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‘Vamos tirar o trilho daqui se a Vale não dialogar’, avisam comunidades indígenas

Nono dia de ocupação da ferrovia reúne cerca de 350 pessoas, incluindo mulheres, crianças e idosos

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No nono dia de ocupação da ferrovia da Vale no trecho que atravessa a Terra Indígena Comboios, em Aracruz, norte do Estado, cerca de 350 Tupinikim, segundo as comunidades, incluindo mulheres, crianças e idosos, mantiveram firme a posição de só encerrar a mobilização mediante abertura de diálogo por parte das mineradoras – também Samarco e BHP Billiton – para atendimento de direitos negados no acordo assinado há um ano com a Fundação Renova. 

O acordo teve objetivo de reparar e compensar os danos causados às aldeias indígenas perante o rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015 – que devastou mais de 600 km de leito do Rio Doce, lançando 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração sobre centenas de comunidades e no litoral capixaba – mas, segundo as comunidades, foi feito de forma ilegítima e precisa ser revisto. 

A decisão de manter a ocupação foi tomada em função da presença de uma oficial de justiça, acompanhada da Polícia Militar, que apresentou uma liminar de reintegração de posse concedida pelo juiz Fabio Luiz Massariol – da 1ª Vara Cível, Família e de Órfãos e Sucessões de Aracruz – em favor da empresa, ordenando a retirada das famílias dentro de uma hora. A sentença expõe a truculência jurídica com que as multinacionais atuam contra as populações mais vulneráveis e estabelece multa de cinco mil reais por minuto, por cada pessoa que descumprir a determinação.

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Reunidas após a leitura do documento, as comunidades de Comboios, Córrego do Ouro e Caieiras Velha reafirmaram a continuidade da ocupação até que a Vale e as outras duas mantenedoras da Fundação Renova se dirijam ao local para abertura de diálogo e negociação. A aprovação foi unânime entre os presentes. 

“Semana passada sexta-feira recebemos uma liminar na qual a Justiça cobra da gente cinco mil reais por pessoa aqui presente e agora acabamos de receber mais uma liminar de reintegração de posse para a própria comunidade indígena se retirar da sua aldeia. A gente não vai sair daqui enquanto a Vale, a BHP e a Samarco não vierem conversar diretamente com as comunidades indígenas aqui presentes. Porque o território é nosso, a aldeia é nossa, o trilho que está passando aqui não é nosso, então se continuar do jeito que está aqui, nós vamos tirar o trilho daqui definitivamente”, declarou, em vídeo compartilhado nas redes sociais, o Cacique Toninho, de Comboios, relatando a decisão comunitária. 

“Eu quero mandar um recado aqui especialmente para a Vale: se você não vir conversar com nós, a partir da semana que vem o trilho deixará de passar dentro da aldeia indígena de Comboios”, complementou, sendo aplaudido pelos presentes.

Reprodução

A pedido da oficial de justiça, todos os adultos presentes assinaram a comprovação de entrega da liminar. “Somos umas 350 pessoas aqui, todo mundo está assinando. Eles ficam procurando líder mas aqui é uma decisão da comunidade”, relata Geane Estella Borges, moradora de Caieiras Velha. 

Com a chegada da noite, foi preciso reduzir os participantes. “Quase todo mundo aqui está com criança e está muito frio. Temos que zelar pela segurança das crianças, dos idosos”, conta. Mas a ocupação permanece ativa, reafirma. 

“Tem sido bem tenso, bem delicado, mas a gente está decidido mesmo a sair daqui só mesmo quando a Vale e a Samarco nos ouvir, nos der um retorno. É muito descaso e falta de respeito da Renova com os povos indígenas. Às vezes a sociedade olha como se a gente estivesse brigando por dinheiro, e não é por dinheiro; é por direito”, afirma. 

A situação das famílias indígenas atingidas é de muito fragilidade, conta a jovem. “A gente está desde janeiro sem auxílio emergencial, algumas famílias assinaram esse acordo porque estavam precisando mesmo, algumas até que não sabem ler, não entendem o que era o acordo de verdade. Não houve consulta livre, prévia e informada [como preconiza a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário]. A Renova nunca conversou com as famílias. Há muitos vícios dentro desse processo”, expõe. 

Geane conta também que esteve na capital capixaba nesta quinta-feira (8) em um evento com artesãos capixabas e o governador Renato Casagrande (PSB). Na oportunidade, pediu sua ajuda para intervir junto às mineradoras em favor das comunidades indígenas. “Pedi que ele se sensibilizasse com a nossa causa e fizesse algo para nos ajudar. Ele disse que estava sabendo por alto da nossa mobilização e se ofereceu para telefonar para alguém da Renova, mas expliquei que nós só iremos conversar com a Vale ou a Samarco, então ele disse que iria fazer isso sim”, relata.

Repactuação fracassada

A reafirmação das comunidades indígenas capixabas ocorre na esteira de outra decisão tomada como resposta à truculência político-econômica das mineradoras responsáveis pelo maior crime socioambiental do país e da mineração mundial. 

Em comunicado conjunto, os governos do Espírito Santo e Minas Gerais, os Ministérios Públicos Federal e estaduais dos dois estados e as Defensorias Públicas da União, capixaba e mineira, afirmaram que o processo de repactuação conduzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) há 14 meses se tornou inviável mediante à insistência, por parte das mantenedoras da Fundação Renova, em uma proposta inaceitável, em termos de prazos e valores. 

“A assunção, pelo Poder Público, da execução de medidas reparatórias e compensatórias restou totalmente inviabilizada em face dos dilatados prazos de desembolso, uma vez que a aceitação de tais prazos significaria transferir o ônus da mora àqueles que mais necessitam das medidas. É evidente, portanto, que houve o desvirtuamento, por parte das poluidoras, das premissas de celeridade e de definitividade, firmadas na Carta de Premissas de 22 de junho de 2021”, afirmam os entes públicos em um trecho do comunicado. 

O valor mínimo entendido pelos entes era de R$ 100 bilhões, um pouco menor que os R$ 150 bilhões pedidos na ação civil pública impetrada pelo MPF em 2016, que teve tramitação paralisada em funções de seguidos acordos extrajudiciais com a Renova e suas mantenedoras, todos descumpridos até agora, segundo diversas manifestações oficiais dos órgãos de justiça, da Comissão Externa da Câmara Federal criada para acompanhar a Repactuação conduzida pelo CNJ, bem como os inúmeros relatos dos atingidos, por meio de suas manifestações públicas e organizações de apoio à luta. 

Corte Inglesa decide em favor dos atingidos

Há uma semana, uma ação judicial em curso teve decisão favorável aos atingidos defendidos em uma ação impetrada em 2018 na Justiça britânica contra a BHP Billiton. No dia 31 de agosto, a Corte de Apelação do Reino Unido rejeitou o recurso feito pela mineradora para recorrer à Suprema Corte contra a permissão dada para que ela seja julgada por sua responsabilidade na tragédia.

O processo é movido pelo escritório Pogust Goodhead em favor de mais de 200 mil vítimas no Espírito Santo e Minas Gerais. Impetrada em 2018 com o valor de cinco bilhões de libras esterlinas, atualizados hoje para cerca de 31 bilhões de reais, a ação chegou a ser rejeitada pela Justiça do Reino Unido, mas, após nova análise, foi aceita no dia oito de julho passado


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