A capital do Espírito Santo será a sede do 9º Encontro Nacional de Comissões Internas de Biossegurança (ENCIbio), que acontece nos dias 1 e 2 de outubro, em conjunto com o 8º Encontro Bienal de Biossegurança (EBBio).
Na programação do duplo evento, conforme destacou o portal Rede Brasil Atual (RBA), estão pesquisadores com estreito relacionamento profissional com as principais empresas de agrotóxicos e transgênicos do mundo e com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) do Congresso Nacional.
Entre eles, Margaret Karembu, diretora de políticas e comunicação em biossegurança do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Agro-Biotecnológicas (ISAAA), no Quênia; o gerente da área de regulação da Monsanto no Brasil, Fabio Tagliaferro; o ex-presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), Edivaldo Velini; e o produtor rural Fábio de Salles, presidente do Conselho de Administração do Instituto Pensar Agro (IPA), um dos articuladores do Pacote do Veneno (PL 6299/2002).
Doutor em Ecologia, o professor José Maria Guzman Ferrraz, do Laboratório de Engenharia Ecológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente da Universidade de Araraquara (Uniara), explica que as Comissões Internas de Biossegurança (CIbios) são instâncias que obrigatoriamente devem existir dentro de todas as empresas que produzem organismos geneticamente modificados (OGMs).
Periodicamente, os seus integrantes se reúnem em algum ponto do país, para discutir as últimas descobertas na área, produzindo documentos abertamente favoráveis à polêmica tecnologia, intimamente relacionada com o aumento do consumo de agrotóxicos.
Tendo sido um dos integrantes da CTNBio, por indicação da sociedade civil, Guzman ressalva ainda que a CTNBio, por sua vez, é o colegiado oficial responsável, no Brasil, por aprovar ou não os OGMs queridos pelas empresas, bem como acompanhar o desenvolvimento desses produtos em campo.
100% de aprovação
Com sede em Brasília, a CTNBio realiza reuniões mensais com esse objetivo. Atualmente, como de costume, a CTNBio funciona sem os representantes da área da saúde, saúde do trabalhador e de defesa do consumidor. Tampouco divulgou, em seu site, as atas das reuniões realizadas em 2018. E nunca, em seus treze anos de fundamento, rejeitou uma única proposta de produção de transgênicos feitas pelas multinacionais do setor.
“As decisões são políticas, não científicas”, denuncia. E ferem o princípio da precaução, do qual o Brasil é signatário, que afirma ser necessário avaliar todos os riscos minimamente possíveis, antes de se autorizar um produto que carrega qualquer possibilidade de provocar dano ambiental.
O monitoramento dos transgênicos aprovados, por sua vez, também fica a desejar. “As empresas que fazem o monitoramento colocam os dados que querem”, revela o cientista.
Uma decisão bastante emblemática aconteceu em junho último, quando a CTNBio não classificou como transgenia uma experiência de edição de genes (CRISPR), aplicado para a criação de duas novas leveduras pela empresa belga-brasileira GlobalYeast.
A tecnologia, que outrora já foi considerada como “uma das invenções mais potencialmente transformadoras da medicina moderna”, segundo definiu postagem no blog NetNature, hoje apresenta falhas perigosas, que colocam em xeque sua real eficiência e segurança.
Uma das terríveis surpresas foi desvelada pelo pesquisador Stephen Tsang, do Centro Médico da Universidade de Columbia/EUA e sua equipe. “Ao sequenciarem todo o genoma de dois ratos que haviam sido submetidos à edição de genes do CRISPR em um estudo anterior, eles descobriram que a técnica corrigiu com sucesso um gene que causa cegueira nos camundongos, mas os dois ratos que passaram pela edição de genes CRISPR sofreram mais de 1.500 mutações nucleotídicas não planejadas e mais de 100 deleções e inserções maiores”, informa a publicação.
“O Brasil tem coisas muito malucas. Nenhum produto que seja cancerígeno e teratogênico pode ser aprovado em vários países, mas aqui é aprovado. Os limites de resíduos tóxicos de agrotóxicos em alimentos e água também são muito maiores aqui que na Europa”, exemplifica. “Será que somos tão mais resistentes assim que os europeus?”, pergunta Guzman, ironicamente.
Conscientização da população
A explicação para a disparidade – bem documentada na publicação Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, chamado de Altas do Uso de Agrotóxicos no Brasil, produzido pela professora do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), Larissa Bombardi, e lançado no final de 2017 – está na falta de conscientização e mobilização da população brasileira, ressalta o acadêmico.
A pressão da sociedade contra os agrotóxicos, explica, é um dos critérios oficiais considerados durante o processo de elaboração dos padrões máximos permitidos de resíduos de agrotóxicos na água e nos alimentos consumidos pela população.
Difícil é conseguir oxigenar a consciência das pessoas num país onde o atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi, é o autor do Pacote do Veneno e proprietário de uma das maiores empresas de importação e exportação de agrotóxicos e adubos químicos. “Quase 97% da soja brasileira é transgênica”, informa. E boa parte da transgenia na soja é para tornar a planta mais resistente ao uso de herbicidas, especialmente o glifosato, da Monsanto.
“Quantas pessoas morrem, são intoxicadas e desenvolvem doenças crônicas, além de má formação fetal, por causa do glifosato?”, indaga. O princípio ativo do agrotóxico mais usado no mundo, há mais de 40 anos, tem sido alvo de vários processos na Justiça de vários países.
Em agosto último, um desses processos foi favorável à vítima, o jardineiro Dewayne Johnson, de São Francisco, nos Estados Unidos, que alegou ter contraído câncer devido ao uso prolongado do glifosato. Recebeu uma indenização de US$ 289 milhões.
As pesquisas científicas mais recentes também relacionam a ingestão de glifosato a diversos males, como Alzheimer, intolerância a glúten, autismo, ansiedade, entre outros. “O glifosato mata a flora intestinal”, ressalta Guzman.
A saída para mudar a excessiva liberalidade brasileira para agrotóxicos e transgênicos, acredita o cientista, passa, invariavelmente, pela conscientização dos consumidores. “É preciso barrar esse Pacote do Veneno e aprovar a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos [PnaRA (PL nº 6670/2016)]”, orienta.