Nego da Pesca fala de seu otimismo sobre a implementação das novas políticas federais da pesca artesanal
Bons ventos para a pesca artesanal sopram de Brasília neste conturbado inverno, em que homens e mulheres que trabalham com a pesca e a mariscagem no litoral da Capital capixaba são submetidos a um processo de criminalização da profissão.
Quem conta a novidade é Manoel Bueno dos Santos, o Nego da Pesca, presidente da Associação de Pescadores de Jacaraípe e da Federação das Associações de Pescadores do Espírito Santo (Fapaes) e coordenador nacional do Movimento dos Pescadores e Pescadoras (MPP). A partir do lançamento do programa Povos da Pesca Artesanal, pelo Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), Nego participa de várias articulações no Espírito Santo para que as ações do programa beneficiem os pescadores capixabas, como o Jovem Cientista da Pesca Artesanal.
“Estou muito otimista. Passei uma semana em Brasília, no dia dois de agosto o presidente Lula sancionou a lei lançando esse programa e muitos outros que vão aparecer mais pela frente. Tenho certeza que vamos ganhar muito com isso, porque temos uma importância muito grande para esse país. O pescador artesanal gera o próprio emprego e no mínimo de quatro a cinco empregos, além de colocar uma alimentação de qualidade na mesa da população brasileira. E, aqui no Espírito Santo, vamos reforçar esses dois símbolos que nós temos, que é a moqueca capixaba e a panela de barro. Estou muito feliz e otimista”.
O otimismo, no entanto, não ofusca a leitura realista das graves ameaças ao setor, como portos, exploração de energia eólica e sal-gema e leis que criminalizam a profissão.
“Não podemos perder de vista a quantidade de portos que tem no nosso Estado. São 420 km de costa com 11 portos e previsão de 27 no total. Alguns já licenciados, outros sendo pesquisados, e outros já praticamente iniciando a sua construção e dragagem, como o superporto em Presidente Kennedy, o Porto Central, e outro previsto em Urussuquara, já licenciado também. E muitos outros que vêm aí. Além da previsão de implementar energia eólica no alto-mar e o sal-gema no norte do Estado. Não podemos esquecer também de algumas leis que vêm prejudicando o nosso Estado, que é a lei municipal de Vitória, algumas leis que o Ibama implantou em frente ao Porto de Vitória, que os pescadores estão impedidos de trabalhar e temos que reverter essa situação. Tudo isso vem impactando a pesca e nós não vamos deixar isso passar despercebido”, afirma, elencando tópicos que serão tratados durante o Encontro Estadual do MPP que acontece nos dias 12 e 13 de setembro.
“Vamos fazer uma análise de conjuntura, de como está a Lei da Pesca, as consequências que estão vindo aí, os impactos que estão acontecendo, principalmente falando de Mariana, o rompimento de 2015, que impactou o Rio Doce e o litoral do Espírito Santo”. A mesa de abertura contará com representantes da Defensoria Pública, da ONG Federação dos Órgãos de Defesa Social e Educacional (Fase), da Comissão Pastoral da Pesca (CPP), do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (Ifes de Piúma) e da Secretaria de Estado de Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag).
Em outubro, acrescenta, acontecem as conferências regionais que irão definir os delegados para a conferência nacional da pesca. O Espírito Santo está junto com São Paulo nessa regionalização. “Acredito que vamos conseguir nortear a realidade da pesca hoje e o que precisa para melhorar”.
Juventude
O presidente da Fapaes tem um carinho especial pelo programa Jovens Cientistas. A previsão é de conceder mais de 800 bolsas de iniciação científica, por meio de fundações de amparo à pesquisa e inovação com a capixaba Fapes, do governo do Estado. “Nós faremos todo o esforço para que os jovens do Espírito Santo também sejam contemplados com essas bolsas. Porque temos certeza de que esses jovens irão contribuir muito com a pesca artesanal no Espírito Santo. Nós precisamos muito valorizar esses jovens e engajar eles na pesca junto com nós. É um sonho que temos, ter jovens se formando e nos auxiliando. Porque nós temos a prática e teremos a teoria também para dentro da pesca”.
Um exemplo da repercussão que um programa como esse tem na vida de um estudante é relatado pelo Ifes Piúma em seu canal do YouTube, em que o estudante do curso técnico integrado em Pesca Gabriell de Oliveira Costa conta sua experiência de participar da Feira Brasileira de Ciência e Engenharia (Febrace), em São Paulo, com seu projeto de iniciação científica sobre a comunidade pesqueira de Marataízes, no sul do Estado, onde ele nasceu. O trabalho ficou em quarto lugar na categoria Ciências Sociais e Aplicadas e em primeiro lugar na categoria Ciências Humanas na Feira de Ciências Norte Capixaba (Fecinc).
O Programa Povos da Pesca Artesanal visa “melhorar as condições de trabalho dos pescadores, valorizar as tradições culturais ligadas à pesca, ofertar linhas de crédito e assistência técnica a comunidades pesqueiras”, informa a Agência Brasil. São sete áreas de atuação, com a participação de seis ministérios, sob coordenação do MPA.
Entre as demandas antigas a serem atendidas, está a liberação de documentação represada no governo federal. “A fila de registro de pescadores conta com mais de 200 mil solicitações. Mas com o programa, a expectativa é zerar os pedidos em até 3 meses”, informa o ministro, André de Paula.
Durante a cerimônia de lançamento, o presidente Lula enfatizou a necessidade de retirar os trabalhadores da pesca da situação de vulnerabilidade. “O Brasil ainda produz menos pescado do que poderia. Grande parte dos pescadores e pescadoras artesanais ainda vivem em condições de extrema pobreza, pelo descaso dos últimos anos. Portanto, o que fizemos hoje não é apenas um ato de justiça e reparação histórica. É também política de desenvolvimento no mais legítimo significado da palavra”, explicou.
“O desenvolvimento é um rio largo, de correnteza forte e margens distantes. O papel do governo é lançar sobre esse rio a maior de todas as pontes: a justiça social. O pescador e as pescadoras artesanais são parte importante no desenvolvimento do Brasil e continuarão recebendo todo o apoio do nosso governo”, ressaltou.
Durante o evento também foi assinado decreto de recriação do Conselho Nacional da Aquicultura e Pesca, órgão consultivo, com participação social, para discussão de políticas públicas e do ordenamento pesqueiro nacional.