Um conjunto de 19 lagoas artificiais, produzidas em função da extração de areia na Barra do Jucu, em Vila Velha, irão ampliar até 10 bilhões de litros de água para o Sistema de Abastecimento do Rio Jucu, que fornece 64% da água tratada consumida na Grande Vitória.
Atualmente, as lagoas possuem uma capacidade estimada em cinco bilhões de litros, mas com as obras de nivelamento de fundo e interligação de todo o complexo, o volume disponível pode chegar a 10 bilhões, o equivalente a aproximadamente metade do previsto para a grande Represa do Rio Jucu Braço Norte, a ser construída entre Domingos Martins e Viana.
A utilização desse verdadeiro tesouro consta em um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) a ser assinado nesta terça-feira (26), entre o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), a Procuradoria Geral do Estado (PGE) e três empresas – Jaguarussu, Transporterra e Parsec. O Termo é resultado de uma Ação Civil Pública (ACP nº 000535-06.2016.8.08.0035) proposta pelo Ministério Público Estadual (MPES).
O objetivo é “ encontrar solução viável para o passivo ambiental criado pela extração de areia no local”, possibilitando ainda criar “um reforço no abastecimento público da região metropolitana de Vitória”, explica o servidor Paulo Roberto Nonnenmacher, da Gerência de Saneamento, Infraestrutura e Mineração/Coordenação de Mineração (GSIM/CM- Iema), de quem partiu a ideia.
A proposta recebeu parecer favorável da Companhia Espírito Santense de Saneamento (Cesan), que a considerou “bastante promissora, criativa e de grande relevância”, pois servirá como “um grande reservatório de água para uso em apoio ao SAA Jucu em períodos de baixa pluviometria”, segundo conta no Relatório de Avaliação – Estudos de viabilidade para formação de reserva hídrica do sistema Jucu, produzido em novembro de 2017 pelo servidor Nestor A. Gorza Jr, da Gerência de Projetos e Programas Estratégicos (E-GPP).
E comprova que, de fato, há muitas soluções possíveis para ampliar o SAA do Rio Jucu e garantir mais segurança ao fornecimento de água tratada para a Grande Vitória. Todas elas, sublinhe-se, com orçamentos e impactos socioambientais incomparavelmente menores do que os da grande Barragem.
Represa 'caça-votos'
Projetada para ser construída a partir de setembro deste ano entre Domingos Martins e Viana, a obra é a menina dos olhos do governador Paulo Hartung neste final de seu terceiro mandato, em que resolveu abriu os cofres do Estado para tentar deixar o Palácio Anchieta com imagem menos desgastada perante os capixabas.
No relatório de 32 páginas, a Cesan descreve detalhadamente a disponibilidade hídrica de cada lagoa, a qualidade da água, com apresentação de resultados de exames especiais, feitos dentro e fora dos laboratórios da Cesan, bem como as possibilidades técnicas para melhor aproveitamento da água, como a interligação das lagoas, por nivelamento das cotas de fundo, e a construção de um canal que as interligue ao Rio Jucu.
No TAC a ser assinado no dia 26, consta o nivelamento, que será custeado pelas empresas, como forma de compensação ambiental. Já o canal tende a ser uma obra futura a ser empreendida pela própria Cesan.
O relatório diz ainda que a vazão do complexo lacustre, sozinho, desconsiderando sua capacidade de recarga natural, é capaz de substituir integralmente o atual SAA Rio Jucu durante nove dias. A eliminação total da captação do Rio, no entanto, é irreal. E, em cenários mais prováveis, a contribuição efetiva das lagoas pode ser de 39 dias (com o sistema operando apenas em um terço sua capacidade) ou 78 dias (operando com metade da capacidade).
Os dados sobre o sistema lacustre da Barra do Jucu são citados em um requerimento que a ONG Instituto Jacarenema de Pesquisa Ambiental (Injapa), membro titular no Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Jucu (CBH Jucu), prepara para protocolar junto ao MPES.
No documento, a entidade arrola quase duas dezenas de questionamentos sobre aspectos técnicos, ambientais e sociais da grande Represa, questionamentos esses feitos durante a apresentação do projeto da obra, em maio último, na Plenária do CBH Jucu, e que não foram respondidos pelas entidades estaduais presentes, incluindo a Cesan e a Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh).
“Qual a precipitação máxima que foi considerada para a capacidade de retenção de água da barragem? Sendo a média anual-ES (200 mm.), caso essa estrutura receba uma precipitação entre 300 e 400 mm., como em dezembro de 2013, quais as ações, táticas e soluções que serão adotadas, caso a capacidade de retenção seja ultrapassada? O município de Vila Velha será alagado com a abertura emergencial do sistema, devido ao risco de transbordamento? Ainda no quesito dimensionamento da barragem, o Rio Jucu conseguirá, na seca, diluir e transportar sua carga de esgoto, sedimentos e nutrientes?”, inquiri o requerimento, que será encaminhado a onze destinatários, entre eles, o MPES, o Iema, a Cesan, a Agência de Recursos Hídricos (Agerh), a Prefeitura de Vila Velha e o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea-ES).
Petrus Lopes, presidente do Injapa, menciona ainda que o aquífero do Rio Jucu não foi estudado, podendo ser uma solução tão ou mais importante que o complexo lacustre disponibilizado pelo TAC. E que há ainda outras lagoas semelhantes na região, além da possibilidade de construções de caixas secas, entre outras alternativas a uma obra tão polêmica como a grande Barragem.
“Juntamente com as respostas que porventura sejam apresentadas, desejamos conhecer e debater alternativas para a bacia do Jucu, já que armazenar água no meio do rio não pode ser aceito como a única solução ambiental para a Bacia Hidrográfica. Abastecer cidades não é a única função do Rio Jucu, e de nenhum rio”, afirma a entidade.