A comissão especial que analisa a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215/00) que submete ao Congresso Nacional a decisão final sobre a demarcação de áreas indígenas cancelou novamente a votação do parecer do relator, deputado Osmar Serraglio (PDMB-PR), prevista para esta terça-feira (9). A votação já havia sido adiada na semana passada e ainda não foi marcada uma nova data para apreciação do relatório.
O substitutivo de Serraglio inviabiliza novas demarcações, reabre procedimentos administrativos já finalizados e legaliza a invasão, posse e exploração das terras demarcadas, como é o caso das aldeias Tupinikim e Guarani de Aracruz, norte do Espírito Santo, explorada há décadas pela Aracruz Celulose (Fibria).
Na última semana, indígenas fizeram protestos na Praça dos Três Poderes, em frente ao Palácio do Planalto, contra a PEC. Entidades sociais que apoiam a luta indígena também divulgaram manifestos contra a medida, que já tramita há 14 anos na Câmara dos Deputados, onde precisa ser votada pela comissão especial e pelo Plenário.
Na última sexta-feira (5), a bancada do Partido Verde (PV) na Câmara divulgou nota contrária à medida. O partido apontou que a proposta original já era de “teor profundamente retrógado” e piorou com o substitutivo do relator, que integra a bancada ruralista do Congresso Nacional.
“Se a proposta for aprovada, as demarcações ficarão, na prática, inviabilizadas e o agronegócio avançará sobre as terras indígenas. Os povos tradicionais não terão mais direito às suas terras. Ocorrerá um recrudescimento dos conflitos e da violência no campo. Do ponto de vista ambiental, os danos serão enormes, com mais florestas devastadas, mais veneno lançado na natureza, menos rios e menos biodiversidade”, alertou a bancada.
O PV ressalta a necessidade de vigilância permanente, pois teme que novas proposições igualmente contrárias aos interesses dos povos indígenas, que “tramitam de forma discreta, sob os auspícios do chamado setor produtivo” tenham tramitação acelerada no Congresso. Como o projeto complementar apresentado em comissão especial, cujo relator é o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que pretende regulamentar o parágrafo 6° do artigo 231 da Constituição.
O projeto de Jucá permite excluir de Terras Indígenas (TI), durante a demarcação, fazendas, núcleos urbanos, minas, hidrelétricas e estradas, estabelecendo exceções à posse e uso exclusivo das comunidades indígenas sobre suas terras no caso de “relevante interesse público da União”.
A matéria é apontada como uma alternativa à PEC 215 e teria apoio do governo federal, ao contrário da proposta que transfere a demarcação do executivo para o Congresso, já criticada pela presidente Dilma.
Inconstitucional
O substitutivo de Serraglio mantém a demarcação das terras indígenas pelo legislativo, porém por meio de projeto de lei de iniciativa privativa do presidente da República, e não por decreto, como é feito atualmente, com base na Constituição.
O texto diz ainda que a lei poderá estabelecer a permuta de áreas que originalmente caberiam aos indígenas; veda a ampliação de terra já demarcada; e modifica o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, determinando que se a União não cumprir o dever de demarcar as terras indígenas no prazo constitucional previsto, ao todo cinco anos, terá de indenizar o proprietário das terras. Procedimentos considerados em desacordo com a disposição da PEC terão que ser revistos no prazo de um ano.
O deputado ruralista propõe mudanças ainda nas regras de posse das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, a quem é garantido o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
O substitutivo diz que os índios poderão explorar essas terras direta ou indiretamente, estabelecendo uma série de exceções: ocupações configuradas como de relevante interesse público da União; instalação e intervenção de forças militares e policiais; instalação de redes de comunicação, rodovias, ferrovias e hidrovias e edificações destinadas à prestação de serviços públicos; áreas afetadas por unidades de conservação da natureza; e perímetros urbanos.
A proposta autoriza o ingresso, trânsito e permanência de não índios nas áreas indígenas, inclusive pesquisadores e religiosos, e que as comunidades indígenas em estágio avançado de interação com os não índios poderão se autodeclarar aptas a praticar atividades florestais e agropecuárias e a celebrar contratos, inclusive de arrendamento e parceria.