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Mineradora Vale repete estratégia de fazer acordos sem ouvir atingidos

Crime de Brumadinho segue script do acordo no Rio Doce, nos quais empresas boicotaram assessorias e negociam indenizações

A assinatura de um acordo de R$ 37 bilhões entre a Vale e o Estado de Minas Gerais nessa quinta-feira (4), referente ao crime do rompimento da barragem de rejeitos de minério em Brumadinho (MG), provocou protestos dos atingidos, que não participaram nem foram ouvidos durante o processo e acusam o valor de estar abaixo do devido. É um roteiro muito similar ao que aconteceu anos atrás no acordo entre a Samarco/Vale-BHP em outro crime socioambiental do mesmo tipo, que atingiu a bacia do Rio Doce no Espírito Santo e Minas Gerais.

O resultado do processo que vem sendo vivenciado pelos atingidos capixabas mostra que as dificuldades são muitas e as habilidades jurídicas das empresas sofisticadas. Segundo Heider Boza, dirigente do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Espírito Santo, os acordos que definiram os valores de indenizações servem para sinalizar sobretudo para os acionistas das empresas, gerando maior confiança para seus investimentos no mercado financeiro.

Mas na prática dos territórios atingidos, a realidade não costuma ser tão otimista quanto a euforia dos investidores da bolsa de valores. Diante do acordo insatisfatório assinado em 2016 com a Samarco/Vale-BHP, os movimentos sociais lutaram para que houvesse um processo de contratação de assessoria técnica independente, escolhida pelos atingidos, para avaliar o valor dos danos e da indenização que os atingidos teriam direito.

Com muita pressão popular, após o acordo, conseguiu-se caminhar com o processo para contratação das assessorias técnicas até a seleção das mesmas para atuarem nas diversas comunidades. Mas até agora no Espírito Santo, apenas uma delas foi contratada, a que atua na comunidade quilombola de Degredo, em Linhares. Na reta final, com todo processo de seleção realizado com as comunidades e as entidades especializadas, as empresas criminosas e a Fundação Renova não contrataram as assessorias. Pese as cobranças no âmbito jurídico do Ministério Público e Defensoria Pública estaduais e federais e da pressão política dos movimentos sociais, a Justiça “sentou em cima” e até hoje não se posicionou para obrigar essa contratação ou negá-la, numa espera que persiste.

O objetivo era que esses técnicos pudessem avaliar os danos causados para as pessoas e comunidades atingidas com objetivo de proporcionar uma indenização justa e proporcional. Mas ao mesmo tempo em que boicota as assessorias, a Renova e suas mantenedoras avançam com o processo indenizatório de forma individualizada e privatizada, segundo Heider, já que os atingidos precisam contratar advogado particular para conseguirem ter acesso a indenizações.

“O balanço depois de mais de cinco anos do rompimento da barragem é muito negativo. Temos uma Justiça totalmente pró-empresa, e uma condição de negociação quase inexistente, rebaixando o valor ao máximo possível e provocando mais conflitos nas comunidades”, aponta o dirigente do MAB. Outro problema que é colocado como condição para o pagamento é a assinatura de documento que implica aceitação total entre empresas e atingidos, impedindo que novas indenizações possam ser pedidas caso sejam constatados outros impactos oriundos dos rejeitos de mineração despejados no rio. “Estudos mostram que o dano segue de vento em popa, se reproduzindo na natureza”.

Assim, ele explica, a Fundação Renova vai tentando indenizar a toque de caixa, aproveitando-se da situação de vulnerabilidade de muitas famílias, agravada ainda mais pelo momento de pandemia. O sistema para pagamento de indenizações implementado em agosto de 2020 foi prorrogado até abril em alguns municípios. Desta forma, a pressão aumenta para que os atingidos façam sua adesão, sob a ameaça de que não conseguindo agora, correm o risco de não mais receberem a devida indenização. “Acaba não sendo uma escolha, mas uma coação. Não vemos que os acordos de indenização sejam motivo de grande felicidade nas comunidades, que sejam vistos como uma conquista. As pessoas aceitam por medo de ficar sem nada”, declara Heider Boza.

Com essa estratégia, a Samarco, que voltou a operar no fim de 2020 em Anchieta, sul do Estado, e a Vale e BHP vão tentando limpar seus nomes e quitar suas responsabilidades depois de dois crimes socioambientais de proporções gigantescas, tranquilizando seus acionistas, enquanto nos territórios atingidos ainda seguem as dúvidas e necessidades latentes.

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