responsabilidade é muito grande. A gente trabalha na merenda escolar, nos programas institucionais do PAA [Programa de Aquisição de Alimentos], PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar], produzido alimentos limpos”, declara, com orgulho.
Mesma responsabilidade, afirma, que se faz presente na venda direta feita nas feiras, entregas de cestas e agora também na nova loja de alimentos orgânicos do município, inaugurada no início deste mês. “Um espaço moderno, bonito. Pra nós é uma grande conquista, uma nova etapa. É prazeroso tanto pro consumidor quanto pro produtor e pros nossos parceiros”, celebra.
O trabalho com a produção limpa e sustentável de cada um, obviamente, é anterior a essa data. No caso de Primo Dalmasio, o ano de 2004 foi marcante em uma trajetória incrivelmente quase que totalmente apartada do uso de venenos.
“Tive uma decepção na cafeicultura, com o preço muito baixo. Fiz a colheita e voltei pra casa sem capital. Paguei a cooperativa, os insumos, e voltei sem capital. Tive uma revolta interna: não vou usar agrotóxico nunca mais, não vou trabalhar mais pra empresa nenhuma”, relata. Nessa época, Primo usava herbicida e adubo químico no seu café conilon. Um uso modesto de agroquímicos, quando comparado com a prática comum. “Hoje é inseticida, fungicida, muita coisa. Usa veneno toda semana na lavoura”, lamenta.
A decisão de largar definitivamente os venenos agrícolas veio acompanhada de uma busca por terapias alternativas para a lavoura e para a família. “Comecei a estudar, fiz curso de homeopatia. Hoje trabalho com homeopatia, radiestesia, cromoterapia, reflexologia”, conta o agricultor, homeopata e terapeuta holístico.
O mergulho nos conhecimentos de saúde integral e terapias naturais fez um resgate em uma sabedoria latente que ele cultivava desde garoto. “Eu tive oportunidade de fazer formação agropecuária na escola técnica, hoje Ifes. Me formei em 1980. Foi quando começou forte a introdução dos agrotóxicos aqui, com a ‘revolução verde’. Na escola a gente não usava herbicida. Plantava cereais, milho, tudo sem agroquímico”, conta.
Ao entrar no mercado, Primo presenciou as estratégias de convencimento das vendedoras de veneno. “As empresas pegam os técnicos, abraça, diz que resolve tudo com esses mecanismos. Eles convencem a gente que é bom. Naquela época pouca gente no rural tinha segundo grau”.
No seu caso, no entanto, os argumentos não o atraiam. “Eu tinha uma proteção energética pra não exercer esse papel. Já tinha uma intuição. No campo energético, não era atraente”, conta. A proteção energética e a intuição se somavam à leitura das bulas dos venenos. “Eu sempre lia as bulas e ficava com o pé atrás. A bula não especifica tudo, mas traz alguma coisa. Mas muita gente não lê nem a bula, não usa os equipamentos de proteção, vai de bermuda, chinelo, de boné, sem camisa, aplicar agrotóxico. A gente passa na estrada e vê isso”, descreve.
Decidido em retomar uma agricultura ancestral, que conhecia tão bem, Primo foi se unindo a outros agricultores conscientes como ele. Em 2010, o grupo foi apoiado pelo então pároco da Igreja Católica na cidade, Padre Honório, eleito deputado estadual pelo PT em 2015. “O Padre Honório queria fomentar a agricultura orgânica na cidade”, lembra. Uma associação de produtores de café conilon orgânico serviu de base para a construção da futura Universo Orgânico. “Aproveitamos esse trabalho burocrático pra criar a nossa associação”, conta.
Hoje, além de Primo, há pelo menos mais cinco agricultores terapeutas na entidade. A harmoniosa integração da terra e do ser humano continua sendo passada de geração a geração. “Meus três filhos, o mais velho tem 35, nenhum deles nunca colocou uma bomba de agrotóxico nas costas”, exclama, feliz.
Um viva aos apaixonados
Também a atração de parceiros dedicados é um fluxo contínuo na agricultura familiar de Nova Venécia. Em 2016, foi a vez do Banco do Nordeste, guiado pelas mãos
da agente de desenvolvimento Sonia Lúcia de Oliveira Santos, recém transferida de Teixeira de Freitas, no sul da Bahia, para Linhares, no norte capixaba.
Nessa época, a direção do Banco propôs aos agentes trabalhar o crédito orientado e estruturado em cadeias produtivas específicas. “Eu sugeri a Agroecologia”, lembra Sonia, já nessa época encantada com o universo ecológico e orgânico. A proposta foi aceita e executada em âmbito nacional por meio do Plano de Ação Territorial (PAT), vinculado ao Programa de Desenvolvimento Territorial (Prodeter).
“Vimos a oportunidade do PAT ser o integrador das ações, que estavam soltas”. Na ocasião, Sonia observou uma força agroecológica especialmente poderosa em torno de Nova Venécia, o que a faz mudar-se de Linhares e tornar-se cidadã veneciana.
Rapidamente, o PAT capixaba envolveu outros oito municípios: Boa Esperança, Ecoporanga, Barra de São Francisco, Água Doce do Norte, São Mateus, Pinheiros, Ponto Belo e Montanha. O projeto capixaba tornou-se vitrine nacional do Banco, conta, que hoje provê mais quatro iniciativas semelhantes, sendo duas na Bahia, uma em Pernambuco e outra no Maranhão.
“A Agroecologia começou como patinho feio na instituição, por falta de informação. Hoje é reconhecida como uma atividade econômica viável”, afirma. Em cada um desses estados, certamente há outras Sonias. “São os apaixonados que puxam a Agroecologia pra dentro das instituições”, reconhece.
Uma atenção especial do Banco é voltada para a comercialização. “Comercialização é crucial. Sem apoio institucional, fica mais difícil, porque o agricultor sabe produzir e tem dificuldade em lidar com marketing e logística de comercialização”.
Nesse sentido, a atração de outros parceiros tem sido fundamental: o Instituto Capixaba de Pesquisa e Extensão Rural (Incaper), a Prefeitura de Nova Venécia e o Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes). “Agroecologia se faz assim: com participação, integração de ações, luta e amor”, declara.
Ganha-ganha-ganha
De fato, paixão é um denominador comum na iniciativa veneciana. “Queremos levar Nova Venécia para o mundo”, exulta, entusiasmada, a administradora e mestranda em Agroecologia no Ifes de Alegre Marina Ribeiro Sardinha.
O entusiasmo funda-se na certeza de que a Agroecologia é um sistema de ganha-ganha-ganha: “Todo mundo ganha: o produtor, o consumidor e o planeta”. E não se trata só alimento, ressalta, mas um conhecimento e uma prática que transforma toda a forma de pensar o consumo e a vida em sociedade. “Na minha casa, por exemplo, eu não separava lixo, hoje separo. E meus filhos veem isso e seguem”, comemora.
Como parte de seu mestrado, Marina está desenvolvendo várias peças de marketing para a Universo Orgânico: folder, layout da loja, sacola ecobag (futuramente a loja não terá sacolas descartáveis) e uma cartilha sobre as três diferentes formas de certificação orgânica possíveis no Brasil, que em breve será disponibilizada em formato digital para todos os agricultores.
“Muitos produtores já têm sua OCS [Organismo de Certificação Social] e acha que não vale ter certificação também por auditoria. Mas eles podem pensar mais alto”, avalia, numa consolidada visão de que a venda indireta proporcionada pela certificação por auditoria será benéfica para os agricultores das OCS, que hoje, pela lei, podem apenas fazer a venda direta ao consumidor.
O Ifes também está desenvolvendo um software que será patenteado e prestará um serviço essencial aos agricultores, de controle minucioso da produção e da venda dos produtos. “Hoje eles anotam tudo no papel, não consegue ter uma visão exata do que entra e sai”, diz Marina, informando que a estimativa atual é de uma produção de cinco mil toneladas de alimentos/mês produzida pelos associados, sendo vendido na loja, PNAE, entregas diretas.
Na sequência de outras possibilidades, estão como uma rota agroecológica – expandindo um trabalho já iniciado por alguns produtores – e a participação em feiras nacionais e internacionais.
O desejo é que o apoio ao crescimento do grupo atual sirva de atrativo para agroecologizar mais famílias produtoras. E o campo é amplo para essa expansão. Os cerca de 30 associados da Universo Orgânico correspondem a apenas 10% do conjunto de produtores do município e também 10% do total de agricultores certificados do Estado.
“Dados recentes do Incaper indicam que no Espírito Santo há 300 produtores rurais com certificação orgânica, cerca de 1.300 que não utilizam agroquímicos nas lavouras e outros 300 que estão em fase de transição, deixando o cultivo tradicional e adotando as práticas agroecológicas”, informa, em artigo publicado em conjunto com os colegas do Ifes Maurício Novaes Souza, Ana Paula Candido Gabriel Berilli. “Vamos ser referência para o Espírito Santo, o Brasil e o mundo”, profetiza.